O Surto De Hepatite A E Os Homens Que Têm Sexo Com Homens

Portugal registou 105 casos de hepatite A desde janeiro, um valor muito acima do habitual – que rondou no ano passado por esta altura em apenas 6 – quase todos na Grande Lisboa. Este é um surto que está a afetar mais 12 países da Europa e, segundo Francisco George, diretor-geral da Saúde, parece ter tido origem na Holanda.

Segundo Isabel Aldir, diretora do programa nacional para as hepatites virais da Direção-Geral de Saúde (DGS), a situação desta “atividade epidémica parece estar associada com muita frequência” a uma transmissão por via sexual através de determinadas práticas, sobretudo entre homens que praticam chemsex (“atividade sexual potenciada por substâncias químicas, podendo envolver múltiplos parceiros”, segundo a própria DGS), que fazem com que haja um aumento do risco de transmissão da doença. Mas esclarece que “isto pode acontecer com qualquer indivíduo, com qualquer orientação sexual, mas o que tem sido até à data mais descrito, de facto, é um predomínio de casos em homens – não exclusivamente -, mas são muito mais frequentes os casos no sexo masculino comparativamente aos do sexo feminino. E dentro dos homens, parecem ser mais atingidos os homens que praticam sexo com outros homens“.

Relembra também que “fazer práticas de higiene pessoal, doméstica, normais, uma lavagem correta das mãos quando se vai preparar as refeições ou quando se vai à casa de banho, é também das medidas mais eficientes. E porque nesta situação em concreto têm sido assinaladas esta via de transmissão sexual, é de facto na sua vida sexual que cada indivíduo deve adotar medidas para a redução do risco” (leia-se, sexo seguro).

Há, no entanto, algo que salta à vista. Acontece que, dados estes novos dados, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças aconselha os Estados-membros a oferecerem e promoverem a vacinação a “homens que têm sexo com homens”. Aliás, esta ideia é acompanhada pela DGS no documento com indicações relativas ao atual surto de hepatite A que foi fornecido a médicos e enfermeiros do sistema nacional de saúde:

Estão em maior risco de adquirir VHA pessoas vulneráveis (não imunizadas, por vacinação ou infeção natural) que:

* Se desloquem para áreas de endemicidade intermédia ou elevada;

* Ingiram alimentos/água contaminados;

* Apresentem défices de fatores da coagulação;

* Homens que fazem sexo com homens (HSH).

Se é certo que o surto tem sido potenciado por homens homo e bissexuais que praticam atividades sexuais desprotegidas, dificilmente se justifica incluir toda uma população de homens homo e bissexuais num – atrevo-me a dizer?grupo de risco. Este tipo de direção apenas estigmatiza, mais uma vez, a população gay e bissexual por inteiro. Aliás, basta ler como alguns jornais publicaram a notícia, com bandeiras arco-íris e com um altivo interesse em descobrir pormenorizadamente o que é o chemsex. Sim, é essencial informar e educar as pessoas, especialmente as que possam colocar a sua saúde e a de terceiros em perigo. E neste caso, como noutros, isso acontece maioritariamente se tiverem sexo desprotegido. Foquemo-nos, pois, na prevenção e no combate a comportamentos de risco específicos. Não, nunca, por serem gays ou bissexuais.

Fonte: Imagem.

Atualização:

Francisco George esteve há pouco no Jornal da Noite e, muito bem, explicou que “nós hoje não falamos de grupos de risco, não há grupos de risco, falamos de comportamentos de risco, comportamentos que podem representar um risco. E há grupos, heterossexuais ou não, que podem em determinados momentos ter comportamentos que favorecem a transmissão do vírus da Hepatite A“.

Claríssimo, que as indicações internas sigam igualmente esta lógica.

Segunda atualização:

Para quem estiver interessad@ em mais informação sobre a hepatite A, importa ouvir Diogo Medina, médico do GAT-CheckpointLX:

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

4 comentários

  1. Precisamente Pedro. Concordo inteiramente contigo. A informação não pode conter homofobia ou discriminações estigmatizantes. Há que focar o alerta nos comportamentos de risco de todas as pessoas, sem “simplificar” demasiado a mensagem, agrupando tudo e todos ou misturando conceitos. O foco devia ser, como noutros casos, o comportamento de risco e não grupos, repito.

    1. Pedro Carreira – Portugal – Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc
      Pedro José diz:

      Parace ser um conceito bem simples até que tem sido defendido há décadas contra o ultrapassado conceito de “grupos de risco”. E no entanto aqui estamos, quase 4 décadas depois, sob o mesmo estigma.

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