Instahunks desde a Grécia Antiga – A História dos Músculos em 5 Minutos

ErcoleFarnese
Hércules Farnese, séc. III d.C.

De há algum tempo para cá, temos assistido ao debate cada vez mais aberto acerca da forma como as redes sociais servem para a exposição de corpos ideais, musculados e inalcançáveis ao comum dos mortais. Enquanto alguns gritam “Standards de beleza irrealistas!!”, outros defendem o lado motivacional das selfies; as opiniões acerca dos Instahunks dividem-se entre chamar-lhes tiranos cruéis do físico, ou gurus inspiradores do “antes e depois”. Como já foi bem explicado pelo Luís Salvador neste blog, é um fenómeno que está embebido em questões de narcisismo, percepção de identidade e auto-imagem, todas elas de difícil resposta.

A pergunta que não está a ser colocada, e pode ser muito reveladora para chegar a algum lado neste problema é quase infantil na sua simplicidade: Quando começou tudo isto? Desde quando é que um corpo tonificado é mais bonito, é melhor que um corpo gordo ou magro? Quando é que os homens musculados passaram à frente?

A História da Arte pode dar uma ajuda: antes do Instagram, e da fotografia, (e até da pintura a óleo) existiam estátuas, de mármore e bronze. Todos temos em mente a imagem das esculturas gregas, com 2500, 2700 anos de idade, e de facto, os povos da Antiga Grécia (Atenienses, Jónicos, Dórios, Espartanos) foram os primeiros a criar homens nus como símbolos de grandiosidade. Antes deles, os Egípcios já tinham representado nus, mas para eles a nudez era um sinal de vergonha, reservado às imagens de prisioneiros de guerra. Quando criavam uma estátua de um homem nu, partiam de um bloco de pedra, que dividiam em partes iguais através de uma quadrícula regular: assim, o corpo tinha 8 vezes a altura da cabeça, o braço era 3,5 vezes a largura da cintura, e por aí fora. Obtinham então um corpo proporcional e agradável à vista (da altura, pelo menos).

instahunks
Da esquerda para a direita, cima para baixo: a construção do kanon; o kouros Arcaico; o kouros Clássico; o Doríforo de Policleto; Laocoonte; o Hércules de Bandinelli; Zbyszko Cyganiewicz, 1910; A Queda dos Titãs, Cornelisz van Haarlem

Esta técnica é adoptada pelos Gregos, que lhe chamam kanon,  (regra, medida; a que hoje em dia chamamos cânone). Também foi importada do Egipto  a tradição de esculpir jovens guerreiros, mas ao passo que os Egípcios mantinham os seus guerreiros vestidos, os Gregos despiram-nos por completo. Deram assim origem a um tipo de estátua, no séc. VII a.C., chamado kouros (rapaz) que começa por ser uma representação estereotipada, rígida e inflexível. 200 anos depois, no período Clássico, passam a ter um corpo com mais movimento e naturalidade.

Costuma ser dito que o Corpo se tornou realista, mas este é um erro grave: a técnica do cânone continuou a ser usada e aperfeiçoada, em especial por Policleto, o escultor que podemos apontar como o pai do corpo Clássico. Ao aperfeiçoar o kanon (sabe-se que usava a secção terminal do dedo mindinho como medida de base para a sua grelha), Policleto criou obras que eram tidas como o cúmulo da perfeição física. O Doríforo, a sua escultura de bronze mais famosa, causou um impacto tão forte que 3 séculos mais tarde ainda eram feitas cópias de mármore pelos Romanos (ironicamente, não a conhecemos porque desapareceu, e só através destas cópias sabemos como era o Doríforo original).

Esta escultura prega-nos uma partida: nós achamos que aquilo é um homem, mas não, é uma justaposição de medidas. É uma criação matemática aplicada ao corpo humano, não um corpo real: por exemplo, o torso é demasiado quadrado, os joelhos são demasiado tensos, e repararam na crista de músculos entre o abdómen e a pélvis? É completamente extra-terrestre.

Podíamos contra-argumentar dizendo “Aqueles homens são musculados porque são atletas!”, mas na verdade também não são corpos de atletas; o desporto tinha uma dimensão espiritual ao mesmo tempo nobre e singela, e era uma parte essencial da vida na Grécia Antiga: as lutas entre povos eram suspensas por completo durante a duração dos Jogos Olímpicos, e o vencedor recebia dois prémios, uma coroa de louros (sim, de louro, aquela folha cheirosa que pomos no refogado) e ver o seu nome gravado na parede do templo de Zeus. Famosamente, os atletas competiam nus, mas não posavam nus para os artistas: esta prática, do modelo-vivo, só surge em pleno no séc. XIX. A criação de corpos despidos na Arte mantinha-se sujeita à criação de um cânone, que variava de artista para artista, à medida que cada um tentava encontrar a forma perfeita.

Gradualmente, já na transição para a Era Cristã, os Romanos inspiraram-se no naturalismo destas esculturas, mas acrescentam-lhes um toque de sensualidade: os corpos torcem-se e contraem-se, como no Grupo de Laocoonte, os músculos ficam inchados, como os do Hércules Farnese, já do séc. III d.C. A partir do séc. IV d.C., com a queda do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, o corpo nu desaparece da vista do público, e só reaparece passados 1100 anos, no séc. XV, quando os artistas e filósofos da época começaram a interessar-se pelos vestígios arqueológicos de Roma, e inspiram-se nas estátuas para criar as suas próprias obras de arte. E aqui foi dada rédea solta ao exagero: Hércules e Caco, de Baccio Bandinelli é um óptimo exemplo; Benvenuto Cellini, rival de Bandinelli, ficou horrorizado e disse que a musculatura de Hércules parecia “uma saca cheia de melões”. E outros exemplos, como o David de Miguel Ângelo, ou a Queda dos Titãs, de Cornelisz van Haarlem, já no Barroco.

Mas este era o corpo ideal de um homem? Não, de todo! Havia uma distinção entre aquilo a que Jean-Claude Bologne chama o nu de salão, e o nu doméstico. O nu doméstico somos nós, com os nossos corpos do dia-a-dia, e não aparece na arte; ao contrário, o nu de salão (dos salões onde se apresentavam obras de arte) é o físico ideal, completamente irrealista, e que, regra geral, não ofende os conservadores, precisamente por ser tão… falso!

É no fim do séc. XIX que a barreira entre estes dois nus, entre o real e o ideal, começa a diluir-se, com o nascimento do culturismo, o chamado bodybuilding. Até então os grandes corpos musculados eram visíveis em espectáculos de circo, e usados como atracções de feira. Não eram particularmente talhados, sendo usados apenas para demonstrar proezas de força, como levantar pesos ou esmagar objectos. Na viragem para o séc. XX, Florenz Ziegfield, Jr. cria uma campanha de marketing para publicitar o strongman Eugen Sandow, chamando-lhe “the perfect man”; Ziegfield tem a genialidade de apresentá-lo como uma estátua viva, que repete poses da escultura Clássica, uma perfeição sobre-humana transformada em carne perante os olhos dos espectadores. Para o público da altura tudo isto é revolucionário: a sua nudez não é chocante, porque não é completa, e por ser o resultado de um estilo de vida activo e saudável. O cuidado com o corpo é muito apelativo às camadas mais conservadoras, e para as menos… bem, fica a pura apreciação estética.

Rapidamente surgem outros strongmen, e aparece no mercado uma diversidade de produtos destinados a divulgar estes homens-estátua, como fotografias e revistas, e outros destinados a converter o comum dos mortais num deles: ginásios, suplementos vitamínicos e planos de treino.

 

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Eugen Sandow, cerca de 1890. Qualquer semelhança com o Presente não é pura coincidência.

Para responder à nossa pergunta “Quando é que os homens musculados passaram à frente?” podemos parar aqui. O corpo musculado torna-se atraente quando se juntam dois ingredientes:

1º – Uma leitura errada da arte Clássica: pensar que as estátuas da Grécia Antiga representavam homens reais, quando na verdade eram criações imaginadas. Isto é algo que podemos agradecer aos artistas do séc. XV…

2º – A liberdade social para estar num ginásio a arfar e ganir rodeado de concidadãos, e andar na rua com roupas diminutas a exibir o fruto de horas de suor e fadiga.

Estes dois ingredientes juntam-se no séc. XX e mantêm-se no XXI, com o factor acrescentado (agravante, se quisermos) de que a tecnologia actual nos permite expor sem censura e por iniciativa própria o que quisermos, incluindo nós próprios. A questão que fica a faltar é ainda mais simples de colocar (e por isso mais difícil de responder): Porque é que um corpo musculado é belo? Bem, isso é outra história.

 

Para Aprofundar: História do Pudor, Jean-Claude Bologne; Photoflexion, William Doan e Craig Dietz; The Nude, Kenneth Clark.

E esta pequena pérola filmada por Eadweard Muybridge em 1903.

8 comentários

  1. Acho que essa nossa apreciação por corpos musculosos se dá pelo nosso instinto animal. Assim como para o homem uma mulher com grandes glúteo e seios representa boa fertilidade, para a mulher um homem forte a faz a função de mantê-la segura e também a ter crias mais fortes e que consequêntemente perpetuariam a espécie.

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