“Na Cama Com Madonna”: 25 Anos Depois

Na Cama Com Madonna” (ou Truth Or Dare, no original) foi um aclamado documentário, assinado por Alek Keshishian, que seguiu o dia-a-dia de Madonna durante a sua digressão “Blond Ambition World Tour” em 1990. O seu impacto cultural revolucionou o género “reality show” anos antes da explosão televisiva do género, mas foi a exposição dada ao tema LGBT – quando este era ainda um incómodo e a homofobia era socialmente aceite – que o tornou hoje um filme de culto. Mas não é sobre Madonna este texto.

Luís Camacho, Oliver Crumes, Salim Gauwloos, Jose Guitierez, Kevin Stea, Gabriel Trupin e Carlton Wilborn são o foco  de um artigo escrito recentemente  por Daryl Deino, e que retrata a sua experiência na altura do visionamento do filme, ainda ele no armário:

Os bailarinos extravagantes de Madonna deixaram-me desconfortável. Eu estava desconfortável por causa do ambiente muito conservador que os Estados Unidos passavam, na altura as pessoas gay eram consideradas demónios. Seria esse desconforto justificado pelo receio de ter de enfrentar em breve as minhas diferenças para escapar a um suicídio (o que aconteceu a muitos homens gays na altura)? Sentia-me desconfortável por achar que esses homens não me representavam?

A cena onde o bailarino de Madonna, Oliver, fala sobre os problemas de ser o único bailarino heterossexual na digressão levou a que algo mudasse na minha vida para sempre. Era uma cena de uma marcha do orgulho gay – algo que eu nunca tinha visto antes. Sabia que elas existiam, mas não sabia que vários milhares de pessoas participavam nelas. Nem tinha noção na altura que havia largos milhares de outros homossexuais no mundo.

Nessa cena, os bailarinos de Madonna ficaram na margem, enquanto as pessoas marchavam, gritando, “Nós estamos aqui. Nós somos estranhos. Acostumem-se a nós!” Há todos os tipos de pessoas nessa cena: algumas extravagantes, algumas simples, algumas idosas, algumas jovens, algumas vestidas escandalosamente e algumas vestidas de forma conservadora. Noutras palavras, elas representavam todos nós. “Até eu poderia ali estar“, pensei.

Esse momento mudou a minha vida. Senti uma sensação de formigueiro nas pernas, poderosa e de alívio. Apesar de não me reflectir pessoalmente nos bailarinos, eles tornaram-se os meus heróis. Eles mostraram-me que não havia problema em ser diferente. Quando me lembro da decisão em me aceitar como sou, não importam as consequências (e acreditem, houve algumas consequências importantes), sempre me lembro daquela cena do filme “Na Cama Com Madonna”.

Houve outra cena em que dois dos bailarinos de Madonna se beijaram. Lembro-me do choque e temor sentidos no cinema. Lembro-me de ouvir a palavra como “nojentos“, “doentes“, “repugnantes” e até mesmo “Jesus“, mas eu apenas me ri. Não posso, no entanto, dizer o mesmo sobre os meus amigos que comigo viram o filme.

“Na Cama Com Madonna” foi o primeiro filme gay mainstream que muitas pessoas – gays ou heteros – viram. Isso levou à aceitação de filmes e de séries de televisão com temas LGBT nos anos seguintes. A carreira de Madonna foi ferida por este filme, dado que com este filme alienou parte da sua base de fãs. No entanto, como muitos gays que cresceram durante essa altura admitirão, ele mudou as suas vidas. Claro, o activismo de Madonna não terminou com este filme e foi ela quem influenciou a Ellen DeGeneres a sair do armário e a fazer história na aceitação das pessoas LGBT nos Estados Unidos.

É importante reconhecer os dançarinos neste filme, tal como Madonna ao apresentar estas cenas a todo o mundo. Mal sabiam eles que fariam parte da história da cultura pop e que levariam a uma maior aceitação das pessoas LGBT na sociedade. Mal sabiam eles o quão controverso seria o filme.

Todos os bailarinos de Madonna no filme, com excepção de Gabrielle Trupin – que morreu de complicações do VIH/SIDA – aparecerão num novo documentário chamado “Strike a Pose“, que estreou na Berlinale, o Festival de Cinema de Berlim.

Como muitos outros que instantaneamente ascenderam à fama, os dançarinos de Madonna sofreram quando a fama terminou. Dois deles, inclusive, processaram Madonna pelo filme e reivindicaram que a sua privacidade fora invadida. O caso foi resolvido em 1994, mas o seu impacto sobre os direitos dos homossexuais será algo que durará para sempre.

Depois da Berlinale, o Festival de Cinema de Tribeca em Nova Iorque, que decorre nestes dias, irá passar igualmente o documentário “Strike A Poseque “reúne os homens 25 anos mais tarde, proporcionando a oportunidade de aprender sobre a verdade emocional por trás da fachada glamorosa.

Fonte: Huffington Post e Gawker (imagem).


A passagem de Madonna por Lisboa com a sua Madame X Tour esteve em destaque no Podcast Dar Voz A esQrever 🎙🏳️‍🌈, oiçam:

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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