A contaminação (re)começa a 8 de março

 

Os dias vão passando desde o Dia Internacional das Mulheres, mas continuam ainda a fervilhar os textos, os acontecimentos, as partilhas, os eventos e as festas. O 8 de março estende-se para além do seu dia, trazendo-nos mais consciência, mais luta, mais feminismo.

Há dias que tento escrever um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres e, de cada vez que acho que a oportunidade passou, eis que de novo algo surge para nos relembrar o dia e a sua importância. Falar desta celebração é fundamental porque esta é uma celebração fundamental. Um rastilho que se acende para estoirar noutros dias, uma semente que se lança para despontar muitos mais frutos tempos depois. O 8 de março ainda não é só uma festa, é a expressão da luta, é a demonstração e a reunião de forças e, por isso, é tão significativo que o haja.

Num texto do 8 de março, escrito sem ser no dia, o que dizer? Não irei homenagear as mulheres da minha vida, nem outras. Não irei reforçar o estereótipo da mulher flor. Não elogiarei as mulheres por serem mais fortes e mais expostas ao sofrimento. Não colocarei as mulheres num patamar no qual as possa observar ou mostrar. Prefiro falar dos dias que se seguem e das mulheres (e das pessoas) que, depois do Dia das Mulheres, por causa de qualquer coisa que viram, ouviram, leram ou fizeram, passam a querer mudar o mundo, passam a ser feministas, começam a reclamar. A maior importância do 8 de março de todos os anos surge na contaminação dos dias que se seguem. É por isso que temos sempre de fazer desse um grande dia.

O efeito de contágio é fundamental. Neste 8 de março, participei, pela ana ana, numa apresentação promovida pela SEIES no âmbito das Women Talks (uma iniciativa da CIG). Nessa apresentação sobre Campanhas contra a violência de género, refletimos um pouco sobre como a mudança de mentalidades depende de cada passo em que se envolve ou contamina quem ainda não está sensibilizad@ para isso. As campanhas devem dirigir-se a quem ainda tem dúvidas, àqueles e aquelas que reconhecem legitimidade na violência ou na discriminação, que têm medo, que estão imers@s sem questionamento no preconceito e no lugar comum. Quando fazemos uma campanha de prevenção ou de desocultação, é para o preconceito que falamos, não para o hostilizar (porque assim teremos perdido a oportunidade), mas para o pôr em causa. Há um caminho que só cada um/a pode fazer. E não será feito através de argumentos, mas com empatias, com reconhecimentos, com conexões que façam sentido em contextos diversos.

É dessa abertura e atitude que também deve viver o 8 de março, disponível inclusive para aquel@s que questionam a sua importância ou valor. Se põem flores, chocolates e parabéns, ocupe-se esse espaço a nosso favor, alterando os seus pressupostos. Se fazem anedotas, gifs, ganhe-se aí também, fazendo-se bem melhores. O 8 de março deve introduzir-se na fala comum, tornando a luta muito mais transversal e enraizada. Não há nenhum mal nas flores – basta pensarmos nos cravos vermelhos. O mal está no que fazemos com elas e no simbolismo que carregam por ser oferecidas como um mimo. Peguemos nos símbolos e transformemo-los, trazendo para a luta as pessoas que da sua vitória mais precisam.

Fazer um 8 de março memorável – essa é a ambição. Torná-lo importante para todos os dias seguintes.

Este ano, duas amigas contaram-me histórias bem diferentes que aconteceram em duas escolas primárias. Numa das escolas, o dia não foi comemorado nem assinalado, e a minha amiga, mãe de um aluno rapaz, decidiu questionar a escola por essa ausência. A escola perdeu uma oportunidade que esta mãe não perdeu, reforçando junto da entidade o que considera fundamental para o desenvolvimento do seu filho, nomeadamente ele perceber a injustiça e a desigualdade que permanece nos nossos dias. Ao contrário de saber pelas colegas que o Dia é delas, como se fosse um capricho feminino, esta minha amiga sugeriu antes que os rapazes tivessem menos 20% de tempo de recreio que as raparigas. Uma boa oportunidade para expor o desequilíbrio salarial que ainda existe em Portugal entre os dois géneros, evidenciando também o tempo despendido em mais tarefas domésticas por parte da mulher. De uma forma tão óbvia como perder tempo de recreio, tod@s perceberiam bem melhor por que existe afinal o Dia Internacional das mulheres.

No outro caso, a história foi bem diferente. Aqui, a criança em questão, uma rapariga, chegou a casa muito impressionada e a dizer que tinha sorte em ter nascido em Portugal. Tudo porque, na escola, a professora esteve a explicar e a comparar a realidade de outras meninas no resto do mundo. E o contraste foi evidente. Também aqui houve a percepção da injustiça e da desigualdade e, com certeza, o reconhecimento da importância da existência deste dia.

Assim se vê como conta o 8 de março e do(s) dia(s) a seguir. A forma como impacta as pessoas, marca a sua memória, evidencia o que está mal e abre caminho para novas conquistas.

 

Este Dia não é somente para mulheres, não é apenas das mulheres, é um dia do mundo, para o mundo, é um dia da justiça. Chama-se das Mulheres, porque às Mulheres falta o mundo e a justiça e, neste dia, evidenciamos e reclamamos ainda mais o que nos falta. O Dia não termina para quem é ativista, feminista, defensor/a de igualdade de género e equidade nos direitos. E sobretudo o Dia nunca terminará para quem tiver sido tocad@ por alguma coisa que viu, ouviu, sentiu neste dia.

Apontemos já para amanhã, apontemos já para 2018, 2019, 2020… Aproveitemos a oportunidade para deixar que o 8 de março contamine tudo o resto. E isso todos e todas podemos fazer, contagiando a nossa pequena ou grande área de influência, seja a mandar um email, a contar uma história ao almoço com colegas, a expor uma situação de injustiça, a partilhar o que nos afeta. A conversar, a disseminar, a estar mais presente em mais lutas, com mais pessoas, com diferentes grupos, nas redes sociais, à mesa em família ou na rua. O rastilho está em cada um/a de nós e pode ser ateado todos os dias, começando, recomeçando e continuando no 8 de março.