A Festa Do Avante! E As Suas Vítimas

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Manuel, um galego activista, diz ter sido agredido em plena Festa do Avante! por membros da segurança do recinto. O Partido Comunista Português, que rejeita qualquer responsabilidade, garantindo que a segurança é feita por voluntários e não por uma empresa, viu-se obrigado a emitir um comunicado onde acusa o Manuel de ter sido apanhado a praticar sexo oral. Hoje o jornal i publicou uma entrevista à alegada vítima que explica o que aconteceu naquela noite:

O PCP emitiu um comunicado esta semana em que explica que a sua expulsão aconteceu porque estava a praticar sexo oral noAvante!. É verdade?
É mentira. E mesmo que fosse, justificaria algum tipo de violência? O comunicado do PCP lança esta mentira para desviar a opinião pública e tapar uma agressão homofóbica.

O que se passou exactamente naquela noite de sábado?
Por volta das 3h da manhã conheci um rapaz no espaço internacional. Quando o espaço fechou, caminhámos à procura de outro lugar para continuar a curtir a festa. Fomo-nos distanciando das zonas com mais gente até que parámos numa zona com pouca gente e beijámo-nos. Pouco tempo depois, somos surpreendidos por uma carrinha, de cor cinza, que pára ao nosso lado. Da carrinha saem três homens fardados, de preto, uma farda muito semelhante à da PSP, com calças e botas e boné. Chamaram-nos porcos e disseram que não podíamos fazer aquilo ali, que tínhamos de ir embora. Eles já saíram da carrinha com violência e eu, bastante irritado – a proibição já é uma agressão –, perguntei se existia alguma lei em Portugal que proíbe a troca de beijos entre duas pessoas do mesmo sexo.

[Manuel alega que foi depois agredido fisicamente e insultado por vários seguranças que o levaram para outro local ainda, após terem percebido que o Manuel lhes tinha conseguido tirar fotografias. Depois de o forçarem a desbloquear o telemóvel e lhes apagarem as fotografias, libertaram-no noutro ponto isolado fora do recinto. As fotografias, porém, foram automaticamente colocadas na nuvem e o Manuel já as entregou à PSP]

A comissão de campo disse quem eram estes seguranças?
Quando fiz a queixa, nesta mesma noite, o PCP disse que quem fazia a segurança do recinto eram camaradas, voluntários que ofereciam esse serviço ao partido. Disseram-me que não eram seguranças de uma empresa. Não sei se é verdade ou mentira. Não sei.

No espaço internacional havia alguma representação LGBT oficial?
Que eu saiba, não. Só vi uma bandeira do arco-íris no recinto, não me recordo se foi no espaço internacional. Num país desenvolvido como Portugal, todos os espaços são supostamente gay-friendly. Mas estranhei não ver nenhuma representação LGBT. A juventude comunista do Partido Comunista de Espanha tem uma comissão LGBT que fazem activismo neste sentido. Eu sou activista na Galiza, próximo do Bloco Nacionalista Galego, com quem o PCP mantém contacto, além de outros partidos da esquerda portuguesa. O meu círculo de amigos falava-me muito do Avante! como uma grande festa de esquerda. Onde há agressões homofóbicas, acrescento.

Não deixa de ser uma situação triste, quer para a própria vítima, obviamente, como para o responsável máximo da Festa do Avante!, o PCP. Um partido que propõe no seu programa eleitoral das próximas eleições legislativas “uma efectiva política de igualdade e que importa prosseguir e reforçar medidas e orientações que combatam todos os tipos de discriminação“, não deixa de ser lamentável como a organização tentou desviar o tema da agressão homofóbica com a justificação que a pessoa estava a praticar sexo oral. Sendo isso ou não verdade – e a vítima nega-o – é irrelevante, porque nada justificaria os actos de violência cometidos contra aquelas pessoas.

Há, portanto, várias vítimas desta hostilidade, mas é ao PCP que cai a responsabilidade de agir consoante os princípios de respeito e igualdade que evoca defender. Se houve membros da organização que cometeram estes actos homofóbicos, o papel do partido seria identificar essas pessoas e procurar a verdade do que aconteceu naquela noite numa festa sua, ajudando assim o Manuel e a PSP na investigação. Fecharem-se em si, desvalorizarem as acusações só lhes fica mal e, mais importante até, negam os seus próprios valores perante o seu eleitorado. Fica a nota.

Poderão ler a entrevista do jornal i ao Manuel na íntegra aqui.

Fontes: Jornal i, Expresso e O Castendo (fotografia).

Nota: Obrigado ao João pela partilha 🙂

Actualização 17/09/2015:

O jornal Expresso divulgou hoje o relatório médico ao Manuel:

O relatório médico, a que o Expresso teve acesso, revela que existem “marcas de cordas na zona cervical posterior” (parte de trás do pescoço).

Na ficha médica de cinco páginas, os médicos galegos descrevem uma “contratura de musculatura paracervical” (zona de cima das costas) e ainda “marcas abrasivas na parte posterior das costas” da alegada vítima dos elementos da segurança da Festa. O diagnóstico é taxativo: “Várias contusões devidas a agressão.

Contactado pelo Expresso, o gabinete de comunicação do PCP responde: “Não querendo alimentar a operação provocatória que o vosso jornal tem em curso, remetemo-lo para as duas posições públicas já divulgadas.

11 comentários

  1. Se isto aconteceu desta maneira lamento profundamente porque sou comunista e apoiante LGBT e considero inaceitável uma situação destas. Espero que tudo se resolva.

      1. Olá, Pedro. Apareci como anónima na resposta, Não sendo essa a minha intenção, pelo facto as minhas desculpas, identifico-me: Sou Ema Neves e sigo-te no Twitter onde vou colocar o mesmo comentário.

  2. Sou comunista, heterosexual e lamento profundamente a situação. Em todos os partidos e classes há ainda muitos homofóbicos. Isso terá contribuído para a situação. Mas, a acrescentar, e sem justificar, a organização da Festa encontra-se sempre na contingência de se deparar com aquilo que lhe pode parecer uma provocação que eventualmente, perante os preconceitos da opinião pública, criem uma imagem da Festa que a denigram e ponham em causa o seu futuro. Não terá sido decerto essa a intenção dos apaixonados. Sabe-se que há por aí muitos ataques à Festa do Avante invocando o consumo de droga, as bebedeiras, a violência entre participantes alcoolizados. É natural, mas não legítimo, que os que fazem a segurança do recinto se sintam tentados a exercer a violência para impedir actos que repugnam à opinião pública. E a prática da homossexualidade, mas também de qualquer forma de sexualidade pública, infelizmente, ainda se encontra entre eles.

    1. Caro Pedro Mota,

      é contra essa ‘naturalidade’ que refere no final do seu comentário que tratamos o assunto, não temos outro interesse para além o de denunciar um caso de violência homofóbica e de esclarecer a verdade. Achamos igualmente que a direção do partido comunista devia dar o exemplo e ser imune a preconceitos, externos ou internos, quando tem sido, aliás, um aliado dos direitos das pessoas LGBT. Não há, portanto, qualquer razão para nos alienar desta forma.

      Cumprimentos e obrigado pelas suas palavras.

  3. É precisamente contra essa «naturalidade» que se deve lutar. Bem reafirmado. Ainda me recordo do Festival de Vilar de Mouros de 1980, mais ou menos, onde alguns casais faziam sexo junto às margens do rio e ninguém se ofendia com isso. Quem não gosta, não olha. Mas talvez fossem outros tempos, mais naturais.

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