Instituto do Sangue: Homossexuais Só Podem Dar Sangue Se Estiverem Em Abstinência Sexual

O Presidente Do Instituto Português Do Sangue E Da Transplantação (IPST), Hélder Trindade, após dois anos de espera, foi finalmente ouvido hoje na Assembleia da República para justificar-se perante as denúncias de discriminação em relação a dadores de sangue homo e bissexuais masculinos. E assim disse:

O contacto sexual de homens com outros homens é definido como factor de risco. A homossexualidade não é assumida como factor de risco. O que o instituto questiona é o comportamento de risco. Tanto faz se é homo ou heterossexual. Não há discriminação por grupos de risco, mas sim por comportamentos de risco

A reação dos deputados dos vários partidos presentes na Assembleia não demorou: “A categoria ‘homens que têm sexo com homens’ é uma categoria preconceituosa e é absurda do ponto de vista da avaliação do risco. Primeiro presume que um homem que faz sexo com homens faz sempre sexo anal. Depois não considera o factor da desprotecção. O factor de risco são as práticas sexuais desprotegidas”, defendeu José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda. Para a deputada do Partido Socialista, Elza Pais, “as garantias de segurança para quem recebe a dádiva devem ser feitas com base no rigor científico e não no preconceito. O sexo anal não é exclusivo de homens que têm sexo com homens. Se se entende que o sexo anal é factor de risco, como se garante a segurança quando os heterossexuais também têm sexo anal?” Paula Santos, do Partido Comunista Português, disse que os argumentos do IPST eram contraditórios e referiu-se ao critério de exclusão da dádiva de sangue como uma “discriminação”.

Através de uma pergunta escrita ao Governo, o Bloco quer também saber se o executivo “subscreve as afirmações de Hélder Trindade, segundo as quais um homem ter relações sexuais com outro homem é um comportamento de risco, mesmo que essa relação seja protegida” e “como justifica o Governo” que uma resolução da Assembleia da República de 2010 “não esteja a ser cumprida”.

Por seu turno, a ILGA Portugal também já enviou um comunicado sobre as declarações do Presidente do IPST que se baseia em cinco pontos fulcrais:

1. O IPST quer manter a atual discriminação, contra uma recomendação da Assembleia da República aprovada por uma esmagadora maioria e sem votos contra; o IPST retirou oficialmente a pergunta dos manuais mas – foi hoje assumido – simultaneamente garante que a pergunta é colocada para apenas aparentar cumprir a recomendação.

2. O IPST ignora ativamente o facto da pergunta colocada a homens sobre a existência no passado de qualquer relação sexual com outro homem ser discriminatória. Ignora a estigmatização e ignora inclusivamente os custos para a saúde das pessoas que são alvo dessa estigmatização. E invoca a ciência para continuar a estigmatizar e a causar esses custos.

3. A infeção pelo VIH/sida não acontece em função de haver relações sexuais entre homens; no que diz respeito à transmissão por via sexual, acontece em função de práticas sexuais específicas sem a proteção adequada. É possível redesenhar as questões colocadas no inquérito de triagem e garantir uma melhor seleção sem critérios discriminatórios. A discriminação é por isso gratuita nos motivos e altamente prejudicial nas consequências.

4. Quanto à janela de tempo necessária para avaliar a presença de VIH no sangue doado, as afirmações de Hélder Trindade são preocupantes ao porem a hipótese de não ser possível uma verdadeira segurança do sangue recolhido em Portugal.

5. O Grupo de Trabalho que o Governo anunciou sobre esta matéria em 2012 não trabalha. Não existe qualquer resultado nem conclusão partilháveis, nem existem aparentemente reuniões do mesmo Grupo (cuja composição nunca foi tornada pública). A ILGA Portugal ofereceu-se repetidamente em reuniões com o IPST (que tiveram início em agosto de 2014) para participar numa reunião do Grupo de Trabalho. Foi-nos prometido um contacto para uma próxima reunião desse Grupo, que nunca aconteceu. Ou seja, há indícios evidentes de que o anúncio do Grupo de Trabalho e os sucessivos prazos anunciados para apresentação de conclusões não serão mais do que uma manobra dilatória para manter a política do IPST sem contestação, representando um retrocesso face à política anunciada pela Ministra da Saúde do Governo anterior.

A ILGA informa também que já pediu uma audiência com o Ministro da Saúde, Paulo Macedo, para poder abordar a presente questão. Quanto a nós, está tudo dito aqui.

Actualização: Na semana passada, e como costume, as Bichas Cobardes debateram claramente o tema com o deputado José Soeiro a questão da dádiva de sangue, vejam:

Fontes: ILGA Portugal, Renascença e Público.