“E Se Fosse Contigo” – Homofobia e Hip-Hop

Para todos aqueles que dizem que até tenho amigos que são“. Assim começa o novo teledisco de Carlão, ex-vocalista dos Da Weasel, banda de rap e hip-hop dos anos 90 que quase instaurou o género em Portugal. Enquanto chama o seu amigo e co-autor Boss AC para este hino contra a intolerância vemos um rapaz de mochila, desesperado, a fugir de colegas prontos para o agredirem. Desde o início Carlão expõe a intolerância socialmente aceite justificada por aqueles que a praticam: “Sempre polido, até tenho um amigo… Por isso não és racista, homófico, xenófobo, porco, machista“. Estas falsas atenuantes do preconceito são tão ou mais perigosas que as que o expõe totalmente, mascaradas nas conversas como algo com que não temos de nos preocupar. Mas temos. Muito.

Ainda é hoje surpreendente ver do mundo do rap um tamanho grito de apoio contra a homofobia: “Preferência sexual não é escolha sexual“; e transfobia: “Senão estou bem no meu corpo ele deve ser corrigido, devo ser encorajado nunca ser coagido“. Isto porque é visto pela nossa comunidade como um género maioritaria e historicamente homofóbico. E é. No entanto a generalização é, claramente, injusta e também fruto de um preconceito que precisa de ser ultrapassado para a luta se tornar cada vez mais una e não segregada. Foi o que fez Macklemore e Ryan Lewis com a a participação de Mary Lambert na canção-hino “Same Love” tão declaradamente contra a homofobia que numa actuação ao vivo nos Grammys em 2014, que contou também a presença de Madonna, celebraram um massivo casamento entre dezenas de casais de diferentes orientações sexuais.

Também o muito amado (e odiado) Kanye West teve há mais de dez anos, ainda em 2005, uma posição contra a homofobia que minava a comunidade do rap. Numa altura em que era muito pouco popular fazer este tipo de declarações, West expunha na MTV a sua própria homofobia durante o percurso que o levou à notoriedade e apontava o dedo aos colegas que faziam disseminar a intolerância, afirmando mesmo que a palavra “gay” era encarada como o total oposto de “hip hop”. Desde então que o rapper, conhecido pelo seu ego megalómano, tem apoiado a causa LGBT. Inclusivamente quando Frank Ocean, o jovem cantor e compositor que se tornou célebre com o lançamento de um dos mais revolucionários discos do hip-hop da última década “Channel Orange”, declarou a sua homossexualidade através de uma carta aberta no Tumblr. Foi de imediato recebido pelos amigos mais próximos da indústria como West e Jay-Z com palavras de apoio incondicional.

Mas nem tudo foram rosas: meses mais tarde, numa entrevista em que novamente expunha a homofobia no hip-hop, o rapper T-Pain afirmou que muitos dos seus colegas deixaram de pensar em colaborar com Ocean desde o seu ‘coming out’. Eminem, um dos maiores nomes do rap norte-americano, foi novamente em 2013 acusado de homofobia quando na sua canção “Rap God” entoa “Partir uma mesa nas costas de dois paneleiros e rachá-la ao meio”. Esta polémica levou Sia, cantora que se considera ‘queer’ e tinha colaborado com Eminem nesse mesmo álbum de originais noutra faixa, a doar todos os lucros dessa canção a uma organização LGBT.

Apenas alguns exemplos da batalha que ainda está em vigor no mundo do rap e do hip-hop contra a homofobia nele tão intrinsecamente entranhada. Num género que é tão influente juntos dos mais jovens, uma tomada de posição tão forte contra a intolerância de Carlão e Boss AC não é meramente notável, é quase histórica. Ao exigir às pessoas que se coloquem na pele de todos aqueles que se sentem oprimidos, aproxima-nos um pouco mais de uma harmonia tão almejada.

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8 comentários

  1. O Frank Ocean não faz hip hop. 🙂 Mas sim, está ligado ao mundo hip hop. E, mesmo que não estivesse, o facto de ser negro e fazer música “urbana” ligá-lo-ia (como aconteceu), de qualquer modo, ao mundo do hip hop e, qualquer expressão de sentimentos homo-afetivos seria polémica/muito falada (mais uma vez, como uma aconteceu). Ah, já agora, ele nunca se declarou homossexual, que eu saiba. Pelo que poderá ser gay ou bi. De resto, parabéns pelo artigo!

    1. A título individual talvez não seja Hip-Hop (na realidade é uma mistura de muitas coisas), mas já pertenceu a bandas desse género e trabalhou com artistas da área 🙂

      Quanto ao coming-out, de acordo!

      Obrigado 😃🌈

  2. Aproveitando a oportunidade, eu já gostava da Sia e depois dessa postura mediante a canção “Rap God” do Eminem já posso me considerar um fã. Ela foi elegante, efetiva e clara mediante à ignorância de um colega de trabalho. Doar os lucros das canções dela no CD do Eminem para uma organização LGBT é mais que discutir, argumentar ou debater idéias pra tentar convencer o outro, é simplesmente dar exemplo. E que exemplo! 😀

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