Educação E Preconceito

Hoje tem início neste espaço a resposta dada a um convite, a uma provocação que traria novas vozes a um blogue que se quer tão uno na luta como diverso na palavra. Como tal, aqui ficam as palavras de outrem, de alguém que não poderia mais próximo estar. E aqui elas estão:

Uma das grandes e pérfidas falácias em que queremos acreditar em casos de discriminação de qualquer género é que tais só surgem devido ao baixo nível de educação académica dos detractores cuja fobia fervorosa é por vezes tão doentia que contagia todo o espaço que ocupa. Outra ilusão pós-liberal é que tais graus de intolerância perante a diferença só se concretizam fora dos contextos urbanos, mas essa é uma discussão paralela que merece deambulação própria.

O que aqui apresento é um relato de experiência pessoal e uma prova de que a educação puramente académica não basta para formar moralmente um ser humano. Fazendo parte já há alguns anos de um dos maiores institutos de investigação científica a nível nacional e tendo-me inserido nessa “comunidade” simultaneamente com o período da minha vida em que finalmente deixei cair a máscara, acreditei, inocentemente, que ninguém quereria saber da minha orientação sexual. Como tal , num momento de pura tabula rasa, nunca omiti nada a ninguém e fui, ao longo dos tempos, sendo aceite na plenitude e de forma calorosa e comovente por colegas de grupo e não só. Tanto que hoje em dia é mais que natural e imperativo levar o meu namorado a encontros sociais fora do laboratório em que a empatia se tornou rapidamente mutua.

Assim se passaram meses e anos sem que eu reparasse em qualquer vislumbre de homofobia por aqueles corredores. Natural, esperava eu, num local onde se cruzam vários credos e nacionalidades, todos com uma formação académica do mais alto nível, num misto de culturalidade que cria ser um pequeno oásis social isento de preconceito. Mas quem trabalha nestes institutos também sabe, ou aprendeu cedo a saber, que se vive numa espécie de aldeia ou bairro antigo onde se sabe tudo sobre todos.

Assim se explica que tenham chegado até mim detalhes de uma discussão proveniente de um ajuntamento pós-eucarístico de um dos grupos desses instituto. Mas aparentemente a minha “falta de vergonha” em simplesmente assumir quem sou chegou de alguma forma aos ouvidos dos elementos desse grupo que fervorosamente se opõe a qualquer tipo de medida que aprove a co-adopção e outros direitos pelos quais os defensores dos direitos humanos – homossexuais ou não – lutam e se esforçam em ver instaurados.

E não seja feita confusão na minha adjectivação do dito ajuntamento como tendo eu próprio algum preconceito que alguém com uma vida religiosa activa se opõe automaticamente aos direitos dos homossexuais. Sei-o, por experiência própria, que tal é também uma mentira e tenho a felicidade de ter amigos bem próximos que tanto se emocionam depois de uma missa mais comovente como com histórias trágicas de intolerância e que lutam tanto como eu, ou às vezes até mais, pela vitória legal e moral destes mesmos direitos.

Mas não consegui encontrar outra reacção senão total indignação quando descubro que nessa mesma mesa se enumeraram fisicamente muitas das pessoas do instituto que, tal como eu, não têm nada a esconder. Não todas certamente, pois perderiam a conta passados alguns minutos. Era no entanto uma espécie de lista negra cujos efeitos já consigo agora reconhecer em alguns olhares de reprovação menos conspícuos. Tudo isto num espaço em que se pretendia uma espécie de uníssono colectivo em prol de uma evolução científica e da vontade inesgotável de proliferação do conhecimento acerca de nós mesmos e do mundo que nos rodeia. Algo que teria obviamente reflexo na educação ética e social dos que nele se inserem. Uma utopia falsa e tão contagiada com a mesma intolerância, talvez ligeiramente menos enraizada ou exposta, de uma pequena comunidade rural no interior do país.

Entretanto a indignação transformou-se inevitavelmente em desilusão. Mas quando esses esgares se atravessam no meu caminho não me atrevo a retrair e riposto com indiferença. Afinal de contas os nossos objectivos naquele instituto parecem ser diametralmente opostos. Eu pretendo, também talvez utopicamente, continuar a evoluir e a desenvolver pistas para soluções científicas para problemas que afectam a nossa sociedade hoje e afectarão ainda mais nas décadas que se avizinham. Não existe tempo então para desperdiçar com trogloditas que, escondidos por detrás de pipetas e tubos Eppendorf, continuam a disseminar as suas patologias sociais.

Nuno Gonçalves

(fotografia por Maelven)