Os (Orgulhosos) Arco-Irís do NOS Alive 2016

Terminou ontem mais uma edição do NOS Alive depois de três dias de mais um brilhante cartaz, que incluiu Radiohead e Arcade Fire e que trouxe a Algés diariamente 55 mil pessoas, das quais 31 mil são estrangeiras. Dez anos depois da sua génese, ainda sobre a chancela da Optimus, é um dos festivais mais internacionais do nosso país e tem sido consecutivamente considerado como uns dos melhores da Europa por publicações especializada deste e do outro lado do Atlântico.

Não deixa de ser então significativo o impacto de alguns gestos de inclusão que dificilmente teriam expressão em 2006. Se o logotipo da empresa patrocinadora já é um autêntico arco-íris – obrigado NOS – foram várias as bandeiras que se viram no recinto, tanto no público como em cima do palco.

Olly Alexander, jovem lider do delicioso delírio dance Years and Years, tem usado a sua (magnífica) voz para lutar pelos direitos LGBT e fez ontem surgir no público uma bandeira arco-íris a meio de um concerto quente e intensamente vivido. Já falámos da fluidez sexual por ele demonstrada no videoclip “Desire mas a naturalidade com que ela se faz expressar em palco tem tanto de ousada como natural. Os seus movimentos, que muitas vezes lembram ‘voguing’, são totalmente desinibidos e libertos, enquanto se serpenteia nos seus calções onde corações desenhados humoristicamente se transfiguram em pénis. O calor do final de tarde foi apenas o mote para a total rendição de Olly e colegas de banda ao público que clamava por eles.

No dia anterior, John Grant já se tinha erguido triunfante no palco Heineken, indubitavelmente o mais apropriado a concertos memoráveis do festival. O músico entrou em palco com um traje de fim-de-semana ressacado, t-shirt já por demais lavada, calções de corrida da Nike e botas com meia grossa. Totalmente anti-estereótipo, Grant expulsa a dor com suor, dança e canções que abordam a luta pela aceitação da sua própria homossexualidade e a contracção do VIH numa fase mais destrutiva da sua vida. É impossível ouvir “Glacier”, que nos mês passado dedicou a Orlando em dueto com Kylie Minogue, sem ficar totalmente desarmado ou olhar para Grant e não ver nele um soberbo e inspirador exemplo de sucesso a surgir de tantos anos de sofrimento e introspecção. Um herói moderno.

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E a premissa dos heróis não podia estar mais patente noutro qualquer espectáculo do Alive que no de Grimes, pseudónimo artístico da Canadiana Claire Boucher. Não só nasceu uma estrela naquele que foi o concerto mais surpreendente e eufórico de todo o festival, mas emergiu também uma super-heroína. A arte visual de Grimes, em palco ou em videoclip, joga com cenários de fantasia futurista, frutos da sua própria imaginação totalmente ilimitada. Por isso a fantasia que desperta a envergar uma bandeira arco-íris como uma capa de super-herói dos comics não é desprovida de um simbolismo tremendo. Porque a sua energia doce mas agressiva é completamente transfigurante na forma como atinge o público como uma explosão de feixes laser. E porque a juventude desinibida que transpira e emana é como uma fonte que alimenta o público, muito jovem e com grande percentagem de pessoas LGBT.

O poder interior com que deixamos um concerto tão marcante e inclusivo como este é inabalável. Uma mensagem fulcral e empoderadora para quem ainda se debate com a sua identidade depois de anos de tortura interior ou que só agora o começou a fazer e vê aqui um sinal verde. Fomos nós mesmos e assim continuaremos a ser, com menos inibição e medo. Se alguém ainda questiona a importância da visibilidade, ela é particularmente importante e irrevogável em momentos como estes. Como tão brilhantemente os Arcade Fire, eles próprios exemplo máximo de uma luta una e que será mote para um testemunho pessoal do Filipe, cantaram: “We Exist”. E não nos desculparemos mais por isso.

Fontes: 1, 2