Da Rússia Com Amor? (Descriminalização Da Violência Doméstica)

Na semana surgiu a notícia aterradora – e creio não estar a exagerar no termo – de que o Parlamento russo aprovou a descriminalização da violência doméstica, sendo que não serão previstas penalizações criminais nos casos em que “não existam lesões corporais graves” e quando não ocorram mais do que uma vez por ano. São assim abrangidas agressões físicas a familiares, como pais que batam em filhos ou homens nas mulheres. Apenas no caso de existir recorrência é que quem agride pode levar processo criminal. Em todos os restantes casos a agressão passa a ser considerada uma mera ofensa administrativa.

Este claro retrocesso social é um puro contra-senso quando 74% das vítimas são mulheres – 36 mil, todos os dias – e quando em 91% dos casos as agressões são perpetradas por cônjuges ou companheiros, conduzindo assim à morte de 14 mil só no ano de 2008.

E no entanto, tudo isto espera-se ser aprovado brevemente por Putin que já se mostrou favorável à aplicação da nova lei, a chamada “lei da bofetada”. Que não restem pois dúvidas: esta é uma descriminalização que favorece especialmente o homem agressor da mulher e reitera também assim o seu papel secundário nos valores social e familiar.

Porque esta é claramente uma bofetada em todas as mulheres e em todas as pessoas que são vítimas de outrem, protegendo o seu agressor, aquele que se impõe perante a força bruta, aquele que, no limite – e são 14 mil deles em apenas um ano – efectivamente mata.

Esta é também uma chamada de atenção, porque os direitos que ganhámos não podem ser considerados adquiridos e com a agitação política mundial rapidamente podemos ver a igualdade dos direitos conquistados ser-nos retirada. Por isso importa saber onde estamos socialmente e o percurso que nos trouxe até aqui, para que alguns dos sombrios passados não se voltem a repetir. E em 2017 a Rússia coloca-se no lado de quem agride, desprezando quem a bofetada recebe. Para mim isso é claro, somos nós, todas nós!