Ativismo: A Palavra Menos Sexy do Dicionário LGBT

Imagine-se o seguinte cenário. Dois rapazes comunicam numa dating app e uma ligação vai-se travando. Gostos em comum… Beyoncé, ténis Nike, queen favorita do RuPaul’s Drag Race, Nutella e desfiles do Alexander Wang. Até que um deles diz que faz voluntariado numa associação LGBT. Silêncio prolongado e uma desculpa para terminar a conversa daquele dia. O café que tinha sido apalavrado a meio do entusiasmo cai por terra. Não há mais contacto, apenas a desilusão de uma possibilidade desmantelada.

Dia 5 de Dezembro comemorou-se o Dia Internacional do Voluntariado. Nele não só homenageiam-se as pessoas que diariamente dão um pouco de si e do seu tempo para auxiliar uma causa que consideram valorosa como também se tenta chamar novas vozes ao coro da luta, seja ela qual for. No entanto, especificamente na comunidade LGBT “voluntariado” é uma palavra feia. Uma da qual nos distanciamos o máximo possível. Quase tão má quanto “ativismo”, o seguimento natural de qualquer tipo de voluntariado. Juntamente com “gordo”, “efeminado” e “velho”, são as palavras proibidas do dicionário gay. Mas de onde parte este atitude tão displicente e tamanho desdém?

Existem dois factores imediatamente implicáveis: ‘visibilidade‘ e ‘complacência‘. A primeira já foi aqui analisada várias vezes mas é a que mais influencia a perspectivação das coisas. Há ainda a ilusão que muitos escolhem a via do voluntariado para ganhar visibilidade. Como se fosse o segredo sujo de pessoas que só querem protagonismo e uma luz de palco. (Bitch, please). O efeito é, na realidade, o oposto, como se pode comprovar em episódios (não) fictícios como o acima descrito. Existe um distanciamento gigante criado pela real visibilidade. Não aquela de aspirante a actor principal de novela da Globo mas a de alguém que se torna visível pelo que faz, pelas posições que toma e pelo que advoga. Em contraponto ao permanecer invisível. No calor do silêncio, auto-imposto ou não.

E ser ativista é, em Portugal particularmente, antónimo de ‘cool’. É arcaico. Bafiento. Coisa de bicha antiga. Até para a própria bicha antiga. O que leva imediatamente à abordagem da complacência enquanto segundo factor. Que necessidade há de ativismo quando já vivemos confortáveis o suficiente? Com os direitos mínimos suficientes. Com a visibilidade e representação suficientes. Com a tolerância suficiente. Não existe qualquer propósito para nos andarmos a pavonear numa marcha de Orgulho. Aliás, fazer voluntariado e ativismo ameaça retirar-nos essas suficiênciazinhas que prezamos. E aquelas paneleiras loucas, efeminadas e histéricas estão a dar-nos mau nome e a colocar em risco aquilo tudo o que atingimos. Ou outros atingiram por nós. Permanecendo na quietude, à espera que alguém como essas bichas irritantes o faça para podermos viver o suficiente. Apenas o suficiente.

Novamente, esta postura e discurso são tão perniciosos que se podem tornar a longo prazo catastróficos. Primeiro de tudo temos de reconhecer na totalidade as nossas e os nossos mártires que deram a sua vida, figurativamente ou não, para que hoje possamos ter de o direito de constituir uma família. Casar com a pessoa que amamos e ter filhos. Ou ter o direito de rejeitar totalmente essa ideia mais tradicional de felicidade e vivermos autenticamente a nossa verdade. Amar alguém sem contenções. Dar-lhe a mão na rua. Ou isso já é a abusar? Estamos mesmo a pedi-las não é?

Mas igualmente importante é perceber que nada está garantido e que essas suficiências, ou os direitos fundamentais do ser humano que a comunidade LGBT tão arduamente lutou nas últimas décadas, podem ser revogados num piscar de olhos se não nos mantivermos alerta. Basta olhar para o resto do Mundo para perceber que este oásis imperfeito está a ser ameaçado diariamente. Mesmo nos Estados Unidos e na Europa viragens abruptas para uma direita conservadora pouco preocupada com direitos sociais, e uma extrema direita a ganhar perigosamente terreno, são sinais claros que esta não é a altura para baixar os braços. É agora altura de montar o cerco e garantir que nada do que ganhamos, e que implicou a perda de tantas vidas, é roubado ou destruído. Ninguém precisa do rótulo de ativista para fazer a sua parte e garantir que está no lado certo da História. Nem que seja deixar de desdenhar aquelas que o fazem. Já era um feliz começo.

Imagem da Trovisco Photography 

Por Nuno Miguel Gonçalves

I lived once. And then I lived again.

8 comentários

  1. Bom texto. É sempre importante recordar os demais que o que temos é pouco.
    Com a direita conservadora no poder, são passos volvidos para o que ha poucos anos saímos e conquistámos.
    O que me custa aceitar/acreditar é que muitos apoiantes da direita conservadora, são gays ou pertencentes à comunidade. Pergunto-me o que os leva a cometer tal suicídio psicológico.
    Atualmente, vivemos uma sexualidade “liquida”. À semelhança de um liquido a escoar pelas mãos, é assim que vejo as pessoas a descurarem a sua sexualidade e a dos outros.
    Ser sexual e fazer sexo, não se resume apenas a um orgasmo frívolo ou a um ato animalesco de 5 minutos…
    Parabéns pela matéria

    1. Obrigado Ricardo. Concordo em relação à ideia da direita conservadora, é uma forte ameaça aos avanços que conseguimos no último ano. E claro sexualidade e fazer sexo são coisas perfeitamente distintas mas ainda há quem julgue que actos de ativismo são desnecessários porque são “coisas que se fazem na privsxidade”. Enquanto prevalecer esta ideia ainda há MUITO por fazer

  2. Muitos parabéns pelo artigo.
    Foi muito bem escrito e reflete muito realidade.
    Infelizmente ainda existe muitas pessoas/grupos/organizações que tem medo de serem conotadas como activistas, vai muito do espírito que nos só temos o direito de sermos aceites se formo igual as normas que são impostas pela sociedade, e de termos ser discretos e não dar muito nas vistas

  3. Achei o artigo fraco, rancoroso e com pouco interessante.

    Para começar o autor começa a falar de voluntariado e rapidamente passa para activismo, tenta unir as duas palavras como se fosse a mesma coisa. Agarrar o voluntariado ao activismo não cola. Voluntariado não é uma palavra má e a ideia que dentro da comunidade é algo mau sabe-se lá onde é que o autor foi buscar essa ideia.

    Depois tenta passar a mensagem que activismo em Portugal não é cool, faz a ligação que activismo a sério é as marchas e os desfiles, e como lhe devem ter dito que ir a marcha não é cool então o activismo também não deve ser.
    O problema é que o que não falta ai são “activistas” que vão uma vez por ano a uma marcha só para marcar o ponto e pouco ou nada querem saber de activismo ou voluntariado. Vão para tirar a foto para as redes sociais, para se divertirem um pouco e voltar para casa. Tipo uma versão mais liberal da color run.

    Ah mas não se esqueçam que se não vierem são o demónio, más pessoas ou ainda estão no armário. Porque obviamente não existem pessoas lgbt que acham que existem formas melhores e mais efectivas de activismo e voluntariado.

    Alguém que quer mesmo fazer voluntariado ou activismo a sério não ganha nada com este artigo. Onde é que o autor fala das iniciativas e dos projectos de educação lgbt que precisam de voluntários? ah espera educação? isso não é tão cool e fabuloso como a marcha não vale a pena falar. Fica o spoiler no caso do autor ainda não saber, é através da educação que as mentalidades se mudam. Que tal direccionar os leitores para esses projectos?

    E para acabar bem o artigo fica um paragrafo de fearmonger vindo de alguém que não tem a mínima ideia de politica nacional ou internacional para alem do que vê na tv ou nos seus sites liberais favoritos.

    Vamos parar com as generalizações e desinformações e apostar na educação das pessoas.

  4. “Depois tenta passar a mensagem que activismo em Portugal não é cool, faz a ligação que activismo a sério é as marchas e os desfiles, e como lhe devem ter dito que ir a marcha não é cool então o activismo também não deve ser”

    Caro anonimo, as marchas são uma pequena ponta do icebergo.
    Falo por experiencias propia, existem organizações LGBTI, que tem trabalho feito e reconhecido nesta matéria que são muito mal vistas por parta da população LGBTI.
    Falo de organizações tais como a rede ex aequo, ILGA, que tem feito muito trabalho dentro da educação, e na mudança de mentalidades a custa de voluntarios anónimos, e que são vistas com muito maus olhos, eu por exemplo na faculdade onde estudei, não fui descriminado/marginalizado por ser gay, fui sim por estar associado e frequentar regularmente actividades/projectos e por ter denunciado a estas a homofobia que existia nas praxes, e grande parte dessa dessa descriminação vinha da população LGBTI.

    “O problema é que o que não falta ai são “activistas” que vão uma vez por ano a uma marcha só para marcar o ponto e pouco ou nada querem saber de activismo ou voluntariado. Vão para tirar a foto para as redes sociais, para se divertirem um pouco e voltar para casa. Tipo uma versão mais liberal da color run”
    Pior que isto são os grupos/organizações que usam as questões de orientção sexual, para se andarem a promover e obter proveito pessoal, e depois se recusar a defender a a estar ao lado da população que os apoia, ao contraio dos vários voluntários anónimos, que sempre se sacrificaram na educação, no apoio, e na mudança de mentalidades da sociedade, e que não tiveram neccecidade de andar tirar fotos nas redes socias nem no “meio LGBTI” , para se exebirem

  5. Caro Anónimo,

    Não era intuito do texto dar a conhecer oportunidades de voluntariado. Até é uma boa ideia mas não era o propósito de todo e isso é bem declarado desde o início.

    Quanto ao pernicioso de se ligar voluntariado e ativismo, creio que são duas palavras que na.l prática andam de mãos dada e o facto de ter assumido que ativismo para grande parte da população desinformada – onde me inclui – era ir à marcha é bastante sintomático daquilo que estava a querer retratar na premissa do texto. Como se ir à marcha fosse mau e uma actividade que se extinguisse aí mesmo. E como se isso também fosse impeditivo de promover a mesma atitude noutras alturas com a mesma motivação.

    Quanto ao fear mongering, é lisonjeiro que ache que isso acontece de todo a quem lê o maldito final. Obrigado.

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