PMA Nos “Prós E Contras” (resumo)

Depois de vários anos em que me prometi não voltar a ver o programa Prós e Contras da RTP, ontem quebrei essa promessa dado que iria ser discutida a Procriação Medicamente Assistida (PMA). Com a nova lei aprovada – em que as mulheres têm acesso às técnicas de PMA, independentemente do seu estado civil e orientação sexual – justificou-se este episódio pelo pedido de fiscalização da constitucionalidade da nova legislação por parte do CDS e do PSD. A razão deste pedido? O superior interesse da criança, pois claro!

Percebi que o formato do programa se tinha alterado, passando agora a apenas a uma hora. Longe vão os tempos, portanto, de programas de três horas que começavam ao início do serão e prolongavam-se noite fora, Mas esta mudança não se provou benéfica para uma discussão séria sobre o tema da PMA, foi uma espécie de concentrado de ideias em plena televisão pública.

Perante um painel com apenas uma mulher, em quatro, o que se ouviu? Bem, começou-se desde logo por ouvir Fernando Negrão (PSD) a afirmar que esta nova lei veio “favorecer a mulher enquanto gestante de substituição”. Ao que Isabel Moreira (PS) explicou que compreende que possa haver confusão porque “esta lei foi aprovada no mesmo dia em que foi aprovado o diploma da gestação de substituição”, mas reitera que “tínhamos até então um sistema que nos dizia: ‘Tu Mulher podes recorrer à ciência para seres mãe, mas apenas se fores infértil e tiveres a tutela de um homem’”.

Pouco depois fiquei perplexo quando José Gameiro (Psiquiatra) afirmou que “estamos a discutir mulheres sozinhas que querem ter um filho. As crianças precisam de duas figuras – masculina, feminina, masculina… feminina… whatever! – mas precisam de duas figuras.” Desculpe, whatever? É este o nível de discurso que protege estas famílias? O grau de desprezo incomodou-me e, suponho que o Psiquiatra tenha reais dúvidas quanto, por exemplo, a adoção singular. Pois.

Já o Jornalista Márcio Candoso, na bancada, defendeu que a criança tem o direito a saber quem é o pai e a mãe para que saiba a sua herança genética, concluindo que “não é filho de um banco de esperma ou de um banco ovócitos, sou filho de uma senhora e de um homem”, rematando até que existe um “hedonismo das elites liberais urbanas com tendência para desencadear questões altamente minoritárias”. Lindo!

Isabel Moreira, após esta intervenção, explicou que, para além de ser uma questão transversal à sociedade, está na lei o direito ao código genético do dador por questões médicas, mas relembra que nos casos em que uma pessoa procura saber quem foi a pessoa que doou o esperma, não procura quem foi o pai. “A pessoa é uma construção social, não apenas genética. Há o direito a construir uma família e à paz familiar.

Já a Psiquiatra Ana Matos Pires, também na bancada, desmontou o chavão do “superior interesse da criança”, relembrando que há uma década, aquando do referendo da interrupção voluntária da gravidez, foi usado a mesmíssima argumentação: “Umas vezes o superior interesse da criança é existir, porque terceiros – que não a sua futura família – assim o decidem; noutras situações e circunstâncias, o superior interesse da criança é não existir, porque terceiros – que não a sua futura família – assim o decidem”. Poderão aqui ler a sua mensagem completa.

No programa ouviu-se também Candoso a referir-se a uma amiga sua “que tem uma orientação igual à da colega”, sendo esta colega a de bancada, uma mãe que através da PMA conseguiu constituir família com a sua mulher. Depois da já mencionada ‘senhora versus homem’ e agora com esta falta de sensibilidade não me restam grandes dúvidas que este jornalista possui um discurso absolutamente retrógrado.

Seguindo, a Professora Ana Sofia Carvalho (Conselho Nacional para as Ciências da Vida) questionou como esta nova lei “protege os interesses de todos os cidadãos?” Dado que “temos um Sistema Nacional de Saúde sem recursos financeiros, como vamos dar prioridade a uma circunstância desta natureza perante tantas listas de espera…?” Portanto, agora o problema de toda esta questão é a resposta do SNS *suspiro* É que, só por acaso, os casos de mulheres e casais de mulheres no acesso à PMA serão os mais simples, dado que, à partida e ao contrário dos casais heterossexuais que recorrem – e bem! – à PMA, não terão problemas em engravidar. O argumento do entupimento do SNS é um argumento de má-fé, simples.

Ana Matos Pires aproveita o balanço da discussão e levanta a questão: “Quantos de nós temos a certeza absoluta das ligações biológicas às pessoas a quem chamamos de mãe e, sobretudo, de pai?” E apesar da risota e indignação, despoletadas pelo tópico da infidelidade (ouvi ali um “se a minha avó ouvisse isso…!” de Negrão, ah!), a verdade é que se a questão genética é assim tão importante, por que não fazer testes de parentalidade a todas as crianças nascidas. Por PMA e não PMA, claro.

Na recta final do programa entramos também no momento mais controverso e desrespeitador. É o momento em que Gameiro, em plena televisão, afirma: “poderemos, no limite, em termos técnicos fazer dentro de pouco tempo uma inseminação a uma porca. Quando isso for possível, ninguém vai defender que uma criança possa nascer dentro de uma porca!” De boca aberta ficou a Isabel Moreira e, certamente, todo o público que assistia, “não consigo atingir o seu ponto, mas deve ser por burrice minha”, respondeu ironicamente a deputada.

É com este nível de argumentação – um nojo, acrescento – que o debate termina, onde foram expressas ideias altamente preconceituosas, baseadas em claras homofobia e misoginia. E a apresentadora, Fátima Campos Ferreira não ajudou, porque “um homem não pode ter um filho sozinho” é uma afirmação de uma violência tremenda e um desrespeito para inúmeras famílias.

Agoniado mudei de canal após o fim do programa, precisei ver televendas para desanuviar um bocado e melhorar a qualidade televisiva daquele serão. Mas valeu-me a convicção redobrada que assistir ao “Prós e Contras” é um erro crasso, mas se quiserem poderão sempre ver o episódio na íntegra aqui. Que tenham convosco saquinhos para o enjoo, fica a dica.

3 comentários

  1. A isto chamo de uma escuta seletiva, de recortes enviesados, ao serviço de uma batalha de barricada e não propriamente a uma reflexão aberta e profícua. Talvez um dia perceba porque é que o facto de se estar casado com alguém é estar sob a sua tutela, ou isso só se aplica a estar casado com um homem? Alteridade precisa-se.

    1. Na lei anterior era obrigatório uma mulher estar casada com um homem para poder ter acesso à PMA. A essa inevitabilidade perante a lei usou-se o termo de tutela, dado que a mulher não podia escolher por si só, teria que ter sempre um homem associado. O mesmo deixou, e bem, de ser válido.

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