A Importância de Moonlight

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“Sou paneleiro?”
“Não. Podes ser gay, mas nunca deixes que alguém te chame de paneleiro”

Uma conversa destas salva vidas. Especialmente quando acontece numa fase de formação identitária e social crucial. Especialmente quando se sofre de perseguição por parte de colegas de escola por algo que ainda não se sabe que se é. Especialmente quando aqueles poucos que nos são mais próximos estão tão ou mais perdidos que nós.

É assim que começa Moonlight, filme sensação do cinema independente Americano, que conta com 8 nomeações ao Óscar. E merece ganhar todas elas. Desde as interpretações devastadoras de Mahershala Ali e Naomie Harris, à fotografia incisiva mas bela de James Laxton, ao argumento imaculado e realização penetrante de Barry Jenkins. Segue a vida de Chiron, rapaz negro de um bairro pobre de Miami, Liberty City. Vida essa que ele só consegue ver como miserável. Seja pelo abandono provocado pela toxicodependência da mãe ou pelo bullying, incessante e violento, dos outros miúdos da escola. Porque eles percebem o que ele é antes dele. Muito antes. Cheiram a insegurança. A fraqueza. O medo. E por isso ele resguarda-se num silêncio sepulcral. Para não levantar poeira. Para deixar de sentir. Para não existir. Até pelo menos, inesperadamente, um casal invulgar de benfeitores verem nele algo, dilacerado mas único, que vale a pena conservar. E assim, sem querer, salvam-lhe a vida. Não da agressão física dos colegas e psicológica da mãe, mas dele mesmo.

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Mas este é apenas o capítulo inicial dos três que Jenkins estrutura para ir, cronologicamente, construindo a identidade fragmentada de Chiron. De Little na infância, passando por Chiron na adolescência e Black na idade adulta. E não é por acaso que é na adolescência que o seu verdadeiro nome é assumido. Porque é aí que Chiron percebe que é tudo aquilo que o fazia fugir dos colegas. Da escola. Da mãe. De casa. Mas mais, tão mais. Aquela figura frágil e partida, na alma e nos ossos, comporta nela uma força tão colossal que ninguém a consegue prever quando se transforma em algo diferente. Algo não inofensivo. Algo perigoso.

A homofobia é um dos temas preponderantes de Moonlight. Na forma como obriga Chiron a usar máscaras, a esconder a sua pele negra por debaixo da luz azul do luar, a afogar quem é antes que mais alguém o perceba. Para sobreviver. Mesmo quando isso parece inócuo. E o quão fácil era deixar que as suas lágrimas se misturassem com a imensidão do oceano. Para sempre e sem retorno. Mas ao mesmo tempo que faz este reflexo da homofobia, traz também à tona todo o racismo subjacente. Pelas escassas oportunidades que um jovem negro tem quando nasce num lugar de segregação como aquele. Sem escapatória possível. Um lugar inóspito, devastado pela pobreza trazida pelo preconceito de fantasmas sem face que nunca chegam a ver a luz. Mas que discriminam. E pisam. E massacram. São estes lugares que vamos ver disseminados exponencialmente na nova América de Trump. Se calhar não vamos mesmo conhecer outra realidade. Distópica mas próxima.

Por estas razão e tantas outras Moonlight é um alerta. Silencioso mas ensurdecedor. Sóbrio mas implacável. Soturno mas avassalador. Quando chega a adulto, Chiron já não é Chiron. É o disfarce que teve de vestir para não ser visto e diferenciado. E vestida a máscara assume o coração imerso em trevas que a mãe lhe deixou e deixa-o bater. Porque não conhece outra alternativa. Mas até no purgatório, de identidades asfixiadas e sonhos não manifestos, surge uma luz. Um feixe ténue mas que promete algo valioso. Promete esperança. Liberdade. Este não é mesmo um filme qualquer. Um filme destes salva vidas.

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