O meu amigo António Variações

Olá António!

Por estranho que pareça estou a escrever-te, tal como te tinha prometido há muito. Bem sei que certas coisas são ditas da boca para fora mas sabes que eu cumpro aquilo que digo. Como podes verificar pode ter tardado mas não falhou.

Tanta coisa aconteceu desde que te foste e não mais voltaste. Tanta e mesmo assim tão pouca. As mentalidades ainda continuam pequeninas mas agora já te dão razão, já dizem que eras diferente. Este diferente é no bom sentido, aquele que tu tanto lutaste e não conseguiste. Demorou mas chegou.

As barbas agora estão na moda e não há homem chique que se preze que não tenha uma. Ter talvez não seja a palavra adequada, será mais usar. Até as enfeitam e pintam, como tu tão bem sabias fazer naquele época.

Pouco depois de teres embarcado as tuas músicas foram um sucesso e até mesmo aquelas que não gostavas foram cantadas por artista renomados. Tornaste-te um ícone. Agora vestir de forma colorida é mais vulgar e os homens aventuram-se noutros campos que lhe eram mais complicados.

Também tenho más notícias a dar. A Maria Albertina ficou muito doente e foi-se. Penso que não estará no mesmo local que tu mas a Vanessa tornou-se uma linda mulher. E olha que agora é um nome vulgaríssimo.

A loja de roupa indiana também já não existe e nunca cheguei a comprar aquele conjunto que namorei tanto. Comprei outras coisas. O curioso é que essas roupas e as místicas são agora um must para a nova geração. mesmo que não as entendam na sua essência partilham do interesse que possa suscitar.

O Vasquinho é engenheiro e nunca mais se interessou pela música. Os outros ainda estão no ramo mas na parte técnica. Os Alunos de Apolo tornaram-se uma casa de culto e as danças de salão agora, também, estão na moda. Vê tu bem! Como é que sabias tudo isso?

Aguenta! Os Xutos e Pontapés continuam com uma excelente saúde musical e não se separaram. Houve umas coisitas pelo caminho mas está tudo resolvido. O Zé Pedro até tem um fígado novo. Aquelas doideiras deixaram marcas fortes. É um novo homem, fica descansado.

Outra coisa, o fumar deixou de ser in. Agora cultiva-se o ser saudável, o exercício físico e a alimentação saudável. Agora é que tu ias querer que as batatas e as couves viessem todas da tua terra! Cá para mim ainda bem que assim é. Eu continuo a gostar imenso de batatas, como tu sabes.

Na altura a tua casa era um corrupio, como te lembras. Achavam piada às tuas colecções. Eu também e até te ajudei a comprar algumas bonecas e outros adornos. Lembras-te daquela vez que fomos à Feira da Ladra e regateei aqueles brinquedos antigos? Preparado? Na moda também! O coleccionismo é trendy, in, fixe, ou seja lá o que for.

Outra notícia que não te vai agradar é que o ” Toma o comprimido ” não se tornou um hit. Para mim continua a ser a altura em que me fascinei contigo e vi que tinhas algo de muito especial. Não consegui largar os teus olhos e movimentos.

Mas as outras músicas que escreveste, com tanto amor, foram e continuam a ser êxitos musicais. Até te fizeram um tributo que foi muito badalado. Não te chega aí a rede? Não há net? Deve ser um serviço muito mau, meu querido. Qual é o operador?

Tenho tanta coisa para te contar mas não será tudo agora, fica para depois. Se o serviço melhorar podemos falar pelo Skype. Não conheces? Onde raio estás tu? Que porcaria de céu é esse? Não tem as mínimas condições! Reclama! Tem de haver um livro amarelo!

Meu doce, mas eu escrevi-te para saber como vais! Espero que tenhas tudo o que desejas e que nunca sejas esquecido. O corte de cabelo fica para depois. Sim, finalmente voltei a deixar crescer o cabelo. Ias gostar de ver como está.

Mais uma vez quero que saibas que me lembro constantemente de ti e que, apesar de teres mais de 70 anos, estás um homem fantástico, bonito, atraente e charmoso. Viver rápido e fazer um bonito cadáver, certo? O James Dean tinha razão.

Tenho tantas saudades tuas mas marcar um encontro está fora de questão por motivos óbvios. De cada vez que oiço a tua voz fico arrepiada por saber que te conheci e que fomos amigos. Tantas conversas que não acabámos e que agora fazem todo os sentido. Eras mesmo muito diferente!

Queres ouvir uma muito boa? Este ano o Festival da Canção voltou a fazer furor como dantes! Tanto que te esforçaste para participar e depois deixou de ser importante. A canção que venceu é linda, doce e cantada com tanto sentimento que parece que é dita ao nosso ouvido. Tenho a certeza que se sintonizares a RTP Internacional vais conseguir ver a repetição.

Sabes uma coisa? Nunca serás esquecido cá pelo burgo. Não é que estejam com vontade de dar o teu nome a uma rua mas és uma referência no campo musical. Quando vi o Salvador Sobral a cantar lembrei-me de ti. São muito diferentes mas senti o mesmo tipo de garra e de alma que nos arranca o coração e faz sangrar.

Olha fofo agora tenho que ir. Recebe um xi-coração muito apertadinho e muitas saudaditas, meu anjo. Sei que estás longe (estou além ) mas estás sempre perto no meu coração. ( Olha a estupidez! As lágrimas decidiram aparecer. )

Até breve…