Concurso Miss/Mister Vítima 2016/2017: Henrique Raposo, os cristãos, as mulheres, os negros e os gays – uma carta aberta

Caro Henrique Raposo (espero que não se importe que tenha excluído os títulos académicos),

Li o seu novo artigo. Reparei que lançou a ideia de um novo concurso de medição fálica para a/o Miss/Mister Vítima 2016/2017, atirando os cristãos contra outras denominações “privilegiadas” como as mulheres feministas “radicais”, pessoas de etnia negra ou gays. Como já não há Casa dos Segredos, achei que seria interessante fazermos um pitch à TVI!

“Felizmente”, enquanto homem cis, branco, pan/bisexual e agnóstico – e, portanto, aparentemente invisível nesta matéria -, acho que sou bastante imparcial e até não me importava de ser juiz.

Contudo, admito alguma confusão para este remake da última temporada do “The Apprentice” que anda agora nas notícias (amei o último episódio!), nomeadamente:

  • Como é que poderemos garantir uma boa adesão ao nossos castings? Sabe, é que conheço pessoas católicas que são a favor da legalização do aborto, mesmo que se oponham ao mesmo para elas próprias. Conheço outras pessoas cristãs que são a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, porque acham que o Estado não deve descriminar numa união secular. Porque, pronto, percebem que as suas crenças não devem interferir na individualidade de cada um, devido a preferências meramente pessoais num país laico Europeu do século XXI. Conheço, ainda, pessoas católicas que são a favor do divórcio, contracepção e sexo antes do casamento para elas próprias!  Aliás, com taxas de divórcio em 70% e com o casamento civil a ultrapassar os 60%, vai ser muito difícil encontrar cristãos “à séria”. Já agora, devemos impor um registo obrigatório de presenças nas missas de Domingo? Ou a missa da televisão também conta? Por último, parece-me que a percentagem de racistas cristãos parece ser bastante baixa, uma vez que se advoga a igualdade de todos os homens enquanto filhos de Deus. Como é que captamos a pequena percentagem de pessoas que acha que ser católico é incompatível com uma sociedade moderna e evoluída?
  • O que fazer às pessoas que não cabem nas “caixinhas” que o Henrique propõe? A pessoas como eu, ou mulheres feministas “radicais” e cristãs ou pessoas LGBT e cristãs, ou, até mesmo, a pessoas negras, LGBT e cristãs! Recebem pontos extra?
  • Qual é o prémio? É uma faixa, uma coroa, dinheiro? Título apenas? Quando tempo duraria o mandato?
  • Qual é o propósito? O que ganhamos em promover o conflito aberto entre grupos não necessariamente exclusivos? Como descrevemos o propósito deste projecto?
  • Como é que escondemos a solução ao concurso? Sabe, é que lembrei-me da possibilidade de empate: se todos estes grupos “extremamente” exclusivos se lembram que a resposta ao conflito de opiniões não é o medo, a raiva e o nojo, mas sim a empatia e a compreensão num espaço cívico comum, sem violação da liberdade individual de cada um/uma, ficamos sem projecto! E o Henrique fica sem textos misóginos, racistas e homofóbicos no Expresso!

 

Fico à espera do seu feedback!

Melhores cumprimentos,

Filipe Cortes Figueiredo

 

Fonte: Peace por Alice Donovan (imagem)