Porque Tens Metade De Mim

Publicamos hoje uma carta em forma de poema de uma mulher – amiga – a um homem – amigo – para ler:

Nunca me disseste de ti
Talvez porque sentisses que te soube desde sempre
Soube-te, sem ainda te entender, quando miúdos brincávamos nos campos da nossa infância
Adivinhei-te muito antes de te ter obrigado a calçar os meus primeiros sapatos de salto alto, te ter vestido a minha saia azul, pintado os teus lábios de vermelho vivo e ter-te forçado a olhar para o espelho
Porque sempre tiveste metade de mim
E porque tens metade de mim, cada vez que o telefone toca e do outro lado te ouço, quase sem voz, dizer «preciso de ti», corro
Vou despida de mim
Deixo para trás a minha outra metade que diz «não, não a esta hora, não agora, não hoje», sempre não
Mas vou
Com a certeza que essa metade de mim é mais do que a que deixo para trás, mas com o medo de um dia, ao regressar, já não a encontrar
E porque tens metade de mim vou com a dor da certeza da tua dor
Com a certeza que quando abrir a porta da tua casa te vou encontrar a um canto, enrolado sobre ti, sofrido, amarfanhado ou sumido no meio da roupa da cama
Agarro essa metade de mim, abraço-a, mimo-a, sofro-a, choro-a
E porque tens metade de mim ainda ouço as palavras com que há tantos anos me aprisionaste «deixa-me dormir agarrado a ti, talvez amanhã acorde no teu corpo»
Pudesse dar-to ou fazer um só para ti…
Porque tens metade de mim
Abre a porta, vem para a rua comigo
Enche-te de ti
Faço esse caminho de mão dada contigo
Tu sabes
Abre a porta e deixa acontecer
Deixa acontecer hoje porque já nos resta pouco amanhã
Porque quero saber-te e sentir-te inteiro, pleno de ti
Porque quero que não me precises
E porque também me quero inteira devolve-me essa metade de mim, embrulhada no meu vestido de noiva, que guardas há mais de trinta anos e afinal nunca usaste
Porque sabes que tens metade de mim, Nuno.

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