Obrigada, David Bowie

Hoje é dia de agradecer. Hoje é dia de fazer aquilo que deve ser feito todos os dias. Hoje é dia de agradecer com toda a sinceridade. Hoje é dia de agradecer com saudade. Hoje é o dia.

Há um ano David Bowie partiu para outras paragens e deixou-nos atónitas. Não foi um adeus mas somente um até já. Não gostámos. Isso não se faz. Tinha acabado de lançar mais um álbum, mais uma obra para ouvir, ler e sentir. Como se atreveu ele a uma coisa destas?

Ele explicava o que iria acontecer, ela fazia-nos sentir o que se estava a passar, ele avisou mas nós, como sempre, só ouvimos o que nos interessava. Ainda estávamos em Marte com ele e o resto não interessava.

Aquela personagem, quase mítica, tem-nos acompanhado ao longo de décadas, marcado uma posição e lançado os seus feitiços por todo o lado. Soube-nos sempre bem, muito bem. Queríamos mais e ele ouvia-nos. Sempre mais.

Esta relação amorosa, este casamento musical não era para ser desfeito nem apartado. Tudo era novo e a rotina nunca se instalou. Novas formas de relacionamento iam surgindo colocando-o sempre em destaque. Não era o elemento dominante mas dominava-nos completamente.

Nunca lhe agradecemos correctamente, nunca lhe dissemos como ele era importante para nós. Fomos mal educadas, rudes e tornámo-nos possessivas. Ele era só nosso, meu e de mais ninguém. Como estávamos cegas de amor! Ele, com o seu peculiar sorriso, que direccionava para um lado e para o outro, mantinha-nos na ordem.

Crianças grandes que somos não aprendemos a lição mas ele ensinava uma vez mais. E foram tantos os ensinamentos que agora sentimos a sua falta. Ficámos numa situação que nos tirou o chão. E agora?

Agora é tempo de lhe agradecer, de passar a sua palavra, de ensinar as gerações vindouras, de partilhar as nossas experiências, de o tornar obrigatório. A sua música não se calará nunca e é sempre, incrivelmente, actual. Ele sabia que a lição estava ensinada e que a iríamos aprender.

Há um ano trememos com medo do futuro, de nos sentirmos desamparadas, de não termos aquela mão para nos guiar, aquela estrela imensamente brilhante que nos dizia o que fazer.

Há um ano que se iniciou o luto mas tão diferente do que se podia esperar. Não nos vestimos de preto e ficámos recolhidas ao lar. Não deixamos de falar com outras e chorámos em silêncio. Não quisemos a dor só para nós.

O nosso luto foi com as suas músicas, com os seus personagens, com o Major Tom, com todas as memórias que ele nos criou, com as alegrias que sentimos, com as tristezas que repartimos, com o fluxo de energia que ele nos foi passando.

Chorámos lágrimas estranhas, tão complexas e difíceis de entender, lágrimas de gratidão, de arrependimento de não o termos guardado mais próximo de nós. Foi então que percebemos que ele estava lá, a olhar para nós, a sorrir-nos.

Agora, um ano depois, estamos mais refeitas do choque que sentimos. Queríamos que ele continuasse aqui, um pai que nunca abandona a filha e percebemos que sempre assim foi. Nunca nos falhou, nunca nos deixou, nunca nos decepcionou.

Há um ano voltámos a viajar no tempo e recordámos o camaleão que ele sempre foi, a sua imagem extraordinária e icónica, o seu magnetismo possante, o seu carisma único. Os seus olhos expressivos lançavam desafios que eram aceites.

Agora, um ano depois, sabemos que a sua marca é indelével, que a sua vida é de todas, que ele é nosso, que é um legado mundial, um testamento que deve ser preservado cuidadosamente.

Nós, as suas herdeiras, temos de o cuidar, de passar a mensagem, de o honrar devidamente. Ele nunca o pediu mas sabemos que é o mais certo, que é uma forma de manter a sua pessoa viva.

Aqueles que amamos nunca morrem, simplesmente ficam mais longe, não os vemos. Mas com ele podemos manter este relacionamento especial ouvindo a sua música, cantando com ele e sentindo as vibrações da sua mente fabulosa e tão generosa que nos legou tanto!

Um ano depois voltamos à nostalgia daquele momento em que ele foi só nosso, quando estávamos a sós e ele nos entendia, quando chorávamos com um desgosto e a sua voz nos acalmava. A sua melodia tocava o nosso coração e o sofrimento ficava mais suportável.

Hoje relembramos o homem das mil caras, das mil posturas, o homem que se soube impor e cativar tantas pessoas que se fascinavam com aquilo que transmitia. Nunca era igual e o amor ia aumentando transportando-nos para lugares nossos.

Vivemos em paraísos com ele, com sapatos vermelhos, com roupas muito extravagantes e fomos tudo o que quisemos porque ele nos deixou, porque ele nos motivou, porque ele nos ensinou que o caminho era em frente.

Conhecemos a China girl, tivemos um Modern Love e mexemo-nos muito, Dancing in the Street. Tudo isto porque fomos Absolut Beginners num mundo especial que ainda não estava preparado para as Changes que ele introduziu.

Este homem, grande, gigante e maravilhoso, foi o tal, The man who sold the world, que nós comprámos e guardamos cuidadosamente junto ao coração. Vamos vivendo porque ele reside em nós, toca-nos e continuará a tocar.

Por isso é tempo de lhe agradecer, vezes sem conta, o que nos deixou. Com ele fomos heróis, mesmo só por um dia, mas ele é que é o nosso guru, o líder carismático que nunca irá desaparecer. O agradecimento ficará sempre aquém do merecido.

O futuro é agora e estamos de cabeça erguida, olhar em frente e carregadas de forças que acumulámos com ele, com a sua herança, com a sua mensagem intemporal. Somos mais fortes e sabemos de onde vem essa força. Obrigada, David Bowie!

Ziggy plays the guitar so let`s dance!

2 comentários

Deixa uma resposta