Orlando E O Comentário Homofóbico Em Portugal

O massacre de Orlando levantou, para o bem e para o mal, uma série de discussões entre as quais o terrorismo, as vítimas, o atirador ou o livre acesso a armas. Houve até quem -imagine-se! – levantasse dúvidas quanto à origem homofóbica do ataque. Porque eram pessoas, porque eram latinos, porque o atirador era norte-americano, porque há dúvidas quanto à influencia directa do ‘Estado Islâmico‘, porque isto, porque aquilo, porque.

O efeito do atentado terrorista de Orlando parece ter trazido à tona da discussão pessoas homofóbicas. Algumas delas, talvez adormecidas à espera do seu grande momento, lançaram o seu ódio, de forma mais ou menos directa, sobre as vítimas e aquilo que simbolizam. Falo de pessoas que acham relevante, no contexto dos atentados, levantar questões sobre a saúde dos homens homossexuais passivos. Falo de humoristas que alegam que o atentado nos deve servir de lição e, pior, não possuem nem a inteligência nem o talento para tornar o texto numa boa piada, numa boa piada que desembarace preconceitos e clichés como as melhores humoristas do género. Falo de pessoas que escrevem para jornais e, no entanto, partilham que “comparar o #JeSuisCharlie a um hipotético #JeSuisGay é parvo. A liberdade de expressão é um direito, a homossexualidade é uma escolha“. Falo de pessoas que escrevem noutros jornais e aí, apesar do tom certo, voltam a referir a expressão “opção sexual” que entrou em desuso há mais de duas décadas e a defender a discriminação nas dádivas de sangue a homens que têm sexo com outros homens. Falo de pessoas que escrevem em jornais online que ridicularizam António Costa e a sua atribuição à homofobia pelo massacre de 49 pessoas, quase todas LGBT, numa discoteca gay. Falo de pessoas que num canal de televisão afirmam, sem um pingo de vergonha, que “tal como faz mal à saúde ser muito gordo – já o anão, coitado, não tem culpa de ser pequenino – também faz mal à saúde ser homossexual“. Falo de pessoas que, no momento pessoal de coming out de outrém, lançam descabidas acusações de este ser pedófilo.

Falo destas e poderia falar de muitas mais. Sabemos quem são, passam por nós na rua, cruzamo-nos com elas nas redes sociais. Por vezes fazemo-nos de valentes e interpelamo-las, chamamos à atenção, explicamos, mostramo-nos, expomo-nos, por vezes não sabendo exactamente a reacção que iremos receber do outro lado, mas com a esperança que a nossa honestidade e o nosso desnudar sejam suficientes para as fazer crer. Outras vezes, porém, acobardamo-nos e nada dizemos. Seguimos caminho com as palavras “bicha“, “fufa” ou “traveca” a ecoarem-nos na cabeça. Estamos habituados a ser sacos de pancada desde crianças. Incutem-nos a vergonha desde bem cedo. E esta relutância em chamar as coisas pelo nome pode significar que demasiada gente se sente ainda reflectida, de alguma forma, no ódio do terrorista que matou 49 pessoas “desequilibradas“. E talvez por isso negam falar em ataque homofóbico, preferem terrorismo islâmico, muito mais consensual e à noite talvez durmam melhor por não terem que lidar com aqueles “paneleiros“. “Antes eles que eu“. Por isso importa que as vítimas de Orlando não sejam esquecidas pelo que são: L, G, B e T. Não lhes viremos costas agora. Não deixemos que elas voltem a ser humilhadas, espezinhadas por gente anónima ou por figuras públicas, porque se estas pessoas o fazem a mortos imaginem o que farão a vivos.

Felizmente – e por uma questão de justiça à profissão de comentador – há igualmente bons exemplos na comunicação social: seja na questão que Daniel Oliveira levanta “Eu fui Charlie e não sou gay?“. Ou Luís Aguiar-Conraria que aponta “o silenciamento sobre a natureza do alvo deste atentado“. Ou ainda Rubina Berardo que nos declama o Arco-Íris e o Granito de Virginia Woolf. Uns não anulam os outros, entenda-se, mas é bom saber que não estamos sozinhos.

Por isso, e para mostrar que estamos – e bem – acompanhados e vivos, apareçam já no Sábado pelas 17h na Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa. Todas as pessoas que lutam pela igualdade são bem-vindas! É a orgulhosa resposta que todas aquelas pessoas que, ano após ano, nos atacam, nos odeiam, nos minoram merecem ouvir. E assim o faremos. E assim nos ouvirão. Em uníssono.

Fonte: Irish Times (imagem).

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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