À Conversa Com Ângelo Fernandes Sobre O Encontro “O homem que promove a igualdade de género”

“O primeiro encontro “O homem promotor da igualdade” pretende desafiar a masculinidade tradicional e envolver o homem na luta pelos direitos das mulheres”. É assim que é feito o convite por parte da Quebrar O Silêncio, a primeira associação portuguesa que presta apoio especializado a homens sobreviventes vítimas de abuso sexual e organizadora do evento que decorrerá nos próximos dias 16 e 17 de novembro. Este encontro contará com 5 painéis e 24 convidadas e convidados, como Teresa Fragoso, presidente da CIG, Mário Cordeiro, APAV, IAC, Médicos do Mundo, Rita Ferro Rodrigues e Tozé Brito, que partilhará o seu testemunho enquanto vítima de abuso sexual.

Estivemos – mais uma vez – à conversa com Ângelo Fernandes, Presidente da Quebrar O Silêncio, para que nos falasse sobre as motivações e propostas deste primeiro encontro:

A Quebrar o Silêncio apresenta-se como “a primeira associação portuguesa que presta apoio especializado a homens sobreviventes vítimas de abuso sexual”. Com menos de um ano de história, em que contexto surge este primeiro encontro “O homem promotor da igualdade”?

Este encontro surge após uma reflexão sobre como os valores tradicionais da masculinidade também afectam os homens sobreviventes vítimas de abuso sexual no acesso aos serviços de apoio e como gerem o processo para ultrapassar o trauma e as consequências desse abuso.

Internamente compreendemos que além das respostas de apoio é necessário investir na prevenção e desconstruir os atributos tradicionais de masculinidade. Para nós é necessário reflectir sobre novos valores como forma não só de contribuir para a igualdade de género, mas também para desvitalizar a cultura inerente aos comportamentos “tóxicos”.

Perante esta análise, considerámos importante aceitar este desafio e levá-lo para a frente ainda este ano, apesar de ser uma altura de consolidação para a associação, dada a nossa recente existência. Foi uma decisão ponderada, mas que nos pareceu necessária. Inicialmente tínhamos idealizado três dias, mas devido à logística acabámos por realizar apenas dois. Queremos voltar a introduzir o terceiro dia na segunda edição do encontro, a realizar-se para o ano em novembro.

“Pretendemos com este encontro que se comece a desafiar e a desconstruir os comportamentos tóxicos da masculinidade e que se invista em novos valores para a mesma”, que comportamentos e valores são esses?

O trabalho feito para a igualdade de género tem conseguido conquistas fundamentais, mas continuamos a observar que os valores tradicionais estão muito presentes na nossa sociedade. A ideia de que um homem não chora, não fala das suas emoções e sentimentos, continua a fazer parte do nosso dia-a-dia e regularmente somos confrontados com o impacto desses valores. Do mesmo modo que o homem não pode pedir apoio ou ser vítima. São ideias e representações que vão contra a masculinidade tradicional e que entram em conflito quando a realidade é diferente.

Por exemplo a ideia de haver um sexo forte e um sexo fraco pode parecer datada, mas não é assim tão simples de desconstruir, uma vez que foi e é incutida repetidas vezes desde a primeira infância. Quando um homem é vítima, tem dificuldade em reconhecer e gerir essa ideia, pois a sociedade vê os homens como o sexo forte. Isto leva à invisibilidade e ao silêncio por parte dos homens, sobre os abusos e agressões de que são vítimas. Quando, nas nossas sessões de sensibilização, referimos que 1 em cada 6 homens é vítima de abuso sexual antes dos 18 anos, as reacções são de surpresa. As pessoas consideram esta estatística impressionante porque não estão à espera e também porque não se fala destas matérias. Quando referimos também que apenas 16% dos homens reconhece que foi vítima e que em média um homem demora cerca de 26 anos até procurar apoio, as reacções são ainda de maior espanto.

Claro que há outros factores que contribuem para este silêncio, questões muito directas e relacionadas com o abuso, no entanto os valores tradicionais de masculinidade têm um impacto significativo nestes 26 anos de silêncio.

E como mudar o paradigma da desigualdade de género se ajusta à causa maior da associação, apoiar homens sobreviventes de abuso sexual?

Numa primeira reflexão a relação pode não ser tão directa, mas a verdade é que se educarmos rapazes e raparigas para a igualdade de género, estamos a contribuir para uma educação onde os rapazes possam sentir que falar dos seus sentimentos ou identificarem-se com formas de masculinidade menos tradicionais não significa que são “menos homens”.

Do mesmo modo que os valores tradicionais se instalaram nos modelos educativos e hoje “minam” os comportamentos dos homens, queremos que estes novos valores contribuam para uma educação mais benigna para todos e todas. Ao reflectirmos de que modo é possível contribuir para novos valores de masculinidade, seja em casa, mas também nas escolas, no trabalho e nos diferentes contextos onde haja socialização, podemos contribuir para que no futuro seja possível observar os resultados deste trabalho. Enquanto não há estratégias com maior efeito na prevenção da violência e abuso sexual, pode ser que este trabalho nos permita reduzir o gap de 26 anos.

Poderão seguir o evento aqui.

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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