Terapia de conversão vs Malta – um exemplo de consciencialização

Mais boas notícias para os Europeus. Agora é a vez de Malta – um arquipélago de 316 quilómetros quadrados com cerca de 400 mil habitantes e um dos países mais pequenos da Europa (mas só em tamanho) – ser o exemplo a seguir tornando-se, muito possivelmente, no primeiro país europeu a eliminar aquilo a que gosto de chamar, irónica e repulsivamente, de cura gay.

O atual governo de Malta apresentou, no passado dia 15 de Dezembro, um projeto-lei que visa proibir as terapias de conversão (um daqueles termos que me dá alguns pruridos), demarcando assim, perante os malteses e o mundo, a sua posição e afirmação relativamente à orientação sexual e expressão e afirmação do género.

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Aquando da apresentação deste projeto-lei, a ministra da Concertação Social e Liberdade Civil, Helena Dalli, apontou as terapias de conversão como atos enganosos e prejudiciais.

Foi lançada também uma consulta pública, com a duração de um mês, para saber-se assim a opinião dos malteses relativamente a esta mudança. No site da mesma define-se terapia de conversão como algo que visa alterar e, ou reprimir a orientação sexual de uma pessoa, identidade e/ou expressão de género. Um aparte: se acabaste de ler a mesma definição que eu e se em algum dia reprimiste, por escolha ou obrigação, aquilo que sentes e és, julgo que o que deves estar a sentir, neste preciso momento, deve ser algo entre repulsa e confusão. O que me leva a pensar, à priori, – Não faz sentido!

Malta tem-se demarcado em matéria de igualdade LGBT tendo destronado, em Janeiro, o Reino Unido da posição de melhor país europeu sobre os direitos LGBT.

Um outro avanço maltês, que aconteceu em Abril do presente ano, foi a criação de uma outra lei que, desta vez, proíbe a realização de cirurgias em crianças nascidas em situações de ambiguidade sexual ou intersexual (um exemplo muito prático e de mais fácil entendimento é o hermafroditismo verdadeiro, em que a criança possui tecido ovárico e testicular simultaneamente o que normalmente leva à formação, presença e desenvolvimento da genitália externa, chamada de ambígua,por apresentar características (ou parte delas) de ambos os sexos), até que as mesmas tenham idade suficiente para consentir e decidir (o que faz sentido porque à nascença, nestes indivíduos, não sabemos qual é a sua verdadeira sexualidade).

Um pouco por todo o mundo as opiniões, relativamente a estas curas gay, dividem-se (infelizmente). Nos Estados Unidos da América, estados como Califórnia, New Jersey, Oregon, Illinois e Washington D.C., e mais recentemente, a cidade de Cincinnati, no estado do Ohio proibiram o uso de terapias de conversão em crianças e jovens. E já que tanto falamos da América é de referir, e congratular, o Mr. President Barack Obama por condenar, juntamente com outras figuras do seu governo, a utilização destas práticas traumatizantes, perigosas e inúteis.

Antes de partir para a discussão dos efeitos nefastos, deixem-me partilhar algumas palavras do eloquente psicanalista, Freud, escritas numa carta em 1935, remetida aos pais de um jovem homossexual que procuravam terapia para o filho:

A homossexualidade não é seguramente uma vantagem, mas não é também algo de que devam ter vergonha, não é nenhum vício, nem nenhuma degradação; não pode ser classificada como doença; nós (acredito fielmente que seria ele e alguns, poucos, dos seus colegas de trabalho) consideramos que seja uma variação da função sexual, (…)

O que a análise pode trazer ao seu filho é algo diferente (do que a cura gay). Se ele está infeliz, neurótico, dilacerado por conflitos, inibido na sua vida social, a análise pode trazer-lhe harmonia, paz de espírito, eficácia total, continuando ele homossexual ou não.

Alan Chambers terapia gay lgbt

E, felizmente, Freud não foi o único (nem o último). Deixem-me falar-vos de Alan Chambers, ex-presidente da Exodus International, a maior organização de terapia de conversão do mundo. Estava a decorrer (a já) 38ª Conferência Anual, a Junho de 2013, quando Alan publicamente, tomando o poder da palavra, pediu desculpas pelo mal que tinha causado a milhares de pessoas ao longo de quatro décadas. Em poucas palavras e algumas respirações Alan fez aquilo que qualquer ativistas gay jamais conseguiria fazer.

Desde então, Alan tem estado com a sua esposa, com quem casou há 20 anos, apesar de reconhecer que sempre se sentiu, e sente, atraído por homens. Escreveu também o livro “My Exodus: From Fear To Grace” onde escreve “Sou um homem que nasci gay” depois de ter passado 12 anos onde lhe incutiam a ideia “de que ninguém nasce gay, que gay não existe, que existe apenas atração por pessoas do mesmo sexo e que isso pode ser corrigido”.

Em entrevista quando questionado diretamente sobre se a terapia de conversão tinha efetivamente convertido alguém ele responde, um mero e comprovativo, Não! Mas afirma também que, apesar da quantidade de anos em que participou na Exodus e da quantidade de pessoas que não converteu, considera que o seu trabalho não foi em vão uma vez que, para ele e para muitos como ele, aquele era o único suporte num meio onde não existia outro. Um local onde, pelo menos, podia admitir a sua verdade, apesar dos efeitos negativos que lhe eram impregnados.

E não é tudo! A 15 de Outubro deste ano foi lançado um relatório, realizado um governo federal americano, onde refere que os jovens devem ser apoiados no seu direito de explorar, definir e articular a sua própria identidade. Este relatório veio assim confirmar e dar voz e poder a todos aqueles que discordam destas práticas em jovens. Desde do já referido Barack Obama a especialistas que consideram este tipo de tratamento (julgo que cada vez menos vai ser considerado como tal) como procedimentos abusivos, reforçadores de estereótipos nocivos sobre a identidade e o género. Para os mais curiosos o relatório está disponível online aqui [pdf].

E porquê tudo isto? Pelos muitos exemplos e histórias de quem sofreu na pele tais atrocidades.

Patrick Strudwick, editor do BuzzFeed LGBT do Reino Unido, resolveu expor-se a terapeutas peritos em conversão. E os resultados não podiam ser piores. Desde da primeira tentativa em que lhe tentaram incutir a ideia de que a homossexualidade é causada por danos psicológicos em idades precoces, maioritariamente abusos sexuais. E a realidade de que de quem confiar em tais terapeutas, supostamente piedosos e miraculosos, e a de que quem “acreditar” em tal coisa vai, tendo efetivamente acontecido ou não, sair dali ainda mais vulnerável e provavelmente abalroado de forma bem mais lesiva e profunda. E os conselhos? As coisas mais estapafúrdias! Coisas como jogar rugby para diminuir a homossexualidade, massagens semanais com um terapeuta do sexo masculino ou até mesmo ficar nu à frente de um espelho, tocando-se e afirmando a sua masculinidade. De facto, tudo técnicas infalíveis para diminuir a homossexualidade.

Sohail-Ahmed gay terapia lgbt

Mas nem só de experiências podemos falar porque casos bem mais graves e reais acontecem. Caso disso é Sohail Ahmed um ex-extremista muçulmano que foi submetido a um “exorcismo” islâmico, que apelidam de Cerimónia Muya, pelas mãos do próprio pai.

O resultado? O pai salvou-o de se enforcar, apesar do mesmo ser o culpado daquele resultado. A seguir, Sohail percebeu que teria que sair de casa, caso contrário iria acabar com a própria vida mais cedo ou mais tarde. Contudo, e depois disto tudo, e graças a preconceitos, a estereótipos e à religião (Infelizmente não é só o cristianismo… ) Sohail ainda hoje se sente culpado por ser gay e desistiu da sua religião porque sabe que nunca será aceite.

No fundo, temos que nos aceitar tal qual o que somos, quem somos e o que valemos. Temos que crescer com aquilo que construímos ao longo das nossas vidas desde que nascemos. Para tudo correr bem basta sabermos que o teu EU vem de dentro e não da voz dos que te são externos.

Saramago na Jangada de Pedra, e posteriormente a filha do Eusébio (piada parva para quebrar tanto gelo), têm razão ao dizer “O que tem de ser, tem de ser e tem muita força” e eu atrevo-me a adaptar “O que tens que ser É-o, porque é a melhor maneira de Seres e é aí que vais buscar a maior força.

 

Fontes: Pink News 1 e 2, Advocate 1, e 2, Gay Star News e  BuzzFeed 1 e 2.

3 comentários

  1. excelente, gostei muito, estou procurando mais sobre o assunto, pois me assustei em saber que ainda hoje existe tal prática em nossa sociedade, é um absurdo tremendo.

    1. Olá, Luciana…
      De facto é um assunto perturbador e que tende por nos passar um pouco ao lado.
      Esta notícia refere-se à atualidade de grandes cidades, países, religiões e culturas.
      Acredito que com um pouco de pesquisa relativamente ao assunto no passado aquilo que acharemos será, tão ou mais, mórbido e assustador.
      Um ótimo exemplo de quão grave pode ser esta ideia da “cura gay”, mas mais de um prisma religioso, é o filme baseado numa história real chamado de “Prayers for Bobby”.
      Entretanto se descobrires mais informações relativamente a este assunto (ou outro qualquer) não hesites em partilhar! Assim todos ficamos a ganhar =D
      E obrigado por partilhares connosco a tua opinião 🙂

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