As Mulheres De Dijsselbloem

O presidente do Eurogrupo e – ainda – ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, acusou os europeus do Sul de gastarem o seu dinheiro “em copos e mulheres” para depois pedirem aos restantes europeus que os ajudem. O Primeiro Ministro. António Costa, já condenou as polémicas declarações como sendo “racistas, xenófobas e sexistas”. É precisamente por aí que importa perceber o quão perigosas e reprováveis são as polémicas declarações, mas primeiro vejamos o que realmente disse Dijsselbloem:

Na crise do euro os países do Norte mostraram solidariedade para com os países do Sul. Como social-democrata, a solidariedade é para mim extremamente importante. Mas quem a pede, tem também deveres. Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda. Este princípio vale para o nível pessoal, local, nacional e também europeu.

Há quem argumente que o uso da metáfora e da personalização – “o meu dinheiro”, “a vossa ajuda” – muda tudo e, de certa forma, desresponsabiliza o ministro do ataque feroz que as suas declarações provocaram. Só que não, não é? Porque não deixa de ser completamente descabido um influente político dar uma entrevista em que fala dos países do sul e das medidas de austeridade que lhes foram impostas e, no mesmo raciocínio, usar a metáfora de gastar o dinheiro em bebida e mulheres. Isto, aliás, soa-me bastante familiar. Então não houve uma psicóloga que, aquando de uma entrevista sobre a homossexualidade, afirmou que era “como ter um filho toxicodependente”? O preconceito de um e de uma simplesmente vêm ao de cima com a escolha das suas metáforas e comparações, claro como água!

Mas não nos fiquemos por aqui. Quando Dijsselbloem fala em gastarmos o dinheiro todo em mulheres impõe assim uma visão de heteronormatividade masculina sobre todo um povo, a figura da mulher é – mais uma vez – subsidiária da do homem. Prolonga-se assim a ideia de posse de uns sobre outras. E isso não pode ser defendido por alguém no cargo de presidente do Eurogrupo (ou outro qualquer que se deseje sério, entenda-se).

O holandês já se veio justificar, lamentando que “alguém se tenha sentido ofendido pelo comentário“, mas que se trata do seu estilo “direto” , como tal, não se demite. Essa alegada qualidade não nega, no entanto, a natureza do que disse, apenas a forma. Não confundamos, portanto, as coisas. Se ontem Dijsselbloem foi direto, hoje usa o seu dom de desconversa política como mais lhe convém.

Não deixa de ser igualmente curioso que, no meio de tanta polémica e tantas reações sobre as declarações do ministro holandês, haja quem, comentando as mesmas e em plena SIC, não consiga entender a triste ironia que é afirmar, perante uma pivô, “realmente as mulheres portuguesas são muito bonitas, como é o teu caso”. Bernardo Ferrão, jornalista, insistiu posteriormente ser um “elogio sincero”, mas não perceber que dizer aquilo num telejornal é, no mínimo, desadequado, é também não perceber o que ali foi comentar. Aliás, a SIC parece ser palco continuado deste tipo de situações embaraçosas:

Questiono-me sobre a falta de imaginação que estes homens têm quando lançam, em direto, aqueles elogios a uma jornalista. Adorava que uma lhes respondesse “também o acho um pão”, só para ver a reação dele e como reagiria ali em direto. Piada à parte e se dúvidas houvesse, fica assim claro que o machismo e a misoginia são claramente transversais, também de norte a sul da Europa. São, portanto, um ponto de união que importa combatermos, todas e todos. Por todos e por todas.