1º Encontro Internacional sobre Visibilidade e Inclusão LGBTI no Local de Trabalho

Lisboa, 9 de Maio de 2017

Foi com um tremendo orgulho e sentido de responsabilidade que participei no 1º Encontro sobre Visibilidade e Inclusão LGBTI no Local de Trabalho em Portugal, encontro organizado pela Carta Portuguesa Para a Diversidade em conjunto com a ILGA Portugal e com a participação de vários representantes de entidades públicas e empresas privadas.

Este é um tema que me diz muito porque apesar de ter o privilégio de não só poder ser uma lésbica assumida no local de trabalho como de ter sido nomeada internamente pela minha empresa como “Out Role Model” e líder do grupo EAGLE (Employee Alliance For Gay, Lesbian Bi-sexual And Transgender Empowerment) sei que ainda há muitos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgénero que por motivos variados ainda não podem assumir-se no local de trabalho, sofrendo em silêncio com as piadas e graçolas frequentes que ainda muito se ouvem em relação a este grupo minoritário.

Foi uma tarde que serviu de reflexão e de onde saíram várias orientações e compromissos, nomeadamente no sentido de aprendermos mais sobre a realidade destes trabalhadores e trabalhadoras e percebermos como todos em conjunto, entidades públicas e empresas privadas poderemos caminhar no sentido de garantir uma maior inclusão da população LGBTI nos locais de trabalho.

A abertura do evento ficou a cargo da Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, que falou sobre o tanto que já foi feito em termos legais para garantir a igualdade de direitos a este grupo em particular e sobre o tanto que ainda há por fazer nomeadamente em relação às políticas de inclusão e diversidade relacionadas com a população LGBTI. Mencionou o trabalho que tem sido feito nomeadamente em relação aos direitos dos transgénero uma vez que estão neste momento em discussão no parlamento propostas de lei que permitirão desmedicalizar o processo de determinação da identidade de género de cada um@. Ou seja, deixará de ser necessário juntar um processo médico com vários pareceres ao pedido de alteração da identidade de género no registo civil, sendo que a idade limite legal para se pedir a alteração de género baixará dos 18 para os 16 anos. Indo mais além e pensando também no caso das crianças transgénero estas propostas contém também diretivas no sentido de permitir que os pais possam solicitar às escolas que os filhos e filhas sejam identificados pelo nome com o qual se identificam, estando a ser feito um trabalho conjunto com os Ministérios da Justiça, da Educação e da Saúde para permitir processos que sejam passados às Escolas e aos Centros de Saúde no sentido destas crianças e famílias terem um acompanhamento especifico e acrescento eu verdadeiramente humanitário e respeitando a vontade e desejo de cada um de se identificar de acordo com aquilo que sabe que é. Para além disso estas propostas contém ainda a indicação de não se operar as crianças intersexo à nascença, aguardando até que a criança atinja uma idade em que a sua identidade de género esteja consolidada para poder optar por um ou outro género, retirando assim das mãos do médico ou dos pais e família essa decisão.

Seguiu-se a apresentação dos representantes da República Checa das entidades Business for Society – Paulina Kalousova e Prague Pride – Czeslaw Walek que vieram falar sobre a realidade da situação dos empregad@s LGBTI na República Checa. Ao contrário do que se passa em Portugal, o enquadramento legal não é favorável e inclusive têm um plano para chegar à igualdade no acesso ao casamento apenas em 2020. Assim o trabalho tem sido feito ao nível da sociedade civil sendo que o 1º desfile do Orgulho LGBT foi organizado em 2011 e contra as indicações dos vice-Presidente e Presidente do país Petr Hájek e Václav Klaus que teceram considerações públicas sobre a “perversidade” dos homossexuais. O Czeslaw indicou que mais de 60% da população checa apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo pelo que as provocações do presidente tiveram o efeito contrário de promover ainda mais a adesão ao evento sendo que hoje o Pride em Praga é um evento que agrega cerca de 80 mil participantes.

Apresentaram ainda algumas estatísticas sobre a questão dos homossexuais serem ou não assumidos no local de trabalho – 14% dizem não ser assumidos de todo, 53% assumem-se apenas quando questionados diretamente (“out on demand” – não mentem nem omitem mas também não falam livremente) sendo que 28% sentem que assumirem-se poderá ser prejudicial para a sua carreira profissional.

Falaram-nos do Pride Business Forum, uma conferência anual que organizam anualmente em Praga para que de alguma forma as empresas também ajudem a sociedade civil no avanço do tema da diversidade e inclusão de pessoas LGBTI. Como seria de esperar os pioneiros nesta causa são grandes multinacionais que já têm políticas de diversidade e inclusão noutros países, como sendo a Vodafone, que é a maior patrocinadora do Prague Pride, a IBM, a Accenture, a Exxonmobile, a Ogilvy entre outras. Este ano o Pride Business Forum irá realizar-se no dia 16 de Junho em Praga e contará com a presença da Selisse Berry da organização Out&Equal que esteve recentemente em Portugal.

Expressaram ainda a esperança que a cultura no seio das empresas esteja a mudar sobretudo devido aos millennials que normalmente são assumidos na sua vida pessoal e querem também poder ser assumidos no local de trabalho. Mencionaram ainda que têm falta de “role models” na sociedade civil sendo que p. exemplo não existe nenhum político assumido.

Seguiu-se um testemunho pessoal muitíssimo interessante do João Soares – partner na empresa Bain & Company e ainda presidente da BGLAD (Bain GLBT Association for Diversity). Falou-nos um pouco da empresa e do seu percurso profissional desde 2004 sendo que apenas se assumiu completamente em 2012 e porque decidiu casar com o companheiro, com quem vive em conjunto com os seus 2 filhos. À pergunta sobre porque deve um administrador ou executivo assumir-se se chegou a um determinado nível profissional sem nunca ter falado sobre a sua vida pessoal deu-nos as seguintes razões:

  1. Para ter uma maior conexão com os colegas e clientes. Ao assumir-se a proximidade aumenta, a confiança e os sentimentos de partilha e pertença aumentam e as relações passam a ser muito mais simples.
  2. O à vontade pessoal – assumir-se retira o elemento “medo” – é um enorme alívio não estar sempre a pensar no que se diz e a quem se diz.
  3. Para servir de exemplo a outros – o que se torna altamente motivador especialmente quando é necessário prestar algum tipo de apoio a empregados que vivem em países onde não podem ser publicamente assumidos, como na Rússia ou nos Emiratos Árabes.

Seguiu-se o painel sobre Politicas Públicas com a participação da Joana Cadete Pires da ILGA Portugal, do João Pereira da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, e da Maria João Rosário e a Maria do Rosário Fidalgo da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego sendo moderado pelo Gonçalo Cavalheiro, da GRACE.

Este painel debruçou-se sobretudo sobre a questão da discriminação de pessoas LGBTI no local de trabalho sendo que as representantes da CITE indicaram que nunca tinham recebido nenhuma queixa relacionada com este tema. A ILGA referiu que recebe uma média de 20 queixas por ano sendo estas queixas de discriminação direta na forma de ofensas verbais ou físicas por parte de outros colegas, queixas de assédio moral por parte das chefias ou pedidos de informação p.ex sobre a obrigatoriedade de informar a empresa relativamente ao casamento com uma pessoa do mesmo sexo, uma vez que há empregad@s que temem algum tipo de represália por parte da empresa caso comuniquem o ato do casamento ou solicitem os benefícios que daí advém pela lei, como sendo os dias de licença a que têm direito e a inclusão do cônjuge no seguro de saúde da empresa.

O João Pereira mencionou ainda que está em preparação o VI Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não Discriminação e que a CIG empreenderá todos os esforços para dar relevância ao tema da não descriminação desta população em particular sendo que procurará trabalhar com várias entidades públicas e privadas no sentido de definirem práticas e políticas que se adequem o melhor possível sempre dentro do enquadramento legal que em Portugal é dos melhores do mundo no que concerne a proteção dos direitos da população LGBTI.

Seguiu-se o painel dedicado ao setor privado onde estive presente, em representação da IBM, bem como o Diogo Silva Pereira, do BNP Paribas, a Patrícia Aguiar, do Deutche Bank, o Pedro Rocha Pires, da Fujitsu, e a Francisca Macedo do WiZink Bank (que comprou a unidade ibérica do Barclaycard). Este debate foi moderado pela Marta Ramos da ILGA Portugal.

Neste painel falámos sobre as orientações internacionais que estas empresas multinacionais têm relativamente a políticas específicas para a inclusão de empregad@s LGBT e também sobre se haveria iniciativas locais nesse sentido. Descrevi um pouco o que se passa na IBM em termos globais sendo que a história de diversidade na IBM é muito antiga, tendo começado em 1899 com o recrutamento das primeiras mulheres. A não descriminação com base na orientação sexual foi incluída na política global de não descriminação em 1984 e o 1º grupo de empregados LGBT foi formado em 1995 por 3 executivos assumidos que criaram a Gay and Lesbian Task Force (hoje Global LGBT Council que já conta com centenas de representantes em todos os países do mundo). Afinal “diversity is a way of life” (diversidade é um modo de vida) é um dos lemas da IBM, e é também um dos temas referidos nos vídeos promocionais de recrutamento a nível global tal como se pode ver aqui.

Em relação às iniciativas locais a IBM Portugal conta com 2 representantes no grupo EAGLE, sendo que eu fui nomeada “Out Role Model” para além de ser líder do grupo de empregados EAGLE na área geográfica SPGI (Espanha, Portugal, Grécia e Israel). A IBM participa enquanto empresa nos desfiles anuais do Orgulho em Madrid e Telavive, sendo que a nossa delegação no WorldPride em Madrid deste ano se espera ser uma das maiores de sempre.

A Marta questionou ainda os vários participantes sobre a questão dos empregad@s transgénero, nomeadamente se teria havido alguma situação em Portugal e como teria sido lidada pelas empresas participantes. Todos comentámos que nas nossas empresas está em vigor a não discriminação com base na identidade de género, na IBM desde 2002, sendo que há várias políticas especificas dirigidas a esta população a nível internacional. No caso português apenas se referiu um caso na Fujitsu de um empregado que efetuou a transição de masculino para feminino tendo ocorrido sempre com a ajuda e suporte dos RHs e sem problemas a assinalar.

Finalmente o evento terminou com a participação da deputada Elza Pais, que se congratulou com a iniciativa da realização deste evento em Portugal e elencou todas as iniciativas legais que foram sendo aprovadas, sobretudo nos últimos 10 anos, que levam a que Portugal esteja no topo do mundo no que concerne ao enquadramento legal dos direitos e da igualdade de direitos das pessoas LGBTI. Terminou com uma citação de Hillary Clinton: “being gay is not a western invention. It is a human reality” (ser gay não é uma invenção ocidental, é uma realidade) e “gay rights are human rights” (os direitos LGBT são direitos humanos).

Aproveito para agradecer à GRACE / Carta Portuguesa para a Diversidade e à ILGA Portugal pela excelência do evento bem como o convite que me endereçaram para falar sobre visibilidade e inclusão LGBTI no local de trabalho. Espero que esta tenha sido a primeira de muitas conversas e discussões públicas e privadas sobre um tema que não pode mais continuar no armário!

Por madalenaroseta

Engenheira, mulher, mãe, lésbica e defensora ativa da igualdade de género e dos direitos LGBT.

Exit mobile version
%%footer%%