Dentro ou fora: relações “armário-discordantes”

 

Uma vez que existiram algumas dúvidas relativamente ao último artigo, gostava que ficasse claro: eu detestei estar no Armário. Viver uma vida dupla, mentir a amigos e familiares, ter vergonha de mim e da relação com o(s) meu(s) namorado(s) e reger-me por pensamentos e acções de outras pessoas não é só infrutífero; é desgastante.

Dito isto, não podemos deixar de perceber que somos todos diferentes. Há pessoas mais extrovertidas e outras menos, pessoas com famílias calorosas e outras com famílias mais formais, pessoas com grande resiliência emocional e outras com menos… E isso, claramente, influencia a duração e processo de saída do Armário. Como é que acham que uma pessoa “armariada” (roubando um termo que já ouvi algumas vezes) se sente ao sofrer discriminação, por um lado, da comunidade LGBT que a apelida de fraca, triste e cobarde e, por outro, da sociedade heteronormativa que a chama de aberração, anormal e antinatural?

Fazer do Armário um limite entre o dentro e fora, entre “os aspirantes a LGBT” e “os LGBT a sério” e entre “os cobardes” e “as bichas esganiçadas” não faz com que isso mude. A força e medo não funcionam. Se funcionassem, éramos tod@s hetero.

Claro está que o Armário é perigoso e desaconselhável porque perpetua uma vida à margem da sociedade onde os mais básicos dos direitos nunca teriam sido alcançados. Apesar disso, acredito que as pessoas LGBT dentro e fora do Armário devem trabalhar em conjunto e não ressentirem-se mutuamente.

Acho que o melhor exemplo desta diplomacia ocorre numa relação “armário-discordante”, em que apenas um dos elementos do casal está out. Numa relação assim, todas essas variáveis entram em conflito. O que dá, muitas vezes, m**da.

É bonito achar que o Amor é suficiente para dar a volta a tudo e todos e que todos os defeitos são irrelevantes quando se encontra a/o tal. Só que o amor não chega. Para uma relação funcionar temos de estabelecer um limite entre a nossa auto-estima e amor-próprio e o que sentimos pelo outro.

Há sempre sacrifícios que se têm de assumir em qualquer relação “armário-discordante”: um pouco mais de luz para a pessoa de dentro e um pouco mais de escuridão para a pessoa de fora.

A meu ver, há duas opções:

  1. Dar-se um passo atrás e encorajarmos a pessoa que amamos a sair lá de dentro, com calma e paciência. Aqui, celebramos os pequenos coming outs (conhecer amig@s del@ com quem el@ estava no armário, ir a um bar desavergonhadamente e publicamente out com portas de vidro) e deixamos para outras alturas os grandes momentos (ir à Marcha, conhecer a família del@);
  2. Desistirmos de uma relação “armário-discordante” por estarmos cansados da escuridão e do sofrimento que o Armário encerra.

Só temos de ter em mente que ambas as opções são justas, compreensíveis e humanas. O que não é justo, compreensível ou humano é o coming out forçado e o bullying.

Dentro ou fora? O limite é sempre nosso.

 

Fonte: Unsplash por Simon Wijers (imagem)

3 comentários

  1. Muito obrigado pelo feedback! É uma realidade social que devemos tentar combater no melhor que conseguirmos.

  2. Como já conheci homens que mesmo sentido-se atraídos por mim, mais pela minha resiliência, conversa e/ou profissionalismo, sem irem além da paquera, passei a valorizar aqueles que se permitiram “transar”, elogiando o momento até com um “o que foi isso”, voltando a repetir o momento, noutro dia e, havendo quem dissesse, inclusive, “não somos bonitos, mas nos completamos”! Esses homens, mesmo mantendo a discrição, “sem descer do armário”, mas “abrindo a porta”, mereceram a minha atenção e compreensão, pela amizade ou coleguismo, pelo carinho que me deram também! Importante é ser Feliz e Realizado e, finalizo com a reflexão: será que todo marido e esposa, que andam de mãos dadas, vão a missa ou culto, como família feliz, realmente vivem ou interpretam viver uma heteronormatividade?

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