Prémios Arco-Íris 2015: Uma Festa Para Celebrar A Igualdade

Foi ontem um Sábado de vento forte. Talvez anunciasse a celebração que encheu o Titanic Sur Mer em Lisboa. Talvez culpasse-o eu pela minha tosse e constipação. Não importa, quando chegámos, eu e o Nuno, ao espaço tivemos a noção que entrámos numa máquina cuja engrenagem balanço ganhava para receber todas aquelas pessoas e com elas festejar a igualdade em Portugal. Eram os Prémios Arco-Íris 2015, promovidos pela ILGA.

No meio do corrupio, os convidados – que entretanto iam chegando – conversavam, “instagramavam-se” e bebiam os seus gins tónicos. Faziam-se os últimos ajustes nas mesas de som, testavam-se microfones, luzes. Passavam por nós pessoas com folhas na mão a tentar decorar textos. Música entrava, música saía. Os relógios não paravam e não faltavam mais de dez minutos até ao início do evento quando a Joana Peres, coordenadora do Centro LGBT e responsável por todo o voluntariado que move a associação, pegou em nós e nos levou aos bastidores de toda aquela máquina. Um corredor com dezenas de cabides, casacos, malas, sacos e saquinhos. E no final do mesmo Isabel Advirta, tão sorridente como nervosa, adivinho-o eu, cumprimenta-nos e trocamos breves palavras de admiração, afinal de contas é ela a Presidente da ILGA. Depois seguimos a Joana e subimos por uma íngreme escada até ao primeiro andar de um piso que se transformou numa sala de bastidores. O Ricardo Araújo Pereira, apresentador recorrente do evento, ultimava sob um candeeiro de metal o seu texto. Natasha Semmynova, participante musical, retocava a sua aparência com mestria e dramatismo como manda a lei, afinal de contas este é também um mundo de espectáculo. Isabel Moreira, uma das maiores lutadoras pelos direitos das pessoas LGBT em Portugal, comia uma fatia de piza sentada e pensativa.

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Saímos dali sem atrapalhar ninguém e preparámo-nos para o início da entrega de prémios. Beijo aqui, beijo acolá, encontrámos o nosso sítio. E não precisámos esperar muito, quando demos por isso estava o CoLeGaS, coro da ILGA, em pleno palco. Roupas escuras e sóbrias que constrastavam com os cachecóis multi-coloridos que todos eles e elas usavam. True Colors fez-se ouvir por todo o espaço que se silenciou numa versão emotiva. Pouco depois ganhavam ritmo com All About That Bass, brincando com as vozes e os ritmos. E depois os aplausos. Merecidos.

Ricardo Araújo Pereira deu início à sua apresentação afirmando que “viver numa sociedade decente assusta-o” e, como tal, agradece a Pedro Arroja e a Nuno da Câmara Pereira, “campeões de boçalidade”, porque “se estivesse à espera de homofobia inteligente ficaria sem emprego”.

Logo de seguida, Isabel Advirta subiu ao palco e anunciou que “apenas juntos podemos efectuar a mudança, e a mudança somos nós! Estamos todos e todas aqui reunidos e reunidas pela igualdade!” Nos vinte anos que a associação este ano celebra “aconteceu muita coisa, estamos por fim a chegar ao patamar da discriminação zero [na lei]” e afirmou, orgulhosa, que “em 2016 já vamos proteger mais os nossos filhos”, referindo-se à eminente alteração de lei da adopção e co-adopção por casais do mesmo sexo.

A Presidente deu então o mote para a entrega dos prémios e o primeiro recebeu-o a jornalista Susana Bento Ramos pela reportagem “Fronteira da Hipocrisia” e a sua denúncia ao impedimento das mulheres portuguesas (solteiras ou casais) terem acesso à inseminação artificial. A jornalista contou ao público que recebeu no último ano três prémios jornalísticos e dois deles foram precisamente pela reportagem aqui premiada. Agradeceu especialmente à Márcia e à Ana Santana, casal com quem atravessou a fronteira durante a reportagem [em Espanha a lei permite a inseminação artificial a todas as mulheres desde 1988]:

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São histórias como as vossas que inspiram a mudança de mentalidades.

O Ricardo Araújo Pereira voltou ao centro do palco e contou a história de uma jornalista, por acaso a mesma que tinha acabado de ganhar o prémio, que descobriu uns vídeos de há vinte anos quando ele estagiou na TVI e os divulgou numa peça. Ricardo afirmou, portanto, repudiar veemente aquele prémio.

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Nova apresentação em vídeo, desta vez do vencedor Gender Trouble, um ciclo do Teatro Municipal Maria Matos sobre género. Em palco Mark Deputter, curador do mesmo, afirmou que “a arte tem algo a dizer sobre o mundo em que vivemos”. Agradeceu igualmente a Salomé Coelho que, com ele e durante dois meses, ajudou a levar o tema do género e identidade ao teatro. Apesar do pudor que afirmou terem inicialmente sentido, receber este prémio por parte da ILGA mostra como tinham razão ao defender o projecto.

Volta Ricardo Araújo Pereira e com ele novamente Pedro Arroja como assunto:

Quando Arroja afirma que a mãe não sabe fazer pénis, a senhora só por estar defunta é que não lhe responde que, claramente, nem cérebros.

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Seguiu-se o vídeo de apresentação do casal premiado Lorenzo e Pedro e, já no palco, agradeceram à ILGA a inclusão no projecto [marcha e Pride] e anunciaram que vão continuar a experiência do seu popular vídeo em que passearam de mãos dadas por vários bairros de Lisboa, desta vez por novos pontos do país e “com outros casais gays, lésbicos e transsexuais”. E por fim, no seu estilo descontraído, o casal incluiu todos os presentes na despedida do seu próximo vídeo gravando do seu telemóvel um uníssono “Never Forget To Smile!

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Deu-se o primeiro momento musical da noite, Isaura tocou Useless e depois, quebrado o gelo com referência ao seu diminuto espaço no palco – mas que era o dela! – ensaiou o público com o refrão do seu belíssimo Change It antes de o tomar com a sua quente voz.

O apresentador [haverá forma de nos referirmos a Ricardo Araújo Pereira apenas por um único nome…?], o Pereira, dizia, regressa ao palco e desta vez é do fadista Nuno da Câmara Pereira que fala: “Em Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo não há qualquer referência ao pai, este é um claro tema do mundo LGBT! E reparem, a única maneira de um homem conseguir beijar as mãos de outro ‘olhando seus cabelos’ é estando ajoelhado à sua frente!”, tendo para tal chamado um membro do público para exemplificar isso mesmo, sob os risos desenfreados de todos os que assistiam a este quadro montado espontaneamente.

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Joana Cadete Pires entrou no palco e, aplaudida, afirmou que “este é o ano em que o Presidente da República [Cavaco Silva] abandonará o Palácio de Belém” e lembrou que “a adopção ainda está em cima da mesa”.

Queremos que 2016 seja o ano da aprovação da inseminação artificial!

Falou-se igualmente do questionário que a ILGA enviou a todos os candidatos a Presidente da República sobre essa lei: apenas quatro responderam e três favoravelmente. [teremos mais detalhes em breve sobre o questionário]. Sampaio da Nóvoa, o único dos candidatos a assistir à cerimónia,  mostrou-se assim especialmente sensível e atento ao tema LGBT.

Seguiu-se a apresentação em vídeo de mais um vencedor, desta vez a Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) e o Centro Educativo da Bela Vista.

Mais de metade dos alunos não aprende a fazer questões inclusivas, assumindo a heterossexualidade dos seus pacientes. – Lucas Lopes (ANEM)

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Chegou a vez de Fátima Lopes e do seu programa “A Tarde É Sua” que tem abordado por variadas vezes a temática LGBT, mas, como a apresentadora estava fora do país por motivos profissionais, esta gravou um pequeno vídeo a agradecer e onde lembrou que “estamos apenas a fazer o nosso trabalho: falar de e para pessoas”. Já Carlos Moura, colega de Fátima e que recebeu o prémio em seu nome, afirmou que a televisão é uma “diva gorda” e que “por vezes torna-se cansativo lutar contra essa diva gorda”, dando assim importância ao reconhecimento e inspiração do prémio atribuído ao programa.

O apresentador, o Pereira, preparando o próximo projecto premiado, Capazes, contou-nos que “lá em casa são todas mulheres, a minha mulher, as minhas filhas. E depois eu e o meu cão. De todos nós só eu tenho testículos. Logo estou particularmente sensível a esta causa. E por isso trouxe estes lencinhos porque já sabem como são as gajas!

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E entrou o vídeo de homenagem ao projecto feminista Capazes, antigo Maria Capaz. Em palco, depois, Rita Ferro Rodrigues e Iva Domingues:

Receber um prémio destes um ano depois [do início da Maria Capaz] é um privilégio. Elas e eles sentem que têm ali uma voz, temos conhecimento de muitos casos de miúdos gays e lésbicas que usam os nossos textos para comunicarem com as suas famílias, mostram-lhe os nossos textos e dão início à conversação. Dedico este prémio à minha filha que, com apenas 13 anos, me faz questionar sobre inúmeros temas.

Escusado será dizer que os lencinhos oferecidos pelo Ricardo Araújo Pereira não foram necessários (por pouco).

E assim terminou a entrega dos prémios, mas antes Paulo Côrte-Real anunciou que a ILGA, ao fim de 20 anos iria ter finalmente uma directora executiva: Marta Ramos. A Marta entrou em palco e chamou vários elementos da associação para verem, juntos, um último vídeo de celebração onde se ouvia Heroes de David Bowie. Ainda houve tempo para um bolo surpresa  para Marta que fazia anos.

E por fim ficámos com Natasha Semmynova que, após cantar ao vivo uma versão de Creep dos Radiohead, pediu desculpa por estar afónica mas que ali estava com muito orgulho. Seguiu-se uma pujante performance de Do It Again de Röyksopp e Robyn.

A festa continuou noite fora, quente e com o luar à espreita, mas aquela tosse que mencionei no início obrigou-me [e ao Nuno por arrasto] a ir para casa. Quando cheguei estava o Ricardo Araújo Pereira na televisão em directo, ele a fazer o seu comentário político, eu a escrever este texto. E ambos estivemos horas antes numa festa de celebração da igualdade em Portugal que, tal como o apresentador da cerimónia mencionou humoristicamente, é demasiado boa para um dia terminar, sendo esse dia aquele em que não existirá mais discriminação das pessoas LGBT. Estamos ainda muito longe disso, as batalhas são diárias e somos também nós, individualmente e como sociedade, responsáveis pela manifestação da luta. Mas é bom sentir que vamos estando cada vez menos sozinhos nela. Obrigad@ ILGA!

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Poderão ver todas as nossas fotografias no álbum da cerimónia no Facebook.

Nota: Obrigado à ILGA pelo convite 🙂