Quando O Sorriso Sexy Nos Trai

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Não é fácil escrever sobre pessoas que, à partida, teriam tudo para serem fortes símbolos para a população LGBT, pessoas que ganharam, e bem, visibilidade nacional e internacional, pessoas que, de certa forma, foram a cara da população LGBT portuguesa, pessoas que receberam prémios de associações, mas que, de um momento para o outro, mostram a sua inacreditável e perigosa ignorância.

Falo da fotografia acima reproduzida e publicada na página do casal de youtubers Lorenzo e Pedro e, mais ainda, das posteriores reacções que receberam e tiveram quando a polémica se instalou.

Nela – e esqueçamos o lapso de terem inicialmente chamado de Primeiro Ministro a Pedro Passos Coelho – o popular casal Lorenzo e Pedro partilhou o seu sorriso com o actual deputado do PSD, afirmando que ele é também um membro da “SEXY FAMILY!

E é aqui que começa o problema, porque não, Passos Coelho não pode, sem mais nem menos, ser membro desse clube. Ou será que pode? Poderá se o casal Lorenzo e Pedro não fizer ideia de quem é Passos Coelho e de como este se opôs activamente, como Primeiro Ministro, contra os direitos das pessoas LGBT em Portugal. Poderá se o casal Lorenzo e Pedro alegar que não tem “tempo para pesquisar o passado de todas as pessoas com que tirou fotos”, que “não está a par da situação” e que os seus admiradores “podiam começar a enviar-lhes por email essas informações todas“. Acrescentaram ainda que se o Passos Coelho teve um partido contra a comunidade LGBT, e votou contra a adopção dos casais gays, nós não sabíamos.”, pois estão “ocupados todos os dias, não veem televisão e não leem jornais… só isso…

Mas pior que essa ignorância – e esqueçamos a insistência ad nauseam da partilha dos seus vídeos – é a celebração da mesma, é a desculpa da falta de tempo, é a desresponsabilização de toda e qualquer atitude alvo de críticas por parte do seu público. Porque, afinal de contas, o casal Lorenzo e Pedro considera-se “ignorante político cheio de orgulho”. Só que isso não chega, não é? Quero deixar claro que não estou a ser preciosista, afinal de contas não estamos a falar de uma figura política obscura, estamos a falar de um homem que foi Primeiro Ministro de Portugal até 2015. Não é propriamente uma lição de História. E, aproveitando o balanço da Ana Rita Reis, pois dificilmente a colocaria melhor, levanto a questão:

Como é que vocês acham que defendem a igualdade se não têm a menor noção do que se passa a nível político e legislativo nesse campo? Que luta é a vossa que não teve tempo ou atenção para reparar um bocadinho na votação da lei da co-adopção de há três anos, que não passou porque a bancada do PSD, ao contrário do que é normal, impôs disciplina de voto aos seus deputados? É só uma pergunta, gostava mesmo de perceber como é que se luta sem saber nem manifestar grande desejo de conhecer o campo de batalha?

A resposta do casal à polémica surgiu uns dias depois e é bem simples: “Nós não somos activistas, simplesmente fazemos vídeos”. Então, pergunto eu, o que vos separa de outros activistas e apoiantes quando falam constantemente na Igualdade, no Preconceito, na Homofobia e Transfobia, no Orgulho LGBT? O que vos separa de outros activistas que lutaram para ter uma voz? O que vos separa de outros activistas que receberam prémios e foram acarinhados por diversas associações de luta pelos direitos das pessoas LGBT? Não é aceitável que seja a pura ignorância. Pior, não é aceitável que essa ignorância seja vangloriada numa atitude irresponsável e de desrespeito por um grupo de pessoas que apoiou o casal desde cedo.

Porque não é uma questão de estilo, de humor ou sequer de dote culinário, porque é contraproducente alegar uma defesa tão estridente dos direitos humanos quando o tom dessa voz é tão claramente vazio. Só conseguimos defender realmente aquilo em que acreditamos quando compreendemos efectivamente a luta. Porque a ignorância, desacreditem-se os ingénuos e os mal-intencionados, não se combate apenas e só com eternos sorrisos.


15 comentários

  1. A desculpa dada pelo Pedro e pelo Lorenzo é má, mas não é isso que está em questão. O que este artigo espelha é o facto de a comunidade LGBT portuguesa ser quase que reaccionária no que diz respeito à filiação/”simpatização” partidária do seus membros.

    Mais uma vez ataca-se membros LGBT simpatizantes, ou até membros de partidos, que nãos os do BE, PCP, PS ou Verdes. Fala-se de descriminação, mas não somos capazes de aceitar aqueles que sendo como nós, possam simpatizar com partidos de centro-direita ou direita, pelo facto de estes nunca nos defenderem ou raramente o fazerem.

    No que diz respeito às opções políticas de cada um a comunidade LGBT parece viver um sistema dogmático.

    Sim, pode parecer paradoxal ser membro da comunidade LGBT a defender uma opção política que nos ignora por completo, porém aquilo que queremos para Portugal não se pode resumir apenas aos direitos LGBT, o que defendemos para Portugal como um todo nem sempre se encontra espelhado no mesmo partido que nos defende.

    E no fim do dia se formos sociai-democratas ou centristas e LGBT, é nosso dever enquanto militantes/simpatizantes informar o partido com um qual nos identificamos.

    Esta cruxificação de membros LGBT que possam ser ou efetivamente são simpatizantes/membros de partidos de direito tem que acabar, pois mais não é que uma forma de discriminação.

    https://en.wikipedia.org/wiki/LGBT_conservatism

    1. O foco deste texto nada tem a ver com cores políticas, mas com a vanglória da própria ignorância que, neste caso extremo, permite que aconteça o que aconteceu.

      Quanto aos partidos políticos, iremos obviamente denunciar aqueles que se opõem, activa ou passivamente, a políticas de evolução social para toda a população. Posso até dar-lhe um exemplo, contactámos deputados de todos (todos!) os partidos com assento na Assembleia da República a pedir um depoimento sobre a aprovação da lei da adopção e recebemos respostas de todos eles… excepto PSD e CDS/PP (inclusive os que votaram favoravelmente). Por vezes há que nos encontrarmos a meio caminho.

      Obrigado pelas suas palavras!

  2. Vamos ignorar o casal (Des) Maravilha , pois falar bem ou mal deles é dar-lhes uma importância que não merecem. Para ignorantes a melhor resposta é mesmo ignorar para ver se desaparecem

  3. “teriam tudo para serem fortes símbolos para a população LGBT” Teriam e têm; e são sim fortes símbolos para a população LGBT, pelo menos para aqueles que se sentem por vezes discriminados por parte desta mesma comunidade. Não me lembro de quando é que PPC se opôs activamente aos direitos da comunidade LGBT, é a favor do casamento homossexual e votou a favor da PMA. Votou contra a adopção por casais homossexuais (apesar de afirmar já desde 2010 que é a favor) mas sobretudo devido ao contexto político em que essa votação surgiu. Acredito que seja a favor mas que apoie a ideia (estúpida claro) de um referendo sobre o tema (mas não foi ele o responsável pela ideia do referendo). Não me parece a descrição de alguém homofóbico e/ou que luta contra os direitos lgbt.

  4. O Pedro e o Lorenzo não têm qualquer responsabilidade institucional, certo… concordo plenamente. Porém, enquanto indivíduos têm (ou deveriam ter) responsabilidade política. Não obstante a cor em que votam (caso votem), acho que é grave não saberem quem é o atual Primeiro Ministro – ainda por cima alguém que tanto fez pela suposta “comunidade LGBT” em Portugal: primeiro enquanto presidente da CML, e actualmente como Primeiro Ministro. Não interessa se votaram ou não no Passos Coelho – no limite essa seria a escolha deles. O que está aqui em jogo é mesmo um grave problema de deficit de cultura geral – trata-se do retrato de um conjunto de pessoas que se deixam ficar (assumidamente) apáticas em relação ao mundo que os rodeia. Nada me mete mais medo que a falta de consciência política. É muito perigoso, diria.

      1. Sim, podia ter escrito igualmente “não acho bem”, “não valido”, “não subscrevo”. Expressões com o mesmo sentido numa opinião.

  5. Já não entro em carnavais do tipo, como aliás nunca entrei, e por isso sempre fui acusado de ter pavio curto, hoje diria que o pavio está húmido e por isso não incendeia com facilidade.
    Dizer que este casal se tornou “Ícone” da comunidade LGBTI portuguesa (como dizia a Sábado) é esticar as palavras um pouquinho demais.

    Porque para mim ser ícone de alguém ou meu se preferirem implica que esse alguém tenha feito algo honestamente relevante.
    Assim dois jovens que só passados 20 e alguns anos da sua existência é que vão a uma marcha LGBT e fazem disso a coisa melhor do mundo, não me parece faça deles uns ícones, mas sim oportunistas, nessa altura o seu canal de culinária (que não o outro) estava na mó de cima e era preciso angariar mais uns “likes”. Entendia a experiência se vivessem em Trás-os-Montes e só agora tivessem chegado a Lisboa, mas não é o caso. Entendia a experiência, com uma ressalva dos N motivos que ainda hoje afasta muitas pessoas das marchas vivam em Lisboa ou como disse em Trás-os-montes.
    Tirar uma foto com Passos Coelho acreditando que ele é o primeiro-ministro não só revela uma completa ignorância sobre o mínimo da politica nacional, como reprova toda a lenga-lenga expressa por eles nos vídeos sobre os passeios de mãos dadas pelo país. Vídeos editados claro está porque sim ainda vivemos num país homofóbico, sim. Menos é verdade, mas ainda.

    O que me leva a concluir que estes senhores não deviam votar, e se não votaram, então não sabem o que é politica, porque o ato de votar exige consciência e está visto que não a têm.
    Uma foto com PC acreditando que ele é primeiro-ministro é o mesmo, quase o mesmo, que uma foto com Mahmud Ahmadinejad e acreditar que ele foi bom para a comunidade LGBTI do seu país, verdade, como sei que eles não sabem quem é o senhor eu digo, é o EX-presidente do Irão.
    (confesso que pelonome nem eu saberia, vá pronto)

    Passos Coelho não fez nada quando FOI primeiro-ministro e nada faz agora na oposição no sentido de uma igualdade plena para tod@s

    Contudo depois desta grande gafe dos miúdos, sugiro que os mesmos façam pesquisa, reúnam com os mais velhos, escutem como foi para chegar aqui, e já agora quando estiverem a colocar os vossos vídeos no youtube aproveitem para fazer uma pesquisa pelas noticias do país e do mundo, pelo menos sempre saberão alguma coisa.

    Parabéns contudo pelo restante trabalho 😉

    Tenho dito e desculpem o longo comentário.

    1. Inteiramente de acordo. Mais que a ignorância chocou-me a arrogância que se seguiu e o facto de o casal se vangloriar da sua perigosa ignorância. E isso não pode ser apoiado. Foi isso que fizemos.

      Obrigado pelas suas palavras!

  6. Não podia concordar mais. Não me choca haver gays de direita e que até se oponham a certas políticas que são consideradas direitos para os lgbt. O que me chocou foi exactamente a ignorância e posterior arrogância. Eles não assumem o erro e praticamente dizem que quem sabe quem é o primeiro ministro é porque é desocupado e não faz nada da vida. É tão estúpido!

    1. Isso, havia muitas formas de tornar aquela fotografia aceitável (por exemplo, uma legenda onde se lia: “Não deixamos ninguém para trás”. Simples e a mensagem seria adequada à pessoa em questão, no sentido em que as pessoas podem efectivamente mudar as suas ideias e mostrar nova abertura sobre a temática LGBT. Se essa evolução era real isso já seria outra questão, mas ao casal só lhes ficava bem outra atitude.

      Obrigado pelo comentário! 🙂

  7. Eu diria que há uma tênue linha entre “lobby” e “defesa de direitos”! Todo Parlamento/Legislativo, ainda que democratas digam que defendem o povo que elegeu seus membros, mas defendem a área econômica ou de formação acadêmica a qual pertençam! Por isso, aqui no Brasil, nas últimas eleições tem sido permitido votar em candidatura coletiva (que na prática é o que sempre acontece), tendo adesão de movimentos em prol da adversidade: propostas oriundas de membro desses movimentos são colocadas em plenário e formuladas entre o (a) parlamentar e pessoas indicadas no momento da candidatura! Pondo fim aquela ilusão de que médicos, engenheiros e advogados, por exemplo, vão propor questões da adversidade e não de suas categorias profissionais: Mesmo que sejam Bi ou Homo, cisgenero ou não, a defesa deles, via de regra, será em prol das suas classes profissionais! Quando o “embrião” da candidatura é questão de gênero e sexualidade, por gente que efetivamente milita na causa, o voto sempre será “válido/útil”!

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