In Memoriam: David Bowie

David has died“, as palavras da mensagem do meu namorado que me acordou na passada Segunda-Feira encheram os meus olhos de lágrimas e fizera-me acordar para uma manhã fria inglesa. Sempre soubera que este dia chegaria, na realidade, os últimos dez anos tinham sido recheados de rumores sobre doenças, debilitações, entre outros tópicos dignos de um episódio crossover entre Gossip Girl and Grey’s Anatomy, isto se alguma vez tivesse acontecido.

Mas porquê a minha reacção, alguns dirão extrema, à sua morte. Bem, eu descobri quando tinha uns míseros 14 anos, 14 anos, homossexual a viver na segurança dos subúrbios e na sombra de uma família extremamente conservadora, o que fazia com que a ideia de ser diferente não fosse bem vista e ainda nem me tinha atrevido a sair do armário aos meus amigos, muito menos à minha família. Apesar de ter visto Bowie pela primeira vez no filme Labyrinth quando tinha 5 ou 6 anos, a sua imagem ficara escondida na parte de trás do cérebro – apesar de, admito, ter sentido a minha primeira atração pelo mesmo sexo ao ver esse filme – e nela ficou até ao dia em que numa visita à secção de cd’s da biblioteca da minha cidade dei de caras com “The Rise And Fall Of Ziggy Stardust“, não sabia o que aquilo era, nem ao que soava, mas respondi ao impulso primordial de o agarrar e levá-lo comigo para casa.

Poderia descrever detalhadamente como foi ouvir aquele cd pela primeira vez, quando ouvi a melodia de “Somewhere Over The Rainbow” em “Starman“, as letras idiossincráticas inspiradas pelas técnicas cut-up de William S. Burroughs: I’m an aligator, I’m a mama and papa for you!

Um novo mundo tinha-se aberto perante mim, desde a soul de plástico, passando pelo krautrock, musica electrónica e experimentalismo de “Station to Station”, “Heroes”, “Lodger” e “Low”, sendo o último o meu álbum favorito de todos os tempos, pela pop dos anos 80, a musica industrial dos 90 e o mau presságio que fora o seu último álbum. Eu estive em todas as eras, admirei, consumi todas elas.

A minha ligação com Bowie transcende apenas o gosto pela música, ele tornou-se no meu porto seguro, era aquela voz que dizia que era ok ser quem eu era. Inspirou-me a experimentar, a ser criativo, a não ter medo. Se não fosse por ele, possivelmente hoje teria o curso de advocacia em vez de ter ido para uma faculdade predominantemente de artes. Se não fosse ele nunca teria descoberto outros misfits que também me disseram que era ok ser homossexual, que compreendiam a minha luta. Placebo, Velvet Underground, Lou Reed, Rufus Wainwright, Klaus Nomi, entre tantos outros.

Quando li a citação que Bowie deu ao Melody Maker em 1972 – “Eu sou gay, eu sempre fui gay” – aquelas palavras marcaram-me profundamente, era o maior ato de coragem que já tinha visto, como admitir tamanho segredo, tamanha “vergonha”assim abertamente, muito mais em 1972. Não acredito que Bowie fosse gay, no mínimo bissexual, no máximo de tudo, pansexual.

Bowie também criou o meu álbum favorito, “Low”, um álbum de tamanha negrura que se tornou a banda sonora da minha depressão e a representação física desse desespero que devorou a minha vida, simplesmente parecia que tinha criado esse álbum especialmente para mim… cerca de 15 anos antes de ter nascido.

Agora perguntam-me se a minha reacção fora extrema? A minha resposta é não. No seu último álbum, Blackstar, a última música chama-se “I can’t give everything away“, mas isso é mentira. Bowie deu-me tudo. Sanidade, paz, confiança, orgulho em mim próprio e isso eu nunca lhe poderei agradecer o suficiente, apesar de nunca o ter conhecido.

David Bowie não morreu, simplesmente voltou para o seu planeta natal.

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