Quando Encontramos Um Bully Numa Discoteca Gay Ele Desaparece?

Pode parecer uma repetição, mas há sítios que são incontornáveis a um sítio e a um público. Por isso esta pequena história decorre no mesmo local do último texto – “História Triste De Dois Amigos No Armário” – , uma discoteca gay lisboeta, uma espécie de Fátima no Portugal dos (pequeninos) gays.

Comparações à parte, é um sítio de comunhão, nem sempre unânime, mas ali estava eu com amigos e namorado a dançar e a passar um bom bocado. E então vi-o. O bully. Ao contrário do texto anterior, ambos sabíamos que não havia proximidade que justificasse uma conversa nesse instante. Mas ambos olhámos e fizemos a história toda (ou pelo menos fiz eu). E então lembrei-me, largos anos passados, quem era realmente aquela pessoa. As provocações que ele fazia a todas as pessoas que passavam por ele na escola; o bullying que cometia aos mais fracos da turma; o ar sempre azedo e mal-disposto com que falava, rindo-se apenas quando mal-tratava alguém e o destruía, especialmente com piadas e rumores homofóbicos, acusando uns e outros de serem paneleiros e fufas.

Não sei se por coincidência ou não sempre mantivemos alguma distância na escola e talvez esse detalhe faça agora mais sentido. Ele suspeitaria de alguma coisa em mim – e eu nele. Naquele instante em que os olhares se cruzaram tudo se revelou e começou a fazer sentido, para mim – e para ele. Não deixa de ser uma triste ironia que um dos bullies dos tempos do liceu não passasse de uma farsa e usasse a homofobia para atacar aqueles que, na realidade, seriam (ou não) o seu espelho. Questiono-me: “Que imagem hedionda veria ele?”

Voltei a vê-lo na mesma discoteca uns meses depois, os olhares não avançaram em mais nada, nenhum aceno, nenhuma conversa, como estipulado pela mesmíssima distância que mantivemos na adolescência. Com outros amigos dançava. Vi-o assim pela primeira vez, feliz e livre. Vamos sempre a tempo de nos tornarmos melhores versões daquilo que fomos. Nada apagará o mal que cometeu a outros, mesmo com a condicionante das circunstancias agora reveladas, mas há que dar uma segunda chance e ele parece ter-se dado uma segunda chance. Não o censuro.

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