“E Se Fosse Consigo”: Homofobia

Estreou ontem na SIC o quarto episódio de “E Se Fosse Consigo”, liderado pela jornalista Conceição Lino. O programa aborda uma série de discriminações que existem na sociedade Portuguesa, tendo os episódios anteriores sido dedicados ao racismo, peso e bullying. Já falámos e elogiamos a canção composta por Carlão no âmbito do programa e que implora às pessoas que se coloquem na pele dos outros, um gesto de tolerância social que ainda parece difícil de alcançar.

É também isto que o programa tenta denunciar quando filma ocultamente encenações de homofobia num espaço público, levadas a cabo por actores de forma a capturar as reacções dos restantes cidadãos. Uma dessas actrizes reagia de forma altamente discriminatória a dois casais, um de rapazes e outro de raparigas, que simplesmente trocavam algumas carícias numa paragem de autocarro. As pessoas que assistiam a estas palavras de ódio tiveram reacções surpreendentes. Mas por serem, na sua grande maioria, extremamente cúmplice dos ataques homofóbicos. Uma senhora mais velha chega a implorar a um dos rapazes que ocultem a sua orientação e procurem a cura e, ao ser confrontada com a realidade afirma, genuinamente, não saber que não se tratava de uma doença. Outros chegam a dizer que não concordam, mas respeitam. Algo que é, obviamente, mutuamente exclusivo e que é tão dilacerante como os ataques mais descarados e frontais – crimes que segundo o Observatório da Discriminação da ILGA não são denunciados na sua grande maioria – porque demonstra uma discriminação tremendamente enraizada.

Esta forma de ignorância perpetuada e genericamente aceite é incomportável num mundo em que pessoas LGBT se debatem ferozmente por ter os mesmos direitos que a restante população, muitas vezes pagando com a própria vida. A visibilidade é essencial, não só em programas como este, mas a níveis mais profundos e extensos, nomeadamente na educação escolar das camadas mais jovens. É um dos grandes focos das instituições LGBT nacionais sejam elas a rede ex-aequo, a AMPLOS ou a ILGA. Estas duas últimas tiveram representantes num debate na SIC Notícias em jeito de rescaldo depois de terminado o programa. Marta Ramos, directora-executiva da ILGA, fez a ressalva de que “Somos um país de brandos costumes; isso significa tolerância e não respeito” e que a discriminação existe e foi aqui reflectida de forma encapsulada mas dolorosamente real.

O programa recolheu também depoimentos de pessoas homossexuais que viveram discriminação na pele. Mostraram o impacto dos videos dos carinhos públicos de Lorenzo e Pedro e entrevistaram vários jovens que carregam marcas profundas deixadas pela rejeição pública ou dentro do núcleo familiar. Esta última é a mais alarmante e onde existe a necessidade mais urgente de evolução. Margarida Lima de Faria, da Associação AMPLOS e que trabalha com os familiares de pessoas LGBT, diz que “O problema maior não são os que nos procuram, mas aqueles que não pensam sequer em o fazer”. É por isso que são denunciadas durante o espaço do programa repulsas parentais que passam desde silêncio e isolamento a tentativas de institucionalização ou encarceração judicial.

Os problemas são urgentes e nenhuma solução infalível. E os métodos de erradicação da intolerância são variados mas só podem ser aplicados em uníssono por uma sociedade mais plena e ciente dos seus defeitos e que tenta confrontá-los antes da realidade lhe bater à porta. Porque isso, é absolutamente inevitável. E a complacência inaceitável.

Vejam o programa e o debate no site da SIC Notícias