Selisse Berry: “Ninguém deve ter que escolher entre uma profissão que ama e uma pessoa que ama”

Decorreu no passado dia 28 a Tertúlia Trabalho Não Rima Com Armário, organizada pela ILGA Portugal em colaboração com a Embaixada dos EUA em Portugal. O evento contou com a participação especial de Selisse Berry, da Out & Equal – líder mundial na defesa da igualdade das pessoas LGBT no local de trabalho, João Pereira, da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), e Nicolau Andressen, da Embaixada.

Moderada por João Valério, da ILGA, a tertúlia começou num final de tarde que ameaçava chuva, mas nem isso impediu o Centro LGBT de encher para escutar a sempre sorridente Selisse. Antes João Pereira explicou que a CIG “é um mecanismo público para garantir as políticas de igualdade de género, combate a todas as formas de violência de género e tráfico de seres humanos”. Explicou também que sobre as questões LGBT “ainda não houve oportunidade política para colocar tudo preto no branco”, mas que será um passo dado “muito em breve”. A CIG tem, no entanto, feito um esforço neste sentido, em 2008 financiou pela primeira vez projetos na área da orientação sexual e identidade de género. João Pereira reconheceu que, em termos legislativos, “houve um hiato de 4 anos” e que as primeiras campanhas públicas em 2012 e 2014 foram na área do bullying homofóbico. Mas, também por essa via, a orientação sexual e identidade de género entraram em força na parte das políticas públicas como uma área estratégica dos planos nacionais para a igualdade.

Em termos do nosso envolvimento nas políticas públicas da visibilidade em contexto de trabalho é tão recente que o temos feito em parceria”, nomeadamente “com a ILGA e com o grupo Grace.” João Pereira relembrou, por fim, que “não temos um grande histórico de queixas de discriminação em geral, mas em concreto a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) não nos consegue reportar queixas de discriminação em contexto laboral por matérias relacionadas com a orientação sexual e identidade de género.

Passada a palavra a Nicolau Andressen, este relembrou numa breve passagem a antiga secretária de estado, Hillary Clinton, que explicou como “os direitos LGBTI são direitos humanos”. E reiterou também como a Embaixada dos EUA em Portugal, em especial nos últimos 5 anos, está ativamente a dar apoio nestas questões.

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A tertúlia rapidamente passou para Selisse, a razão porque aquelas dezenas de pessoas ali estavam. Fazendo questão de se levantar para falar – uma boa dica para quem participa nestes eventos – Selisse começou por dizer que estava a adorar visitar Lisboa e por estar ali com todas as pessoas presentes, confessando também que “olá” e “obrigada” eram as únicas palavras em português que conhecia.

Fundei a Out & Equal há 20 anos porque, quando saí do armário, gostava que houvesse uma organização que me ajudasse“. Tendo nascido e crescido em zonas altamente religiosas, explicou que “dava aulas e saía à noite com homens e não percebia porque me apaixonava pelas irmãs deles. [risos]

“Desisti depois da carreira de professora e escolhi uma profissão ainda mais homofóbica: pastora protestante. Na primeiro mês do seminário fiz duas mudanças de vida: a primeira assumir-me como lésbica e a segunda que a igreja não estava tão entusiasmada com a minha primeira decisão [risos].”

Rapidamente Selisse concluiu que “se queria ser autêntica, não poderia ser uma pastora. Por isso decidi criar uma organização. Chamava-se SLUTS: Seminary Lesbians Under Theological Stress [Seminário de Lésbicas sobre Stress Teológico; risos por todo o público].

Depois de o público presente se acalmar, Selisse prosseguiu de forma calma e serena, sempre com um genuíno sorriso: “Era um grupo muito empenhado, mas também muito limitado, daí a fundação da Out & Equal. Sentia que ninguém devia ter que escolher entre uma profissão que amasse e uma pessoa que amasse. Nunca tinha trabalhado numa empresa grande, mas sabia juntar pessoas, decidi então reunir pessoas para falarem sobre as políticas de direitos LGBTI no trabalho”. E relembrou que se há 20 anos não havia leis federais sobres estas políticas, a verdade é que ainda hoje não as há. Mas o crescimento da Out & Equal é inegável, como explicou de seguida: “A Workplace Summit recebeu 4.500 pessoas de 35 países na última sessão”, convidando o público a participarem na próxima em Filadélfia.

O trabalho de equipa é uma das chaves da organização, dado que trabalham “com empregadores e empregados LGBTI para entenderem a melhor forma de trabalhar em conjunto” e conseguirem desenvolver um ambiente que não seja hostil ao ‘coming out’ das pessoas, até porque o armário é mau para o negócio: “Passamos muito tempo nos nossos trabalhos e quando escondemos quem somos, perdemos muita energia nessa máscara em vez de nos focarmos no sucesso das nossas carreiras. Por isso treinamos sobre diversidade LGBTI, tal como falamos sobre pessoas Trans e a sua transição em pleno local trabalho.”

Sobre o caso específico português, Selisse disse que, com a ajuda da Embaixada dos EUA, esteve em reuniões e percebemos que, em termos legislativos, estamos muito à frente dos EUA. “Pelo que consegui entender, ainda existe, no entanto, trabalho para fazer neste campo por cá e estamos também em Portugal para apoiar esses passos. Por isso trouxemos todo o tipo de folhetos informativos que poderão ler [risos].”

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Numa ronda de perguntas Nuno Pinto, presidente da ILGA, perguntou a Selisse como poderemos ganhar maior consciência da importância que tem assumirmo-nos com segurança no nosso local de trabalho. “É uma questão difícil, até nos EUA, segundo um estudo recente 50% das pessoas LGBTI ainda não se assumiram como tal. Trabalhamos para que as empresas desenvolvam medidas que permitam às pessoas assumirem-se tranquilamente e não sejam despedidas. Mas trabalhamos também com pessoas para que elas possam dar esse passo e ultrapassar a sua homofobia internalizada.

Quando questionada sobre a presidência de Donald Trump, Selisse respondeu que “a esperança é enorme” e que se considera uma otimista. “Até agora ainda não vimos muita negatividade de Trump, mas as pessoas que ele contratou são extremamente homofóbicas. Existe um claro receio na população, mas direi que ter uma organização como a Out & Equal tão próxima da comunidade dos negócios é uma vantagem que temos, porque a linguagem dos negócios parece ser a única que Trump entende. Por isso, esperamos que ele continue a suportar a nossa comunidade.”

Sobre pioneir@s e a sua importância ao darem a cara e ao fazerem entender as empresas da sua competitividade, Selisse contou a história de uma mulher que lhe contou que o filho de 5 anos foi para a escola anunciou que tinha “duas mães!” [risos] Não havia pai e ele sentia um enorme orgulho nas suas mães. “Sinto que entre pioneir@s e crianças poderemos mudar o mundo”.

Selisse recordou também os primeiros passos que deu há duas décadas com a Out & Equal, apresentando-nos um mundo empresarial bastante distinto do atual nos EUA: “Era tudo muito diferente quando comecei. Sentava-me com responsáveis das empresas para falarmos sobre a temática LGBT e a primeira resposta que me davam era para não me preocupar, que ali não havia pessoas daquelas. Dizia-lhes que apostava que havia! [risos] Disse-nos então que não começou por diretores e presidentes, começou sim por procurar “trabalhador@s, porque sabia que tinha que ser um grupo ainda mais profissional, tinha que ser ainda mais perfeito. E estas pessoas sentiam-se tão orgulhosas e entusiasmadas que convidavam as pessoas de topo para as reuniões anuais da Out & Equal [25% são pessoas não-LGBT].”

Quando questionada sobre que conselho poderia dar a um colega que pretendesse sair do armário no seu local de trabalho, Selisse respondeu que “cada pessoa possui o seu próprio caminho e é muito difícil esconder a nossa vida de outrem e ao mesmo tempo vivê-la plenamente. Ao longo das nossas reuniões com as pessoas, tentamos fazê-las entender a importância da autenticidade que deve igualmente ser vivida no local de trabalho.” Mas o valor dado a estes coming outs não é exclusivo das pessoas que o vivem, oiço constantemente pessoas aliadas contar que ficam radiantes quando algum/a colega sai do armário, porque sentem que podem por fim ter uma conversa real com esse/a colega.

O momento da conclusão deu-se de seguida com a Joana Cadete Pires, da direção da ILGA, que, para além dos agradecimentos pela vinda de Selisse ao Centro LGBT, relembrou que “este foi o primeiro evento relacionado com a discriminação de pessoas LGBTI no local de trabalho que a ILGA organizou em 20 anos”. Tem sido feito, no entanto, um esforço no sentido de reforçar estas matérias dentro das empresas nacionais. Deu o exemplo da República Checa que, apesar de algum atraso em termos legislativos, as empresas sentem que devem ter este papel social, indo além daquilo que o Estado faz. Na República Checa celebra-se, inclusive, um Business Pride com mais de 500 pessoas. A Joana contou à audiência que esteve lá reunida com mais de 30 empresas, sendo que “são todas multinacionais, mas que, curiosamente, não têm qualquer papel ativo em Portugal no combate à discriminação das pessoas LGBTI no local de trabalho”.

E ficou mais uma vez claro que esta, para além da componente social e política, é igualmente uma questão financeira: “Quando as empresas perceberem o impacto financeiro que lhes custa não terem empregad@s assumid@s no local de trabalho, quando perceberem quanto lhes custa terem trabalhador@s forçad@s a terem que pensar duas vezes naquilo que podem responder quando lhes perguntam sobre o fim-de-semana ou o que vão fazer depois do trabalho, talvez as empresas percebam que este é um tema verdadeiramente importante e que deve ser tratado de forma séria.”

Por fim, a Joana convidou todas as pessoas interessadas a assistirem ao “Encontro Internacional sobre Visibilidade e Inclusão LGBTI no Local de Trabalho” no dia 9 de maio na Atmosfera M. Trata-se de um encontro que contará com a presença da Sra. Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade de Género, Catarina Marcelino, e é dedicado aos desafios e experiências relativas à não discriminação e promoção da igualdade das pessoas LGBTI no local de trabalho e tem como objetivo incentivar as empresas e outras organizações empregadoras a criarem ambientes propícios para que colaborador@s se sintam confortáveis em sair do armário. A participação é gratuita, mas de inscrição obrigatória. Interessad@s poderão inscrever-se aqui.

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Fonte: Imagem.