CoLeGaS: As Nossas Vozes, As Vossas Vozes

Escrevo-vos este testemunho pessoal no dia a seguir à vigília que aconteceu na Praça da Figueira em homenagem às vítimas de Orlando. O nosso condutor, João Henriques, contactou-nos dias antes no sentido de reunirmos as nossas vozes em algumas canções de forma a fazermos lembrar aquelas 49 pessoas que pereceram no massacre homofóbico – chamemos as coisas pelos nomes – de uma discoteca na Florida, mas que podia ser no Soho, na Chueca ou no Bairro Alto. Um porto seguro onde podiam ser quem eram sem discriminação e medo. Numa altura em que muitos tomam os nossos direitos como garantidos, é tenebroso sentir que a nossa liberdade pode ainda custar-nos a nossa vida. A cada momento e em cada momento. Foram apenas três canções, mas na última, Somewhere Over the Rainbow, a voz quebrou e pela primeira vez fui inundado pela verdadeira tristeza pelo que tinha acontecido. Todos os dias precedentes foram tão carregados de frustração e raiva que não me tinha dado oportunidade de fazer o luto por aquelas pessoas que tinham somente os mesmos sonhos e ambições que eu. Terminada aquela actuação quase improvisada, deixei correr as lágrimas e acolhido nos braços de colegas, pude respirar e deixar-me vacilar e sentir pela primeira vez desde Domingo.

Este é apenas um exemplo dos muitos momentos únicos e que definiram a minha vida e as experiências a ela associadas desde que me juntei ao CoLeGaSCoro Lésbico Gay e Simpatizante da ILGA Portugal – no início deste ano. Tudo começou no primeiro Sábado que fiz voluntariado no Bar do Centro LGBT na Rua dos Fanqueiros, noite de karaoke, que vim logo a saber que é das mais populares e concorridas todos os meses. A meio da noite decidi cantar uma música absolutamente dramática da Beyoncé, escolha absolutamente inevitável para quem me conhece. Correu relativamente bem, aquele momento nervoso de alguém a expôr-se daquela forma pela primeira vez na vida. O Paulo e a Cátia vieram ter comigo pouco depois e falaram-me do coro, que naturalmente já conhecia e acompanhava, e de tentar entrar nele para integrar um naipe com necessidade de elementos, os bravos baixos. Sempre gostei de cantar e sempre tive vontade de ver até onde conseguia levar a minha voz mas, apesar da excentricidade que me possa ser atribuída, cantar em público era algo que me aterrorizava. O ímpeto foi maior que o medo e lá fui a um ensaio para ser diagnosticado pela Helena: tenor a atirar para contralto, bem longe dos baixos. E apesar dos tenores já serem um naipe bem composto e incontestável, lá me deixaram ficar. Foi o início do início.

Integrar uma máquina já tão bem oleada, fruto da dedicação exaustiva e absolutamente apaixonada do João que contagia permanentemente aqueles que ele dirige, não é fácil. O repertório já é vasto e os belíssimos arranjos originais complicados de descortinar para alguém leigo como eu, sem qualquer experiência musical que não a flauta de bisel no 6ª ano de escolaridade e uns intermitentes e frustrados meses de tentativas descuradas de domar uma guitarra acústica. Mas qualquer desmotivação era derrotada pelo apoio dado por todas e todos. Lá me fui imiscuindo e lentamente perdendo as inibições naturais. Cada início de ensaio, marcado por exercícios de ginástica vocal e corporal, ia sentido a minha voz libertar-se um pouco mais de cada vez. Esse sentimento de descoberta é uma revelação, totalmente independente da qualidade e alcance que os meus músculos, pulmões e cordas vocais permitem. É efectivamente essencial entender a vulnerabilidade de uma voz no meio de outras, que juntas e em uníssono são inexpugnáveis. A força de uma na união com outras, lema milenar mas que parece hoje fazer mais sentido que nunca. No meio das trevas que muitas vezes parecem impenetráveis, a luta não é infrutífera se for batalhada em conjunto.

E é mesmo isso que o CoLeGaS faz. Que, agora orgulhosamente posso dizer, nós fazemos – porque já me deram muito mais do que alguma vez posso fazer para retribuir. Levamos as nossas vozes a todas e todos os que nos queiram ouvir. Procuramos celebrar com quem nos quer bem e conquistar quem nos olha com discriminação ou desconfiança. Cantamos Coragem. Cantamos Dor. Cantamos Saudade. Cantamos Liberdade. Cantamos Amor. Sobretudo. E mais do que cantar queremos que as nossas vozes sejam ouvidas. E que se juntem a nós. Hoje esse sentimento de aliança é mais urgente que nunca. Assim garantimos que jamais serão capazes de nos silenciar.

Venham para a semana juntar-se a nós e com o coro convidado belga Tapalanote num concerto único na Graça,  Sexta-Feira dia 24, e na actuação no Arraial Pride , Sábado dia 25. Ambos de entrada livre.

Obrigado Ana. Obrigado Angélica. Obrigado Alberto. Obrigado Bruno. Obrigado Cátia. Obrigado Cecília. Obrigado Estela. Obrigado Guillaume. Obrigado Helena. Obrigado Hélio. Obrigado Isabel. Obrigado João. Obrigado Joaquim. Obrigado José Carlos. Obrigado José Luís. Obrigado Leonor. Obrigado Nuno. Obrigado Paulo B. Obrigado Paulo CR. Obrigado Rita. Obrigado Rui. Obrigado Saulo. Obrigado Susana. Obrigado Sylviane. Obrigado Tiago.

Foto e video da ILGA Portugal

5 comentários

  1. Após ler o texto, fiquei parado a olhar para o ecrã a digerir o que li e o que senti. Tendo a sorte de conhecer o autor, por momentos foi como se o tivesse à minha frente, frágil, a abrir a sua alma, a dar um pouco de si. E foi simplesmente brutal. Obrigado por este momento.

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