A vida sexual feminina na Idade Média

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Durante a Idade Média, período da história mundial que teve a duração de 1000 anos, situado entre o século V e o século XV, a sociedade estava dividida em 3 grupos sociais: a nobreza, o clero e o povo. Era igualmente estratificada e trinitária. Prevalecia não só a questão social, o estatuto, bem como a religião, o poder de dominar a mente dos crentes e de os submeter aos seus desígnios e vontades. A nobreza, categoria de topo, dedicava-se ao combate, à defesa do território e dos bens comuns e próprios, sendo um grupo minoritário. O clero tinha como função a defesa e ensino das almas, o conforto espiritual e era uma classe privilegiada, tal como a nobreza. Ser privilegiado significava não pagar impostos mas sim receber rendas, ter leis próprias, património e até mesmo exércitos de seu comando.

Resta-nos o outro grupo, o da base da pirâmide e que se caracteriza pela multiplicidade de funções e tarefas, o povo. Do servo adstrito à gleba, a mais baixa condição de todas, um autêntico escravo do seu senhor, ao mercador, o homem que enriquecia com o seu comércio ambulante, encontramos outras peças deste xadrez multidisciplinar. Um elevado número de constituintes debatia-se diariamente contra os senhores, o tempo e o clima. O seu trabalho assegurava o sustento de todos e a sua força de trabalho era essencial para a construção de uma sociedade mal repartida. O homem do povo não vivia, preparava-se para a morte.

De todos os grupos da sociedade medieval, as mulheres eram duplamente marginalizadas e invisíveis. A cultura medieval tinha uma visão misógina da sociedade. S. Paulo falava das “infecções vis” entre as mulheres, que considerava mais nefastas que as dos homens. Sto Agostinho considerava que o corpo de um homem era superior ao de uma mulher, chegando mesmo a negar-lhe a existência de uma alma. Igualmente condenava as “coisas que as mulheres vergonhosas faziam entre elas” apontando o dedo acusador às freiras, viúvas, criadas e casadas, ou seja, a todas as mulheres. A homossexualidade feminina era denunciada e discutida pelos clérigos e teólogos.

A actividade lésbica era frequentemente ignorada, marginalizada ou catalogada como um pecado homossexual. A sua prática era, contudo, constantemente condenada. Em Romanos 1:26-27 pode ser ler-se: “Por causa disso os entregou Deus a paixões infames, porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas, por outro contrário à natureza; semelhantemente, os homens também, deixando o contacto natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo em si mesmos a merecida punição do seu erro.”

Apesar de alguns estudiosos considerarem esta passagem como condenando as preversões sexuais das mulheres heterossexuais, a maior parte crê que se refere à actividade sexual lésbica. É de salientar que S. Paulo escreveu numa época em que a sociedade romana condenava o homoerotismo feminino contra a subordinação masculina. As mulheres estavam subjugadas ao poder masculino e os homens serviam-se delas como objectos e somente para satisfação sexual. Tal atitude gerou um movimento que acabou por ser abafado, que reuniu inúmeras mulheres em torno de um objectivo final: chamar a atenção. Como tal recusaram-se a dormir com os homens e saíram de suas casas indo habitar em residências femininas.

Sto. Agostinho escreve uma carta, em 423, a uma comunidade de freiras, condenando-as pela sua homossexualidade. Esta carta é importante porque diferencia as actividades homoeróticas das homossociais ou espirituais, entre as mulheres. No século XIII, a actividade sexual feminina estava incluída na categoria de sodomia, que incluía todos os modos de actividade sexual “contra a natureza” quer homossexual, quer heterossexual.

Todos os escritos da época estavam condicionados pela visão masculina da sociedade, em que se auto-centrava e que fazia desse mote a direcção única duma sociedade. Contudo as mulheres, apesar de tudo, eram menos penitenciadas do que os homens, provavelmente por não as considerarem como seres plenos e completos.

Para os homens era difícil de imaginar uma actividade sexual sem a existência de um pénis, mas tal lacuna foi ultrapassada pelas mulheres que criaram dispositivos com a mesma finalidade. Os dildos tinham a função de satisfação sexual e eram manipulados entre elas, com destreza e engenho, desafiando a hierarquia do contacto sexual, que deveria partir do homem. A sexualidade feminina não era levada a sério a menos que se tornasse uma ameaça à supremacia masculina.

No século IX, Hincmar de Reims, concentrou-se na homossexualidade feminina e alegava que as lésbicas eram levadas a utilizar certos instrumentos de função diabólica para excitar o desejo. A utilização frequente dos dildos, simples e duplos, levou à intervenção das autoridades. No entanto não foram essas situações que terminaram com as práticas que estavam, cada vez mais, sofisticadas e astutas.

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Máquina de tear.

As mulheres do povo, talvez devido ao excesso de trabalho, teriam menos tempo para se dedicarem a si, ao seu corpo e à sua satisfação. Contudo, através de vários artifícios, simples e singelos, resolviam os assuntos. Era necessário trabalhar o linho ou a lã. Dispunham de uma maquineta, onde se sentavam e, dando à roda, esta movimentava-se puxando os fios. O que não percebiam é que, em simultâneo, um dispositivo colocado , estrategicamente, na zona onde se sentavam, subia e descia, resolvendo dois assuntos importantes.

Entre as mulheres de condição social superior a situação era diferente, uma vez que o trabalho não se intrometia nas suas necessidades. Vários objectos fálicos eram passados, de mão em mão, em matinés onde se bordava e declama poesia trovadoresca. Igualmente eram instruídas no uso dos mesmos, de várias maneiras para poder cumprir as suas funções. A vigilância masculina era inútil já que, entre si, elas se bastavam. Se desconfianças existiam não eram reportadas para não manchar a honra dos maridos e não das mulheres.

Encontramos, aqui, um embrião duma actividade económica que será aceite e próspera, muitos séculos mais tarde: os brinquedos sexuais. Foram inventados por mulheres, para satisfazerem as mulheres mas, acima de tudo para uso duma sociedade que se encontrava fechada sobre si mesma. As mulheres, sempre mais despertas para a realidade prática, souberam superar dificuldades. No entanto tal não as impediu de, infelizmente, serem queimadas nas fogueiras.


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4 comentários

  1. Seria importante esclarecer, mais densamente, onde é que vai buscar a informação para escrever textos como estes. É mais do que consensual, na historiografia, que a mulher do povo gozava de muito mais liberdade do que a mulher de estratos sociais nobres ou da alta burguesia, contrariando, assim, o parágrafo que dedica às “matinés” (???) onde se trocavam brinquedos sexuais.
    Também seria importantes esclarecer em que tempo histórico é que estes factos se aplicam. Na Idade Média, por exemplo, nem só o povo esperava a morte; todos viviam em função dela. Aliás, situação que se mantém, em bom rigor, até ao Iluminismo.

    Contudo, é sempre bom que a História, mesmo que escrita com pouco rigor, tenha lugar na opinião pública.

    Abraço,
    Luís

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