A Bela E O Monstro: Entre A Metáfora Do VIH/SIDA E O Primeiro Personagem Gay Da Disney

A Bela E O Monstro, nova versão em ‘carne-e-osso’ do clássico de animação da Disney, irá estrear já no próximo dia 16 e contará com o primeiro personagem abertamente gay num filme da Disney: LeFou. Mas são as origens da história original que, de certa forma, dão enquadramento simbólico a este momento histórico. É que por trás d’A Bela E O Monstro’ está um homem, assumidamente gay, que lutava contra a SIDA enquanto escrevia a sua história: Howard Ashman.

Curiosamente, a notícia sobre LeFou foi revelada pelo realizador do filme, Bill Condon, na mesma semana que o primeiro beijo entre casais do mesmo sexo apareceu na série Star Contra As Forças Do Mal. A Disney a ganhar tempo perdido? Assim parece:

LeFou é alguém que em um dia quer ser Gaston e noutro dia quer beijar Gaston. Ele está confuso sobre o que realmente quer. É alguém que está apenas a perceber que tem esses sentimentos. E Josh [Gad, ator] faz algo realmente subtil e delicioso dessa situação. E tudo isto tem um retorno no final, que irei divulgar, mas que é um momento simpático e exclusivamente gay num filme da Disney.

Não deixa de ser algo inacreditável que só em pleno 2017 é que a Disney tomou a coragem de incluir um personagem assumidamente LGBTI num dos seus filmes. E claro que podemos referenciar todos os personagens que, de forma mais ou menos explícita, se apresentavam sendo Queer, mas que não deixavam de ser sempre retratados como personagens de comédia (à custa deles, claro) ou vilões de pulsos quebrados.

LeFou [Josh Gad]

No caso deste novo LeFou ainda nos faltam alguns dias para descobrirmos se caberá nalguns destes clichés usados até à exaustão no cinema, mas pelo menos as palavras do realizador são promissoras. Esperemos que estes desenvolvimentos se revelem, efetivamente, uma aceleração por parte dos icónicos estúdios na visibilidade e representatividade destas pessoas e das suas histórias. Afinal de contas, esta é precisamente uma história que teve na sua génese uma metáfora à epidemia do VIH/SIDA na década de 1980.

Howard Ashman

Condon, na mesma entrevista, falou sobre Howard Ashman, o compositor dos temas no filme original:

Ashman tinha acabado de descobrir que tinha SIDA e foi sua a ideia de tornar a história num musical, tal como tornar o Beast num dos dois personagens centrais. Até então era a história da Belle a central. Para Ashman, esta era uma metáfora para o seu estado. Ele foi amaldiçoado e essa maldição trouxe tristeza a todas aquelas pessoas que o amavam. Talvez houvesse a oportunidade de um milagre, de um caminho para a maldição ser levantada.

Foi neste sentido que Ashman acabou por desenvolver a história no sentido de uma maior ligação sentimental ao Monstro enquanto ele, uma das primeiras pessoas assumidamente gay a trabalhar no showbiz norte-americano, lutava contra a doença.

Tragicamente, Ashman faleceu a 14 de março de 1991, apenas quatro dias após a primeira exibição – ainda em circuito fechado – do filme original. Viria, no entanto, a ganhar dois Grammys e um Oscar póstumos pelas suas letras. O filme original d’A Bela e o Monstro’ tornar-se-ia igualmente no primeiro filme de animação nomeado para Melhor Filme. Ashman nunca chegou a ver a versão finalizada, mas o filme foi-lhe dedicado.

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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