Surto Hepatite A E O Triunfo Dos Porcos

Estas últimas notícias sobre o surto de hepatite A em Portugal têm trazido ao de cima algumas das reações mais animalescas que tenho lido nos últimos tempos. Não é, pois claro, inédito. Sempre que surge algum tipo de polémica associada, direta ou indiretamente, à população LGBTI, ou parte dela, ou parte dela em condições muito específicas – não sei se me faço entender? – somos de imediato promovid@s. Neste último episódio fomos todos – homens homo e bissexuais, ou até, se insistirem, homens que têm sexo com homens – promovidos a porcos. Faço scroll por timelines, pego no comando e zappo pela box. Porcos.

Como se tivessem apanhado humidadezinha rebentam como cogumelos.

De repente sinto que, numa escala mais pequena, é certo, recuámos 30 anos e regressámos à década de 1980. Altura em que, por ignorância, desinformação, mas também desinteresse por parte das autoridades, a população LGBTI viu-se culpabilizada pela epidemia do VIH/SIDA no ocidente. Foi perseguida, humilhada, ignorada durante anos. Hoje sinto que, de alguma forma, voltámos a tocar ao de leve nesse sentimento estigmatizante que é o mais irracional dos ódios.

Há, no entanto, uma diferença gritante que distingue este episódio do que aconteceu no passado: a informação disponível. E o que torna esta diferença também especialmente macabra é que, de facto, dispomos dessa informação. Não só do que nos conta a história, mas também de como a educação e a prevenção adequadas são chave fulcral para a saúde pública.

Há pois aqui uma quota parte de responsabilidade no alarmismo, no sensacionalismo e no modo como se criaram notícias em torno de um aviso de surto que se desejava direcionado a um grupo de pessoas que praticam comportamentos de risco muito específicos. Foi ler nos últimos dias artigos e reportagens copy-paste que, repetidos até à exaustão, nos informaram vezes sem conta que a hepatite A se transmite via oral-fecal para depois nos explicarem o que é o chemsex e o oral-fecal e as orgias e o oral-fecal – não sei se me faço entender?

Este é um truque fácil, utilizado por quem, de forma mais ou menos consciente, pretende minorar toda uma população. Esse truque é o nojo. Criar nojo nas pessoas e assim levá-las a aceitar facilmente a sua posição autoritária e paternalista sobre aqueles porcos. Simples de se ver o seu efeito acima. O problema é que aqueles porcos somos todos e todas nós, LGBTI, Hétero e Cis. Basta que surja nova desculpa para que se volte a repetir novo truque. A imposição de alguém sobre outrem assim anuncia novo ciclo de nojo. E assim falhamos e perdemos, quando nos alimentamos desta tablóide gratuitidade. Caso para dizer, cheios que nem porcos!

2 comentários

  1. É a criação de um mito à volta de uma doença; está a servir para criar uma identidade (hetero) vs uma alteridade (lgbtq)…

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