Observatório da Discriminação: Denúncias Disparam 300%

O Relatório anual do Observatório da Discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género é uma iniciativa da Associação ILGA Portugal, que teve início em 2014 com a publicação da primeira edição. O relatório tem como objetivo contrariar a invisibilidade deste tipo de discriminação – raramente denunciada a qualquer autoridade (incluindo às forças de segurança) e poucas vezes identificada nas suas especificidades – através da capacitação de organizações LGBT da sociedade civil europeia para a monitorização e denúncia regular de crimes e incidentes motivados pelo ódio em função da orientação sexual e da identidade de género.

O estudo pretende assim “contribuir para uma maior sensibilização e prevenção da discriminação exercida contra as pessoas LGBT, fomentar o conhecimento dos seus direitos e promover o acesso a serviços inclusivos e competentes de segurança, saúde, educação, emprego, ação social ou justiça”.

Durante o ano de 2015, foram registados um total de 158 questionários válidos, preenchidos em observatorio.ilga-portugal.pt, ou em formato papel, sempre que os formulários foram disponibilizados, tanto no Centro LGBT, em Lisboa, sede da associação, como nos eventos de temática LGBT promovidos em várias alturas do ano, incluindo momentos de celebração e visibilidade, como os Prémios Arco-Íris, a Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa ou o Arraial Lisboa Pride.

As denúncias foram maioritariamente registadas pelas próprias vítimas (81 do total) e por testemunhas (30 do total).

Crimes e incidentes de acordo com a fonte da denúncia.

Foram ainda recolhidas denúncias feitas por via dos serviços de apoio da Associação ILGA Portugal, designadamente a Linha LGBT, o Serviço de Aconselhamento Psicológico, o Serviço de Integração Social, o Departamento Jurídico ou o grupo do Porto (num total de 18), ou grupos de interesse da associação.

Em relação à idade das vítimas, a maioria tem entre 18 e 24 anos de idade (35%) ou entre 25 e 39 anos (35%). Uma parte significativa, contudo, correspondente a 18% do total, possui menos de 18 anos de idade, e 12% tem mais de 40 anos de idade.

Idade das vítimas.

 

Quanto à origem das denúncias, elas foram maioritariamente oriundas de grandes cidades, especialmente de Lisboa (49% dos casos). Este cenário não traduz necessariamente uma maior ocorrência de incidentes deste tipo nestes contextos, podendo antes ser o reflexo de uma maior visibilidade e sensibilização para as questões LGBT e melhor acesso a serviços e informações que refiram e sensibilizem acerca da discriminação em função da orientação sexual e identidade de género.

Com efeito, é fora dos grandes centros urbanos que o acesso mais limitado a recursos diversificados, poderão levar a presumir que o peso da discriminação, designadamente a especificidade do isolamento e da invisibilidade, se fazem sentir com maior violência. É exemplar, a este respeito, o facto de apenas constarem no total 7 denúncias com origem nas regiões autónomas dos Açores ou da Madeira.

Origem das denúncias por distrito.

 

Quanto ao número de ocorrências, um indicador importante para avaliar o tipo e o impacto da discriminação, verifica-se que 34% ocorreram apenas uma vez, mas cerca de 30% ocorreram mais do que uma vez e outros 30% referem-se a acontecimentos frequentes, como é o caso em situações de bullying ou de violência doméstica.

Relativamente à identidade de género das vítimas, mais de metade das pessoas que preencheram o questionário, cerca de 54%, identificaram-se ou foram identificadas como homens, 20% como mulheres, 10% como mulheres trans, 2% como homens trans e uma pessoa como intersexo.

Por fim, 15% das pessoas escolheram a opção ‘não sei/não respondo’ ou identificaram como alvo da discriminação a comunidade LGBT em geral, sendo que estas denúncias se referem quase exclusivamente a situações de discurso de ódio online em redes sociais ou média.

Identidade de género das vítimas (assumida ou atribuída)

 

Relativamente à sua orientação sexual, uma maioria de pessoas identificou-se ou foi identificada como sendo gay (44%) ou lésbica (20%), em seguida como bissexual (11%) e heterossexual (10%)15% das pessoas selecionaram a opção ‘não sei’.

Orientação sexual das vítimas (assumida ou atribuída).

 

Relativamente ao tipo de discriminação descrita, uma parte significativa (42%) envolveu alguma forma de abuso ou ameaça verbal, oral ou escrita. O bullying surge em seguida como o tipo de situação mais denunciada (cerca de 20%), seguido de tentativas de agressões físicas ou agressões concretizadas (16%) e, com menor expressão, discriminação no local de trabalho (7%), discriminação em contexto escolar para além do bullying (5%), discriminação na saúde (3%), violência sexual (duas situações de assédio e uma em contexto de violência doméstica) e, por fim, discriminação no acesso a bens e serviços (três denúncias) e dois registos por dano a propriedade.

Foram ainda denunciadas duas situações de alegado abuso por parte de forças de segurança, uma que terá envolvido insultos ou abuso verbal e a outra linguagem discriminatória.

Tipo de situação de discriminação.

 

De acordo com as respostas registadas, 71% das situações descritas foram motivadas por homofobia, 6% por transfobia, e em 11% considerou-se que ambos motivos estiveram na origem da discriminação. A disparidade entre a discriminação percebida com base na orientação sexual em relação à identidade de género poderá também refletir uma maior visibilidade e consciencialização das questões relacionadas com a primeira, e uma necessidade de aumentar a visibilidade, motivar a denúncia e fomentar a criação de espaços seguros para denúncias e apoios, no caso da segunda.

Relativamente à forma como as situações de discriminação afectaram as pessoas, 73% consideram que houve um impacto psicológico, designadamente depressão, baixa auto-estima, ansiedade, tremuras, revolta, medo de sair de casa e tentativas de suicídio. 63% referiram um impacto social, que se exprime pelo isolamento e pela dificuldade em manter ou retomar laços sociais, olhares reprovadores, humilhação, inibição de demonstrações de afeto, impossibilidade de corrigir a documentação de acordo com a identidade de género, não se ser levada/o a sério, evitamento da presença em redes sociais, redução de oportunidades de trabalho. 49% das pessoas identificaram um impacto físico, nomeadamente ossos partidos, hematomas, atordoamento, efeito negativo no sistema imunitário, enjoos, automutilação, fadiga, aumento de peso, tendo num caso sido mesmo referida a necessidade de cirurgia reconstrutiva na sequência de um espancamento.

Foram ainda referidas outras formas de impacto, designadamente perda e ameaça de perda de habitação própria e dois casos extremos de morte na sequência de um episódio de bullying e de violência física extrema.

Em 56% das situações, foi referida a existência de testemunhas dos episódios de discriminação. Destas, cerca de 60% alegadamente intercederam, tentando ajudar a vítima, através de denúncias online ou em redes sociais, prestando apoio a pessoas amigas, intervindo com comentários ou defendendo fisicamente a vítima da/o agressor/a. As restantes alegadamente não terão tido qualquer intervenção, na opinião das vítimas ou testemunhas, devido a: receio de mais conflitos, desvalorização do ocorrido, terem achado piada ao sucedido, número superior de agressoras/es, ou não terão tido tempo para reagir.

A relação destas com as vítimas varia em termos de proximidade e contexto: cerca de 8% foram identificadas como colegas de escola, outras 8% como chefe ou colega de trabalho, 6% como funcionárias/os públicas/os, 7% como pais ou mães, 2% como irmãs/irmãos ou outra pessoa da família e 3% como companheiras/os ou cônjuges. É muito significativo, contudo, o volume de situações em que outro tipo de relação foi identificada (24%), designadamente pessoas da comunidade e vizinhança, clientes ou agentes de segurança privada. Para 40% das vítimas ou testemunhas, a relação com as pessoas agressoras era desconhecida.

Relação da(s) pessoa(s) agressora(s) com as vítimas.

 

Do total das 158 situações denunciadas, 101 correspondem ao que classificámos como crimes e/ou incidentes motivados pelo ódio contra pessoas LGBT. Como crimes de ódio com motivação homofóbica ou transfóbica foram identificados: 1 possível homicídio com motivação homofóbica, 3 situações de violência física extrema, 11 situações de agressão, 3 situações de danos a propriedade, e 23 situações com ameaças e violência psicológica. Como incidentes motivados pelo ódio contra pessoas LGBT foram encontradas: 39 situações de discurso de ódio e 21 incidentes discriminatórios.

Poderão consultar, na íntegra, o Relatório da Discriminação em Função da Orientação Sexual e da Identidade de Género 2015 aqui [pdf].

A coordenadora do Observatório da Discriminação, Marta Ramos, salientou “o aumento significativo” de denúncias feitas às autoridades, quando comparado com anos anteriores.

Em 2013, o número de pessoas que tinha apresentado queixa foi de 3%, enquanto em 2014 o número subiu para os 6%, valor que salta para os 24% em 2015, o que significa que entre 2014 e 2015 houve um aumento de 300% no número de denúncias feitas.

É um aumento significativo da confiança nas autoridades e da certeza absoluta que devem denunciar e reivindicar os seus direitos e isto sim é de evidenciar porque é muito, muito positivo.

 

O trabalho de formação sistemático tem sido bastante visível para a população LGBT e há maior responsabilização das autoridades nacionais, Governo, ministérios, e as pessoas sentem uma maior legitimidade em apresentar queixa e reivindicar os seus direitos

Para a responsável, o significativo aumento do número de denúncias foi uma “surpresa positivareflexo do muito trabalho que tem vindo a ser feito pela ILGA Portugal” em matéria de sensibilização da população em geral, das pessoas LGBT e dos profissionais que actuam em áreas como a segurança, a saúde ou a educação.

Segundo a responsável, a sensibilização das forças de segurança para este tema é cada vez maior e adiantou que há muita receptividade e uma “grande consciência” para saber actuar correctamente perante agressões contra pessoas LGBT, “o que significa que reconhecem que há discriminação e que há crimes de ódio”.

Os resultados do Relatório foram anunciados no primeiro Dia Nacional Contra a Homofobia e Transfobia. Não se esqueçam de denunciar, sejam vítimas ou testemunhas, porque só depende de todos e todas nós!

 

Fontes: ILGA Portugal e Diário de Notícias.

Nota: Toda a grafia retirada do Relatório da Discriminação em Função da Orientação Sexual e da Identidade de Género 2015 aqui [pdf]

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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