Numa aldeia global, ficar no armário é por preguiça ou segurança?

Agora que estão na moda os exercícios de matemática virais, vamos tentar resolver o seguinte:

Imaginem que estão numa conferência/encontro/reunião/curso internacional durante uma semana. Estão fechados numa sala no meio do nada com os restantes participantes cerca de 10h por dia, sendo que tomam o pequeno-almoço, lancham, almoçam e jantam sempre juntos. Qual é a probabilidade de se falar na vida pessoal de cada um?

Quase 100%, certo?

Agora, enquanto pessoas LGBT, qual é a probabilidade de estarem fora do armário nessa mesma conferência?

A pergunta fica mais difícil, não é?

 

Antes de eu iniciar um curso semelhante, acreditava que não ia pensar duas vezes em falar da minha vida pessoal. Contudo, após um evento como o descrito, sei que não é assim tão simples. Acabei por omitir a minha orientação sexual e estado civil durante todo o curso a 95% das pessoas. Mesmo após inúmeras conversas em que as pessoas falavam sobre as suas relações (heterossexuais, claro), experiências de uma vida em conjunto e das suas famílias, mantive-me em silêncio.

Claro está que, para muitos, não se compreende em que isto será relevante. Num curso profissional, terei mesmo de falar da minha vida privada? Estarei a “exibir-me” se falar do meu namorado? Apesar disso, a desilusão em mim mesmo mantém-se. Acabei por ficar na dúvida: tive apenas preguiça em estar a corrigir as pessoas quando me perguntavam se era solteiro ou mantive-me no armário por receio pela minha segurança pessoal? Analisemos a situação.

Preguiça

Pontos a favor:

  • O evento decorreu num país europeu, pertencente à União Europeia;
  • Muitas das pessoas eram do panorama político mais à esquerda (não que isso seja exclusivo, claro);
  • É um evento com pessoas com uma elevada formação superior, espírito crítico e uma mente racional e analítica;
  • Nunca ouvi insultos homofóbicos (propriamente).

 

Segurança

Pontos a favor:

  • O país europeu em causa tem uma política muito tímida em direitos LGBT e é comum existir (pelo menos) violência verbal contra pessoas LGBT;
  • A internacionalidade do evento também se transmitiu em fortes convicções religiosas e “valores morais conservadores”, citando algumas das pessoas;
  • A discussão de temas relacionados com género (pessoas transgénero/não-binárias/fluídas) foi interrompida inúmeras vezes por “desconforto” de algumas pessoas;
  • Micro-agressões anti-LGBT foram omnipresentes, p. ex. “a língua francesa parece gay (risos)”.

 

Quando dizemos “nunca mais vou ver estas pessoas” ou “estas pessoas não são relevantes a longo prazo”, devemos, então:

  • Sair do armário? – estou a cagar na opinião das pessoas ou estou a partilhar informação a mais com pessoas irrelevantes?
  • Ficar no armário? – estou a poupar-me de conversas chatas, ofensivas e inconsequentes ou a sobrevalorizar o outro?

 

Considerando a transparência no local de trabalho como a solução ideal, o que muda quando saímos do nosso país? Será que num Mundo crescentemente tão díspar, numa mistura de direitos LGBT crescentes com leis de liberdade religiosa mais homofóbicas, existem sequer guidelines de comportamento para pessoas LGBT?  Como é que evoluirão a migração e o turismo de pessoas LGBT em países completamente díspares?

 

Apesar de não compreender as razões que me levaram a fazê-lo, fica uma certeza: o preço do meu silêncio e do armário temporário pagou-se em isolamento, cansaço e injustiça. E é um preço que não sei se estarei disponível a pagar em futuros eventos.

 

Fonte: Unsplash por João Silas (imagem)

4 comentários

  1. A saída do armário também passa por estas hesitações, silêncios e retrações. É essa sensação de desconforto que nos leva a essa certeza de que na vez seguinte será diferente (nem que seja só um bocadinho).
    Se me é permitido dizer, não acho que seja a preguiça a vencer. É mesmo o medo e o desconhecido. Em espaços seguros, não temos preguiça, porque estar fora do armário não dá trabalho. Dá trabalho é esconder, é pensar antes de falar, permanecer ocult@.
    A existência de espaços opressores é uma realidade. Esse peso ainda tomba sobre nós. E muitas vezes encurrala-nos e agrilhoa-nos.
    Eu diria que é olhar para o lado e saber que, entre esses/as outr@s, há mais como nós, também a precisar de uma voz.

Deixa uma resposta