A Banalidade De Uma Geração

Em pleno Cinema São Jorge decorria a sessão de encerramento do Queer Lisboa 20 com Looking: The Movie quando a personagem Patrick, numa cena de discoteca ao som de Piece Of Me, deambulava os seus pensamentos sobre os direitos que a sua geração – já na casa dos 30 – tinha lutado para os viver. Recordava como quando era adolescente não tinha tido a possibilidade de se assumir – estranheza sentida quando se cruzou com um jovem de 20 anos e este lhe explicou que o seu primeiro namorado teve-o aos 16 anos. Patrick percebeu que houve ali um antes e um depois, uma geração – a dele – que cresceu presa a estigmas e à vergonha em se assumir cedo; e uma nova geração que, para além de já ter crescido com leis progressistas, tem a possibilidade de sair do armário ainda na adolescência. Mas este não é o primeiro “antes e depois” que a população LGBT viu e o que para uns é uma banalidade, para outros e outras pode ter sido uma luta por vezes paga com a própria pele.

Nas últimas décadas o mundo tem efectivamente assistido a várias revoluções sociais e a luta pelos direitos das pessoas LGBT tomou rumo concreto desde Stonewall, corria o ano de 1969. Este primeiro passo do Orgulho LGBT moderno foi dado há quase 50 anos, várias gerações lutaram e sofreram para que as gerações seguintes vivessem numa sociedade menos homo, bi e transfóbica. Houve um grupo de pessoas que há décadas decidiu não se calar, não se manter no armário contra uma sociedade que o desprezava e onde era socialmente aceite humilhar e agredir pessoas LGBT. Ainda hoje vemos ecos mais ou menos claros desses tempos, em que as piadas homofóbicas surgem nos cafés, nas conversas privadas e – bolas! – até em contas de jornalistas portugueses ou jogadores de futebol britânicos. Mas houve alguém que deu esse primeiro passo. E caíram-lhe em cima, mas mesmo assim não se vergou. E continuou a abrir caminho para o que de si restava e para as novas gerações que lhe seguiam.

E estas passaram pela então incompreendida epidemia do VIH/Sida e todo o estigma que lhe foi associado. Famílias, amigos, namorados. Destruídos. E, no entanto, continuaram de cabeça erguida. Educando-se, protegendo-se. Para que quem viesse depois deles não tivesse que passar pelo que passaram. E, sim, também é fácil encontrar os comentários contra “panilas sidosos” e – bolas! – até no inquérito para o acesso à dádiva de sangue surgia esse preconceito até há bem pouco tempo!

Hoje vivemos uma geração que reivindicou os seus direitos políticos e sociais, como o casamento ou a adopção por casais do mesmo sexo. Tal como Patrick, esperamos que os rapazes e as raparigas que se seguem vivam num mundo mais igualitário e onde as fobias LGBT se tornem, eventualmente, residuais. Será difícil que elas terminem completamente, basta ver como o racismo continua ainda tão presente na cultura ocidental. E são os momentos de radicalização, que muitas vezes surgem de pequenos grupos, que nos preocupam e nos fazem ver a importância da união, a nossa, de forma a que não nos possam subjugar novamente como no passado.

Mas para isso importa que não se ganhe a noção de banalidade, porque tudo isto que foi conquistado nos últimos 50 anos está longe de ser banal. É, sim, algo extraordinário que um jovem adolescente – como o que Patrick conheceu – possa assumir-se à família desde tão cedo. É extraordinário que dois homens e duas mulheres possam casar. Sem mas. Sem adjectivos acessórios. Simplesmente casar. E adoptar. Sem preconceitos ignorantes, bastando a estabilidade e, mais que tudo, o Amor do núcleo familiar. São coisas extraordinárias que, inevitavelmente, poderão ser tomadas como naturais, eventualmente banais até, mas não garantidas. Daí a importância de conhecer o caminho percorrido por aqueles e aquelas que nos deram o testemunho. Porque só assim poderemos entender – de testemunho na mão – o que ele significa. A corrida é hoje nossa, importa saber, pois, para onde a levamos.

Fonte: Whose Streets Our Streets (imagem).

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