Quando A Nós Toca (uma história de homofobia familiar)

Na vida cruzamo-nos com pessoas que, à partida, nos aceitam plenamente. Marcamos um café com uma delas e, com os nervos à flor da pele, contamos-lhe: “Olha, sou gay/lésbica/bi“. E ela reage, com mais ou menos ironia, com um, “olha, que surpresa!” E aí libertamos todo o ar e tensão que o nosso corpo continha e libertamo-nos também nós de todos os receios de rejeição e humilhação que imaginámos, vezes sem conta, até esse dia. Com maior ou menor surpresa, concluímos que subestimámos a pessoa e apercebemo-nos o quão estúpidos e estúpidas fomos por duvidar dela. E o café passa a conversas e a jantares e tudo é natural e como sempre foi até ali, com a diferença que agora estamos com ela por inteiro. E assim é. Muitas das vezes.

Muitas, mas não todas. E a história poderia ficar por aqui, parágrafo e pouco. Mas vejo-me obrigado a continuar, porque em todo este quadro surge por vezes aquela pessoa que, meses, anos mais tarde se revela. Não para nós, entenda-se, mas para um/a familiar. E lhe exige e implora ser tudo “menos gay/lésbica/bi” e que assim “estraga o nome da família“. Não deixa de ser um choque assistir à situação, especialmente quando não há discussão possível, porque somos barrados de entrar naquele núcleo familiar. E questionamo-nos sobre a honestidade da aceitação e do abraço que recebemos meses, anos antes. O que significa “aceitar tal como és” quando ao lado “és uma vergonha para esta família!” Como se estraga, afinal, o nome da família? Que muda num irmão, irmã, pai, mãe? Será o sangue assim tão imiscível? Porque vejo e sinto precisamente o contrário, é uma agravante na atitude, no afastamento, no cerrar de punhos. Porque acredito na união da família, seja ela de que forma, losango, curva e contra-curva for. E estes ideais bastarão para que esta encontre espaço, mesmo que um diferente espaço, para acolher uma pessoa que se assuma gay/lésbica/bi.

E o caminho que leva a isto não deve – não pode! – começar pela rejeição: desamarrar, desfazer, desamar. Porque, sim, pode levar tempo, mas certamente que haverá tempo nesse compasso de espera um momento, uma insinuação de aproximação: redescobrir, reolhar, reabraçar. E, por fim, reamar. Apenas para perceber que o prefixo está a mais e que na realidade nunca fez sentido existir o que quer que seja antes da palavra amar.

3 comentários

  1. Gostei bastante, fez-me muito sentido. A minha avó é a pessoa com quem tenho uma ligação mais forte, logo pensei sempre contar sobre o meu interesse em raparigas. Quando, em conversas, se falava de temas LGB ela sempre dizia que queria é que todos fossem felizes. À pouco tempo acabei por lhe contar. Ela continua com o seu principio mas também diz que não devo contar a ninguém, devo manter só para mim porque ao fim e ao cabo tudo se irá resolver.
    Isso entristece-me, percebo que não devo explorar muito a minha vida amorosa com ela. Eu no final de tudo sou um ser humano que quer e deseja amor, como toda a gente.

    1. Por vezes as pessoas precisam de tempo para encaixarem a nossa/sua nova realidade. Poderá ser benéfico dar-lhes esse compasso de espera, mas importa não perdermos nós o nosso barco. Obrigado pelo comentário 🙂

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