Pelo amor de Björk

Que características transformam um artista num ícone gay? Historicamente são cantoras com um grau excepcional de talento, uma vida pessoal atribulada e personalidade invulgar ou incapaz de ser rotulada. A fórmula pode ser mais ou menos ajustada, mas a atracção é ainda justificada quando na música que fazem existem elementos de um romantismo exacerbado e propício para muitas vezes ser devastado.

Todos estes elementos estão presentes de uma forma ou outra na carreira da cantora islandesa Björk desde 1993 e o lançamento de ‘Debut’. No entanto, e apesar do título, este não é o seu primeiro disco, conhecida na Islândia desde criança, e cujo lançamento a solo aconteceu em 1977, quando tinha apenas 12 anos. Daí foi integrando diversas bandas punk e rock como Tappi Tíkarrass, KUKL até atingir o sucesso internacional com os The Sugarcubes.

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Mas foi no recomeço da sua carreira a solo que encontrou um lugar de destaque junto da comunidade gay. A sua voraz excentricidade no mundo pop permeava a forma como se vestia e todos os aspectos da sua arte, tornada maior pelos videos que acompanhavam os singles e viam nos anos 90 a sua época de ouro. Björk foi uma das maiores embaixatrizes do meio, trabalhando recorrentemente com os seus mais emblemáticos realizadores: Michel Gondry, Spike Jonze e Chris Cunningham, entre muitos outros.

A temática gay no seu trabalho nunca é ostentada de forma óbvia, mas sempre presente no seu jeito tão escandinavo de abraçar o que não é comum. Normalmente encontra-se entremeada na guerra disruptiva mas harmoniosa entre a Natureza e a Tecnologia, tão presente em canções como Isobel e All is Full of Love, dos clássicos ‘Post’ e ‘Homogenic’. No vídeo desta última, o alter-ego robótico de Björk apaixona-se por um clone seu e fazem amor no meio de máquinas que os penetram e fluídos que os mantêm funcionais e… vivos. Numa entrevista chegou a dizer: “Penso que escolher entre homens e mulheres é como escolher entre bolo e gelado. Sería tolice não experimentar ambos quando existem tantos sabores diferentes”.

Foi com esta forma provocatória e invulgar de olhar a sexualidade, bem presente também no erótico Pagan Poetry,  que conquistou também a comunidade que, em redor de tanta repressão e demonização do que era diferente, encontrou nela algum reconforto de reflexos seus. 2015 vê o regresso de uma Björk mais clássica, se tal adjectivo alguma vez possa ser-lhe atribuído, depois de dois álbuns mais conceptuais. ‘Vulnicura‘, lançado de surpresa depois de um leak extemporâneo, é uma espécie de irmão mais velho do sensual e romântico ‘Vespertine’. Mas catorze anos depois Björk apresenta-se de forma radicalmente diferente: o amor que a levava a explorar os recantos dos seu corpo e da sua sexualidade foi substituído por uma tristeza dilacerante, testamento do término do casamento de mais de 10 anos com Matthew Barney, artista-plástico com quem colaborou em Drawing Restraint 9.

As primeiras seis canções de ‘Vulnicura’ vêm acompanhadas de uma cronologia da separação: 9, 5 e 3 meses antes e 2, 6 e 11 meses depois. Nelas expõe-se de uma forma totalmente inédita, sem metáforas românticas a mascarar a dor, mostrando as feridas que ainda sangram profusamente canalizadas numa voz mais devastada que nunca. Nas restantes canções do disco, sem tempo definido, surgem vislumbres da mulher para além da mágoa. Confessa recentemente à Pitchfork, numa das entrevistas mais cândidas que alguma vez deu, que as cicatrizes abertas estão bem abertas enquanto explica o processo criativo do disco, co-produzido pelo artista Venezuelano gay Alejandro Ghersi ou Arca, fundamental nesta dança a dois em que se deixou expor de forma tão incondicional. No entanto, na segunda metade da entrevista, ergue novamente a sua lança e ataca aqueles que insistem em menosprezar o trabalho das mulheres no mundo da música. É este casamento da mulher profundamente vulnerável e demolida com a guerreira feroz e invencível que descreve o magnetismo que sentimos por Björk há já mais de 20 anos. E outros tantos virão agora.

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