Dádiva De Sangue, Instituto Português Do Sangue E Da Transplantação Continua Sem Decisão

Na semana passada, assinalando o Dia Nacional do Dador, o Público noticiou que o grupo de trabalho criado em 2012 para estudar a dádiva de sangue por homens homo e bissexuais não se reuniu no último ano e a sua decisão é esperada há mais de dois anos.

Entre outros aspectos, o grupo de trabalho tem como missão oficial perceber se há fundamento científico para a actual exclusão de homo e bissexuais masculinos da dádiva de sangue, exclusão que vigora há décadas em vários países por se entender que naquela população há maior prevalência e incidência de VIH/sida e outras infecções sexualmente transmissíveis.

O jornal continua e dá um exemplo concreto:

Um estudante de Lisboa, de 21 anos, que prefere não ser identificado, conta que ao tentar dar sangue em Abril do ano passado foi questionado verbalmente por uma enfermeira sobre se “alguma vez na vida tinha tido relações sexuais com outro homem“. O episódio passou-se no Centro Regional de Sangue de Lisboa. “Já tinha dado sangue naquele sítio duas ou três vezes e nunca me tinham perguntado nada semelhante“, relata o estudante. “A enfermeira disse claramente que a pergunta fazia parte das directrizes do serviço”, assegura. “Senti-me discriminado e ofendido.

O jovem preencheu o livro de reclamações e acabou por receber uma resposta do IPST na qual se lê que os dadores “não são suspensos pela homossexualidade, enquanto orientação sexual em si mesma, mas pelas práticas sexuais efectivas“. O estudante garante, no entanto, que na triagem não lhe perguntaram nada sobre práticas sexuais, mas sim sobre a sua orientação sexual. Em Outubro de 2014, ao tentar dar sangue numa unidade móvel na Universidade Nova de Lisboa não passou da secretaria: o sistema informático apresentou-o como excluído, com data de Abril.

Esta é uma das “várias queixas” que o vice-presidente da ILGA Portugal, Paulo Côrte-Real, garante continuar a receber. No entender da associação, existe a “necessidade de eliminar de forma sistemática” a referida pergunta.

Ora, como já aqui foi dito, após quase duas décadas de educação em que se fez educou que existem comportamentos de risco e não grupos de risco, este é um tema que não deixa de ser sensível porque não há razão lógica alguma para que homens homo ou bissexuais que não tenham comportamentos de risco não possam doar o seu sangue.

Este tipo de discriminação, para além de ofensivo, não deixa de ser perigoso porque coloca em risco as pessoas que precisem de sangue e não o tenham por falta de dadores. Estar a bloquear a doação de um todo grupo com base na sua orientação sexual não tem qualquer fundamento científico, quem o diz é a Comissão Europeia e o guia de selecção de dadores da Organização Mundial de Saúde não faz qualquer discriminação baseada na orientação sexual dos dadores de sangue (poderão lê-lo na íntegra aqui [pdf em Inglês].

É importante que o grupo formado em 2012 apresente o quanto antes conclusões baseadas em estudos científicos fidedignos e que este tipo de questões deixem de ser feitas àqueles que decidem fazer uma doação de um bem tão importante como o sangue. Que a triagem siga parâmetros lógicos e não sejam influenciados por uma discriminação impregnada até naqueles que mais obrigação têm em saber aquilo que torna alguém num bom dador, não permitindo que sejam bloqueadas pessoas sãs que fazem o favor (sim, vou usar estes modos) a toda a sociedade e desejam doar o seu precioso sangue.

Nota: Obrigado ao Luciano pela partilha da notícia 🙂

13 comentários

  1. Já me aconteceu o mesmo no IPO. Dei uma primeira vez tudo muito bem. Quando fui a segunda levei com a pergunta. Respondi honestamente – não tenho que ter de mentir para cumprir um dever cívico – e não aceitaram a minha recolha. Tentei uma outra vez num posto móvel da Faculdade de Letras e foi a mesma coisa. Eu recuso-me a mentir. Paciência.
    O Dr. Júlio Machado está careca de falar desta discriminação e é da opinião que não faz sentido nenhum a mesmo e que já nem se encontra incluída nas orientação da organização mundial de saúde. É uma tristeza.
    Uma coisa certa. Mentir para dar sangue não minto…

    1. É uma vergonha esta situação, parece que estão a negar todos os avanços das últimas décadas em termos de educação e estudos científicos sobre a questão da orientação sexual versus comportamentos de risco. Uma mensagem muito perigosa para a população! Há que continuar pressão para que a questão se resolva de vez.

  2. E agora pergunto eu, se eu for dar sangue, vão-me perguntar se tive relações sexuais com outra mulher? E se sim, isso vai impedir-me de dar sangue?? É que isto parece-me dupla discriminação, não só por orientação sexual, mas também por género.

    1. A coisa centra-de naquilo a que se chama “período janela”, que na altura me explicaram. Mas esse período janela hoje, com o avanço das análises e a obtenção imediata de resultados, não faz já sentido nenhum.
      A discriminação de género, também me explicaram na altura, resulta de que as relações entre homens são mais “violentas” e “invasivas”, pelo que risco de hemorragias é maior… enfim… vale o que vale…

      1. Sim, essas podem ser as ‘justificações’ que outrora faziam sentido, mas não nos dias de hoje e muito menos nestes moldes. Por exemplo, um casal de homens monógamos e sãos não podem dar sangue nestas circunstâncias o que é absurdo. Outra questão é que alguns homens também nestas circunstâncias simplesmente ‘mentem’ ao questionário em nome da causa maior que é doar sangue.

      2. Por vezes somos levados nas conversas se estamos perante alguém que, supostamente, deveria estar dentro do assunto. Mas o importante é apercebermo-nos do erro e reagir, é o que estamos a tentar fazer aqui 🙂

      3. Ok até entendo isso, mas então não é uma questão de género e sim comportamento, portanto todo o processo está errado, e voltamos ao início. Ressalva: eu estou a falar de cor e não experiência porque não posso dar sangue portanto nunca vi o questionário.

    2. Esta discriminação é, efectivamente, em relação a homens que têm/tiveram relações com outros homens, por isso, sim, é uma dupla-discriminação, por orientação sexual e género. Sem qualquer fundamento, obviamente.

      1. Sim. Mas sabes que quando o médico me explicou, lá no IPO, a coisa até fez sentido. Infelizmente a minha cabeça de alho chocho não me permite já reproduzir a razão. Mas seja como for, e com os avanços actuais na detecção e controlo, não faz sentido nenhum dos casos

      2. Exactamente. Resumiste tudo. Mas, para mim, a causa maior é a minha honestidade, lamento. Poderia ter mentido… mas isso também não ajuda. Não o farei. Nunca.

    3. Sim, basicamente é isso, um filtro que se baseie em comportamentos de risco faz sentido, um que se baseie na orientação sexual (neste caso de homens) é uma falha e um desrespeito para quem quer (e pode) fazer a doação 🙂

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