Quando é que Lady Gaga se tornou um alvo fácil?

Ascensão e queda de Lady Gaga” lê-se no título escorreito da crítica do Público por Vítor Belanciano a ‘Joanne’, o novo disco de Lady Gaga. Nela correm as mesmíssimas palavras que ecoam pelo mundo fora cada vez que Gaga lança algo desde ‘The Fame Monster’, aquele que o bendito consenso diz ter sido o seu (único) pico de criatividade. Entre destilações de ódio mais ou menos fundamentadas e parciais, o mesmo consenso diz que Gaga se encontra perdida e sem direcção e que jamais a vai encontrar novamente. Um alvo fácil. Ainda para mais é mulher. Mais fácil ainda. E quase não era preciso ouvir o disco, não é Vitinho? Para a próxima ainda vou ler que a Britney não canta um esfíncter ao vivo ou que a Madonna não é grande espingarda no cinema. Breaking news.

A realidade é que muitas vezes Lady Gaga faz a papinha toda. Nascida simultaneamente com a imergência das redes sociais, Gaga parecia destinada a ser a sua rainha. E durante muito tempo assim o foi. Yasss Queen. Facebook, Twitter, Instagram todos se prostavam a seus pés, coisa que normalmente só vemos no Grindr. Até sinais de caducidade começarem a espreitar pela fechadura. A auto-promoção e vitimização desmesuradas cedo começaram a afastar seguidores, desde o bichedo mais cínico até ao construtor civil que gostou do video do “Alejandro” – muitas vezes a mesma pessoa. A necessidade de atenção tão manifesta tornou-se aflitiva. Muitos perceberam que Lady Gaga não era alguém com quem se conseguissem identificar minimamente. Chatice.

Depois há aquelas alturas em que Lady Gaga abre a boca, desliga o cérebro e estraga tudo. Ou seja, cada vez que dá uma entrevista. Ainda a semana passada em conversa com um DJ da Apple Music, ficou estupidamente ofendida com uma sugestão de história de vida paralela a de Madonna. Eu também ficaria, Deus me livre, vocês têm olhado para a fuça do Sean Penn ultimamente? Parece uma bota do cowboy dos Village People. Mas depois teve a latosa de proclamar que, ao contrário da Madonna, escreve as suas canções e passa muito tempo no estúdio e não precisa de ensaiar para ser perfeita porque gosta da sua imperfeição. Bitch please. Primeiro, são balelas. Segundo, mesmo que não fossem existe um acordo patriarcal em diminuir a capacidade de qualquer mulher de atingir o sucesso por mérito próprio através da mentira: tipo a Madonna só é boa porque tem uma equipa bestial por detrás dela ou a Lady Gaga só vende porque vai vestida de presunto para eventos. Topas a falácia? Oh Joanne, pensar que estiveste tão perto…

Balelas à parte, dela e principalmente minhas, não precisamos de gostar minimamente da Lady Gaga para apreciar a música dela. Se fosse assim o Kanye West não era mais que um esterco narcisista, a Beyoncé uma pateta demente em busca da perfeição, a Madonna uma eterna calculista sem filtro, o Bob Dylan um bêbado de gaita na boca, o Tchaikovsky um panilas de batuta. E não, não estou a comparar Lady Gaga a nenhuma destas pessoas. Até porque apesar do talento que lhe assiste ainda tem muito que provar. Talvez a si própria mais do que a qualquer outra pessoa. O que impede ‘Joanne’ e impediu ‘Artpop’ de serem clássicos pop – sim, acho o ‘Born This Way’ a coisa mais deliciosa e histriónica que já se fez nos últimos anos – é a falta de coesão. Existe aqui material para isso: a direcção minimalista que fazia desde cedo adivinhar fizeram crescer maravilhosas canções desinibidamente country como “A-Yo”, “Sinner’s Prayer” e “Million Reasons”. A fusão com o rock indie de “Dancin’ in Circles” e “John Wayne” é feita de forma exímia. E a simplicidade folk de “Joanne” transformam-na na mais bela canção que já compôs até hoje. E sim, é capaz de ter sido mesmo ela a escrevê-la. Mas depois perde o rumo lá para o final e envereda por aproximações ao R&B e soul que simplesmente não têm qualquer lugar ali e mostram que o foco se desviou sem motivo aparente.

A razão pela qual Lady Gaga não atinge ainda o patamar dos primeiros nomes que mencionei passa principalmente por uma falta de crença nela própria que a mina desde sempre e afirma ainda, incrivelmente, que é uma outsider. A inteligência e talento têm-na mantido sempre interessante, mas parece estar constantemente a tentar ultrapassar obstáculos auto-impostos. Esta decisão de seguir uma direcção mais minimalista parece ser uma reacção ao snobismo artístico do disco anterior e nem tanto um processo natural de uma artista em evolução. Ou então é mesmo o despertar genuíno de uma nova Lady Gaga. E só saberemos se lhe dermos a oportunidade de se deixar a ela mesma crescer.