Entrevista a Bruno Malveiro e Hugo Pires da much underwear: como construir uma marca LGBT 100% Portuguesa

No passado dia 12 estivemos no The Late Birds Lisbon a descobrir as primeiras novidades do Queer e aproveitámos para nos sentar com o Bruno Malveiro e o Hugo Pires da much underwear, já depois de alguns vodkas bem bebericados. A nossa história conjunta já tem mais de um ano e desde o início que existiu uma afinidade entre os dois projectos. Se antes poderiam aparentar ser pouco complementares numa análise pouco cuidada, tal impressão fugaz dissipou-se quando (orgulhosamente) participámos no 1º Aniversário da much underwear (também no The Late Birds). Para além de mostrarem as peças para a nova coleção, o Hugo e o Bruno surpreenderam com a iniciativa Giving Back, ao apoiar ONGs que consideram estar a fazer um trabalho importante pela comunidade LGBT em Portugal, é o caso do CheckpointLX e do Tudo Vai Melhorar. Também aproveitaram para homenagear projectos que consideraram fulcrais na perspectivação da comunidade como A Vila das Cores” do Bruno Magina e o “Te Quiero, Yo Tampoco” de Miguel Bosch, com a primeira edição dos much more awards. A sinergia era inevitável e, numa conversa que demorou bem mais de uma hora, discutimos questões importantes para todos nós e como se constrói e alicerça uma marca declaradamente LGBT num país como Portugal.

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EG: Bruno e Hugo, descrevem-se como “dois rapazes portugueses viciados em roupa interior”, como fizeram nascer desse gosto uma marca como a much?

H: Nós desde sempre que nutrimos algum gosto e simpatia pelo mercado da roupa interior. Sempre que fazemos uma viagem a maior parte do nosso budget – e talvez seja infeliz de se dizer (risos) – em vez de ser dedicado à cultura como normalmente as pessoas que viajam fazem ao trazer livros, nós temos gavetas e gavetas de roupa interior em casa. Tudo começou com uma crise minha dos 30 anos e na altura estava a trabalhar numa empresa seguradora, apesar de ter passado antes por empresas de moda enquanto estava na faculdade e depois mais tarde no departamento de comunicação e marketing da H&M. Foi aí que começou por surgir um gosto complementar pela roupa e pelo mercado em si. A roupa interior surgiu pelo gosto de sempre, pelas viagens que fazemos e pela roupa que trazemos. A partir dos 30 comecei a pensar se efectivamente era aquilo que eu queria fazer para o resto da minha vida, estar sentado na secretária em frente ao computador, responder a emails, coordenar uma equipa, apesar de ser uma equipa de apoio ao cliente e gostar bastante da comunicação, achei que não me fazia sentido e não era o que queria. De um dia para o outro perguntei ao Bruno – porque estas decisões são partilhadas entre os dois – se faria sentido eu sair de onde estava e criarmos uma empresa e ele respondeu que sim, que podíamos pensar nisso e eu no dia seguinte mandei-lhe uma mensagem a dizer “Já está!” [risos]. E então despedi-me e a partir daí começou a aventura. Tínhamos zero conhecimento de gestão empresarial, zero conhecimento do mercado, do desenho, sem background nenhum. Eu sou Geólogo, o Bruno é Engenheiro Informático, nunca tivemos experiência por isso precisámos de tempo para ganharmos conhecimento da área, de fábricas e termos a intenção de ser uma coisa 100% portuguesa.

B: Foi de facto a paixão pela roupa interior, de sermos viciados em roupa interior e comprarmos muita roupa interior que nos levou para esta área.

EG: Como foi o processo de entrada nesta área em termos de aprendizagem?

H: Foi um processo muito longo e complicado…

B: O primeiro passo foi tentarmos perceber como se fabrica a roupa, mesmo antes de montar empresa, precisámos saber como iríamos produzir, desenhar. Foi esse o trabalho que eu e o Hugo começámos por fazer, arranjar o contacto de mil e uma fábricas e depois houve um processo de selecção para enviarmos emails e quase não obtivemos respostas, ninguém quer trabalhar, aparentemente.

H: Começámos numa altura de crise e há o hábito de dizer que as coisas estão mal, que não há investimento, que não existe a motivação para apostar em Portugal e eu acho que é precisamente o oposto. Há cada vez mais coisas a surgirem, nomeadamente as que se designam “100% portuguesas”. Falando em fábricas têxteis, passámos de 1347 para cerca de 70 fábricas que vimos como possíveis e às quais enviámos emails. O nosso interesse inicial foi em saber se efectivamente o material era português, se tinham tácticas sustentáveis – dentro da geologia era uma área que me interessava bastante, o desenvolvimento sustentável – se produziam roupa interior e se pertenciam a um meio mais dedicado à causa LGBT, ou seja, sem qualquer preconceito em termos de design, de imagem, de cores. Foi um processo complicado, quer seja por falta de resposta – e não foi por falta de insistência – quer seja por volumes de negócio exigidos numa fase inicial completamente surreais.

B: Só uma grande marca conseguiria trabalhar com o volume que nos exigiram.

H: 150 mil Euros para primeiro ano em termos de volume de negócio é impensável para uma marca vinda do zero e construída do nada. Posto isto, acabámos por ir para uma que foi extremamente simpática e que trabalha com diversas marcas internacionais – e quando digo internacionais digo marcas que fabricam cá, exportam e apenas colocam a etiqueta no seu país – o que também nos deu um know-how com as visitas à fábrica perto do Porto em termos de denominações técnicas, materiais utilizados, o tipo de costuras, a cor, os padrões, formas de cintas diferentes. Começámos também por aí, pela conquista da fábrica com a qual nos identificámos.

B: A fábrica acabou por funcionar como uma parceria porque se envolveu no processo de criação, auxiliaram sempre, disseram se era ou não possível, olharam para os nossos desenhos – que não são desenhos técnicos, são esboços daquilo que queremos – e eles conseguiram interpretar o que lhes demos e foi muito bom. Criámos uma relação de proximidade com a fábrica. Nós não pedimos grandes volumes, dado que somos uma marca pequena e eles tratam-nos como outro qualquer cliente, são envolvidos no processo, ajudam em qualquer dúvida mais estapafúrdia que possamos ter por não termos background na área e acho que é mesmo muito positivo. É uma relação para continuar com esta fábrica, é portuguesa e trabalha com materiais portugueses e até a etiqueta é feita cá.

EG: Desde cedo se identificaram como uma marca direccionada para a população LGBT, acham que algumas das portas que se fecharam de início poderá estar relacionado com algum tipo de discriminação? Havia logo à partida um bloqueio por parte dessas fábricas que não responderam sequer? 

H: Algumas delas tenho a certeza que sim, até porque sabemos com que marcas é que trabalham e estas tentam sempre distanciar-se da questão LGBT, apesar da maior parte das vendas de roupa interior masculina vir da comunidade LGBT. Outras não sei porquê, talvez por sermos uma marca nova sem nome no mercado. Notámos que algumas das perguntas que nos fizeram inicialmente – como quantidades e preços – geralmente são discutidas mais tardiamente no desenvolvimento da parceria. E isso era uma questão muito importante, porque somos uma marca muito recente, a começar do zero. Nunca foi uma coisa declarada, mas nota-se na abordagem feita connosco que há ali um incómodo em trabalhar com uma marca LGBT, até porque foi uma coisa que nunca escondemos, somos duas pessoas LGBT, é o mercado que conhecemos. Obviamente que somos uma marca inclusiva e achamos que as nossas peças ficam bem em qualquer corpo.

EG: O intuito de serem uma marca direccionada para a população LGBT fez-vos definir de forma diferente a abordagem de entrada e posicionamento no mercado a nível de marketing?

H: Sem dúvida, todas a nossas apostas de marketing estratégico, de patrocínios e de posição é adequada ao mercado LGBT, seja em Portugal como no estrangeiro. Primeiro, por ser uma marca nova e termos o know-how do ambiente em que estamos envolvidos, pela questão do networking – posso-vos dizer que 60% das parcerias que fizemos [foi assim que aconteceu]. Acaba por ser uma aldeia e para nós faz todo o sentido porque é onde nos sentimos bem. Penso que o que saiu “fora da norma” terá sido o modelo que fotografámos em Agosto de 2015, o Samuel Fernandes, que é um modelo assumidamente heterossexual, mas que foi perfeito. Estava um pouco receoso, porque nós temos as cuecas Teaser – que mostram um pouco do rabiosque [risos] – mas a primeira coisa que ele me disse foi que sabia que as nossas peças são direccionadas à comunidade, mas deixou claro que não tinha qualquer problema ou preconceito. Deixou-nos portanto à vontade e ficámos muito satisfeitos com o seu trabalho. No entanto, antes do Samuel tínhamos contratado um modelo do meio mas que, precisamente pela conotação LGBT, decidiu cancelar à última da hora com receio da exposição que poderia prejudicar a sua carreira e contactos futuros. De qualquer das formas, em termos de criatividade, creio que é unânime a contribuição da população LGBT no mundo da moda e isso permite-nos arriscar e criar peças mais invulgares que funcionam [de forma] mais ousada. Isto dá-nos liberdade para pensar fora da caixa, porque não temos que fazer a cueca branca standard, os boxers largos. E este modelo, o Samuel, foi uma bela surpresa numa sessão que correu lindamente, foi das nossas melhores sessões fotográficas.

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EG: A much completou o seu primeiro ano no mercado na semana passada, o que vos levou tão cedo a apostarem em acções de responsabilidade social com as iniciativas Giving Back e os much more Awards?

H: Esta era uma ideia que tínhamos desde o início, mas num primeiro ano é sempre complicado. Temos de investir mas uma das nossas preocupações era ajudar a comunidade, por pouco que fosse. Não nos consideramos activistas, mas podemos contribuir com uma ajuda complementar a ONGs ou a Associações que fazem um trabalho exemplar. Através de uma marca, tentamos homenagear e dar apoio a algumas iniciativas que achamos de louvar. Existiu de início alguma hesitação porque receámos não ter os pilares para sustentar esta iniciativa dentro da marca. Eu sou megalómano nas ideias e o Bruno é mais calmo e conseguimos assim um equilíbrio. O meu principal receio foi o de as pessoas pensarem – e isto atormenta-me um pouco – que nos estamos a aproveitar do reconhecimento que as ONGs têm em Portugal da comunidade LGBT para nos expormos como marca. Tentámos fazer com que isso não aconteça, porque não é esse o nosso intuito. O que foi falado entre nós é que, sim, fazemos parte da comunidade e esta dá-nos muito e, como tal, sentimos a obrigação de retribuir. O Carlos aqui do The Late Birds falou-nos muito disso, na sinergia entre as várias entidades dentro da comunidade e foi isso que tentámos fazer.

B: Nós não somos uma marca grande, mas sentimos que podemos ajudar um pouco e é um objectivo nobre que faz parte dos nossos valores. Nós queremos fazer muita coisa, mas como não somos uma super-multinacional [risos] temos que seleccionar aquilo que podemos fazer. O Hugo por vezes conta-me as suas ideias e o que quer fazer. Não sei se é o Hugo que é ‘maluco’ e nos leva para a ‘loucura’ dele se de facto são coisas que têm pernas para andar porque tudo o que ele diz que quer fazer eventualmente acontece. Lembro-me de estarmos no Festival Queer Lisboa há uns anos e ele dizer-me que “daqui a uns anos vamos estar aqui a patrocinar algo” e eu revirar-lhe os olhos [risos]. E, efectivamente, lá estivemos nós no ano passado. Foi um momento muito engraçado, mas não nos lembramos da primeira vez que vimos o nosso clip no Queer, foi um momento fantástico mas depois não nos lembramos do momento em si tal o seu impacto. E é um pouco isto, queremos estar nos sítios que fazem sentido para nós e aos quais temos uma ligação forte. Algumas das parcerias que fizemos [foram feitas de forma a ] seguir os nossos instintos e ver onde encaixamos bem, mesmo que nem sempre tenhamos retorno, mas que para nós foram gratificantes e que nos fazem todo o sentido. Mesmo por exemplo o Queer, a realidade é que não nos dá grande retorno, mas é uma aposta que achamos que faz sentido e que queremos apoiar e onde queremos estar. Vamos continuar a fazê-lo enquanto conseguirmos.

EG: Mas têm uma posição rara em Portugal. Não existem marcas com esse tipo de iniciativa. Em Espanha no Pride todas a marcas e multinacionais faziam questão de estar presentes e apoiar. O que falta em Portugal para termos essa abertura como existe em Espanha ou nos Estados Unidos? 

H: Portugal é um país muito pequeno na abertura que tem para a comunidade. Felizmente isso começa cada vez mais a ser desmistificado. Mas posso-vos dizer que é muito complicado, é um meio com bastantes rivalidades com as quais nos deparámos.

B: Isto mesmo dentro da próprio comunidade, as próprias entidades se fecham, é muito estranho. A questão da sinergia não é a linha de pensamento generalizada aqui, existe uma limitação a um grupo fixo de contactos.

H: Isto acontece não só a nível mais comercial como também na questão das casas de diversão nocturna como também em instituições e ONGs, o que para mim não faz qualquer sentido.

B: Em relação às casas nocturnas é natural que exista essa rivalidade, mas existem questões e eventos em que têm de trabalhar para um bem comum. Também as próprias organizações que promovem os eventos são também elas muitas vezes fechadas sobre elas próprias.

H: Ainda não nos debruçámos muito sobre isso, mas um dia espero que tenhamos um autocarro aberto much com muito orgulho a celebrar o Pride, distribuir panfletos, preservativos. Celebrar a diversidade. Mas a mim choca-me e não consigo ainda perceber porque oficialmente as marcas não fazem parte destes eventos também.

B: E existem problemas passados, se trabalhaste com alguém não podes trabalhar com um outro, não faz sentido. Somos meia dúzia de gatos pingados, se não nos unirmos vai cada um a remar para seu lado. Eu remo mais depressa e o meu remo é mais bonito e tem glitter [risos]. Isso foi algo com que nos deparamos e achamos muito estranho, frustrante e triste. Era algo que não estávamos preparados para encontrar.

H: Quanto iniciamos os contactos com a primeira ONG foi sempre com o intuito de conhecer a abertura. É sempre injusto tentar seleccionar duas com as quais podemos trabalhar. O intuito inicial era de selecionar apenas uma porque como empresa parte dos nossos lucros é para pagar impostos, também é rebatido o preço de transporte porque enviamos gratuitamente para vários países no Mundo. O resto é definido pelo marketing e por imagens da marca. O que sobra é uma pequena parte do valor que cobramos. Mas não podíamos ficar indiferentes e decidimos optar por duas causas, em lugar de ser apenas 50 centimos ser 1 euro repartido entre ambas de igual forma. Ficamos novamente chocados quanto entramos em contacto com diversas ONGs que não têm qualquer apoio particular e tudo o que têm provém de financiamento público, do Estado, das Câmaras Municipais. Gostaria efectivamente de lançar o desafio, porque não é muito difícil ajudar. Não digo 50 centimos ou 1 euro, mas basta 5 centimos numa entrada num clube nocturno, uma ninharia.

B: A nossa ajuda é pequena, não conseguimos dar um milhão de euros, não temos capacidade de fazer isso. Mas nunca foi posta essa questão em qualquer instituição que contactámos até porque qualquer contributo, que nem sejam cinco euros, é uma ajuda.

EG: Qual foram as reacções a esta iniciativa?

B: Surpresa, o facto de estarmos a fazer isto já.

H: Mas as reacções foram por enquanto a nível de circulo de amigos mais próximos que efectivamente acharam uma excelente iniciativa e nos parabenizaram. Tentamos manter este apoio o mais discreto possível- Relativamente aos prémios, tentámos o reconhecimento de algumas iniciativas. Queríamos apoiar tantas, mas decidimos restringir-nos a uma nacional e outra internacional. E é apenas um prémio em acrílico (risos).

B: Mas até isso foi um desafio.

H: Sim, ainda hoje estamos à espera de orçamentos. Nunca quis esconder o que somos e o que fazemos. No nosso e-mail fazemos sempre uma pequena apresentação, com a nossa assinatura com link para o site, Instagram e Facebook Quem recebe um e-mail nosso sabe de onde vimos e o que fazemos. E tem sido um pouco difícil, apesar de estarmos a querer dar trabalho a uma empresa. Por incrível que pareça isto até acontece com agências de modelos – e agora vai-me cair tudo em cima. Por isso estamos a trabalhar com modelos não agenciados ou se estão agenciados fazem-no por fora, o que nós achamos ridículos. Primeiro porque os valores das agências são super elevados e para uma empresa nova é sempre difícil conseguir comportar o dinheiro que eles pedem e depois têm um limite muito reduzido no tempo de utilização de imagens. Em média são sempre 6 meses e nós temos uma coleção a funcionar durante um ano nunca podemos compactuar com esses valores. Por isso acabamos por recorrer ao networking e a pessoas que dão o corpo e alma pela marca e que até tem sido bastante positivo.

EG: Seria de esperar que agências de modelo, no mundo da moda, fossem um bocado mais abertas a projectos como este.

H: Sim, também ficamos surpreendidos. E se temos também de dar a mão à palmatória em relação a algumas agências acessíveis e que nos receberam bem existem outras que dizem declaradamente que não podem participar e ter uma conotação associada a qualquer comunidade, apesar de ser uma agência aberta a outro tipo de trabalhos. Não faz sentido não se quererem associar a uma marca, que apesar de não exclusivamente, é dedicada à comunidade LGBT. A título de curiosidade, tentámos obter preços de algumas celebridades que pudessem dar a cara pela marca, mas sempre foi muito complicado, quer com actores ou modelos, não poderem por motivos de agenda ou cláusulas de restrição, ou mesmo porque não podem ser conotados a uma marca associada à comunidade gay.

EG: Qual foi a maior surpresa/feedback que tiveram fora da comunidade?

B: Fora da comunidade a nível profissional foi mesmo o Samuel. De resto não tivemos grande feedback. Temos tido dificuldades em chegar à imprensa, não há resposta. Feedback negativo não nos choca mas uma simples resposta e algum profissionalismo seria bom. Ser ignorado é sempre pior.

H: Mas curiosamente isso acontece mais cá [em Portugal]. Fora do país temos sempre resposta, sem grande tempo de espera. Cá é que isso acontece, não sei se por ser um país mais tradicionalista, em que as coisas acontecem muito cara à cara e por networking directo, mas efectivamente cá tem sido mais complicado que lá fora e não esperávamos que isso acontecesse.

B: O que cá se notou foi o interesse de ser uma marca 100% Portuguesa. Mesmo antes de contactos feitos com lojas ou termos apresentado qualquer peça, havia esse interesse. Isso foi positivo e não é fácil. A tentação é muita de fugir lá para fora, porque somos contactados diariamente por fábricas na Ásia e afins e os preços são dia e noite.

H: Com o preço da primeira colecção já poderíamos ter lançado dez. É uma batalha que temos em ser 100% Portugueses. Outra situação que considero estranha é o facto de no espaço de um ano termos recebido 171 contactos de fábricas asiáticas e nenhum de uma fábrica portuguesa. Não sei se é uma questão de trabalho ou se não querem que isso aconteça.

B: Nota-se alguma resistência. Tal como nós estávamos a falar há pouco da nossa comunidade estar muito fechada. Isso é algo generalizado e às vezes frustrante. Tentativa atrás de tentativa. Mas foi um ano super interessante em que se aprendeu imenso.

H: Acho que valeu por dez anos, até porque foi o nosso bébézinho e se não formos nós a combater por ele ninguém combate.

B: Naquela primeira sessão [fotográfica] não sabíamos bem que fazer. Mas a segunda foi muito mais fácil e agora a última, a terceira…

H: Quarta [risos]

B: Quarta, sim, já estava tudo organizado, terminámos três ou quatro horas mais cedo do que estava previsto. Essas coisas aprendem-se. Mesmo no outro dia com a apresentação de aniversário, dissemos: “Já está”. A partir de agora já sabemos como funciona e como é que nos organizamos. Essa aprendizagem é muito importante para nós, para crescimento pessoal e da marca. Havia a paixão mas não tínhamos qualquer conhecimento do que fazer. E a verdade é que fomos fazendo. Mais ele que eu, acho que o crédito tem que ser dado. Não teria coragem de fazer o que ele fez. Sair de um emprego, dedicar-se totalmente a algo do zero, não teria coragem. E nesse aspecto esse crédito tem de ser dado.

H: É dos dois. Sem ti também não faria sentido.

EG: Falaram dos desafios do primeiro ano. Quais são os desafios para o segundo e o que pretendem ultrapassar?

H: Nós temos consciência que o primeiro ano foi uma aventura fora do normal enquanto seres humanos e enquanto empresários. Temos a noção que a primeira coleção foi uma grande aventura e propositadamente fora do normal. Decidimos arriscar, fazer aquilo que queríamos. Saberíamos que imensa gente não iria gostar e acharem que era uma mistura totalmente despropositada de cores, pegar no logo e misturar o azul, o rosa, o branco e o preto na primeira coleção. Achámos que fazia sentido e nos destacaria das marcas já existentes. Neste segundo ano seremos menos arriscados a nível de cores, mas enveredaremos mais na linha daquilo que gostaríamos de ter e construir. Isto apesar de também termos uma peça mais atrevida  e de tamanho adaptável, onde ninguém tem de se preocupar muito com o tamanho que veste, mas pronto, tem pouco tecido [risos]. Mas para já para o ano de 2016/2017 teremos o lançamento dos básicos preto e branco, mas numa onda um bocadinho diferente. Temos também a possibilidade de fazer qualquer coisa com Tudo Vai Melhorar, é algo que está a ser falado mas que não podemos desvendar muito. Mas a ser feito, os lucros serão integralmente a favor desse projecto. E no fundo é estruturar o nosso início, e com o know how que obtivemos do primeiro ano solidificar a nossa base. Também claro a nível financeiro, porque tudo o que obtivemos de rendimentos no primeiro ano foi reinvestido na marca ou em patrocínios, apoios, sessões fotográficas ou já a pensar nesta segunda colecção. Ao contrário do primeiro ano, teremos um lançamento tri-partido a nível dos trque vamos lançar, para distribuir um pouco mais as visitas e compras. Fora isso vamos permanecer com algumas parcerias que já tínhamos o ano passado, nomeadamente o Queer. Estaremos no Queer Lisboa 20 e no Queer Porto 2, não poderíamos apoiar só um. Vamos continuar com parcerias localizadas a nível de comunidade, a sinergia criada aqui com o The Late Birds tem sido fenomenal. Sentimo-nos em casa e é um brainstorming partilhado, tentamos ajudar-nos mutuamente e é assim que para nós as coisas vão funcionando e gostaríamos de ter o mesmo com outras entidades. Para o futuro é tentar desenvolver a marca, passarmos para swimwear num terceiro ano. Já temos desenhadas as sungas much Porto e much Lisboa, mas swimwear é mais caro produzir logo vai depender do alinhamento das próximas peças e Marte estar na casa 4 da carta [risos].

B:  O objectivo é criarmos uma base mais sólida para termos menos limitações. Acho que o que nos  frustra muito é não fazermos tudo o queríamos, não podermos já lançar vinte peças. Mas vamos continuar a crescer conscientemente. O primeiro ano foi surpreendente e não esperávamos que fosse tão rápido, mesmo logisticamente não estávamos preparados para o volume de trabalho. Por isso agora lançamos estas peças desta forma.

H: Até porque muita gente nos pedia.

B: Exacto. “Onde está a peça branca?”. Aqui está. Mas vamos tentar o mercado internacional também, infelizmente o mercado português não chega para tudo o que queremos fazer. Se queremos de facto dar muito à comunidade portuguesa precisamos também de ir buscar algum rendimento lá fora. Mas acreditamos no futuro e a marca está registada com actividade em underwear, swimwear, gymwear. O core será sempre underwear, tal como o nome da marca indica, mas o objectivo é esse, fazer um bocadinho mais. Crescer a nossa base de clientes e criar mais solidez financeira. Gostávamos de não pensar tanto no orçamento.

H: Isso foi outra coisa que me custa muito. Ter de dizer que não. E isto é avaliado mesmo a nível psicológico, para mim seria tudo sim se pudesse.

B: Tivemos agora inclusivamente de dizer que não a uma parceria que iríamos ter com um blogger e celebridade nacional que tenho a certeza que seria mesmo excelente a nível de exposição.

H: Sim, mas não poderíamos ter feito o apoio que depositamos nestas duas entidades, nos prémios. É muito cedo para nós. Preferimos fazer as coisas com pés e cabeça. Não nos deixarmos levar pela loucura de agradar e sermos vistos como uma marca cheia de variedade. Ter calma.

B: Às vezes é tonto, nem pensamos muito na vertente negócio da coisa. “Isto é muito giro, vamos fazer” [risos]. Mas o que é que isto nos pode trazer de volta e potenciar? Gostávamos de fazer tudo mas não dá.

H: Vamos continuar com o apoio a estas entidades que é renovável passado um ano, voltar a atribuir os much more awards que tentam de forma simples trazer à tona questões culturais importantes. Optamos pela visibilidade da comunidade vista de fora. Foi o caso do Bruno Magina e da Vila das Cores e também do Miguel Bosch e o Te Quiero, Yo Tampoco que abrange uma leque enorme de tipos de relações que não são conceptualmente tidos em conta na nossa cabeça. E especialmente a forma uplifiting e positiva como tudo é construído. Acho que é isso que falta por cá.

B: Ver que a caixa pode não ser bem quadrada, tem ali uns ângulos diferentes. A linha condutora nos prémios foi essa mesma. O descontruir de um paradigma qualquer.

H: É apenas mais uma homenagem e dado de coração. Seguimos muito o nosso instinto.

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Um instinto vencedor. Podem comprar qualquer peça da colecção anterior no site www.muchunderwear.com com um desconto de 50% a partir da segunda. 1€ de cada item reverterá para apoiar o CheckpointLX e o projecto Tudo Vai Melhorar.

Obrigado ao Bruno e ao Hugo pela conversa e por estas iniciativas tão valorosas e raras. E parabéns!