João Cláudio Maria: “Nunca senti peso na consciência por beijar um homem”

De forma a marcar o Dia (Inter)Nacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, a ILGA Portugal promoveu uma conferência com um painel internacional intitulada “Fé na Igualdade”. Aproveitando ainda o balanço do passado dia 13 de maio, a relação pessoal e interpessoal entre Religião e Igreja com pessoas LGBTI foram o centro do debate que contou com Krzysztof Charamsa (ex-padre católico polaco e ex-funcionário do Vaticano), Wajahat Abbas Kazmi (activista homossexual muçulmano paquistanês), Mark Barwick (coordenador do projeto europeu Building Communities of Trust project), Maria Eduarda Titosse (Pastora na Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal) e João Cláudio Maria (ex-maestro do Coro da Igreja de São Domingos de Castanheira de Pêra). É precisamente no discurso do maestro que nos iremos focar hoje.

O início da Conferência contou com a participação da Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino e da Presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira. Marta Ramos, da ILGA Portugal, apresentou também os dados mais relevantes do Observatório da Discriminação.

Moderado pela Fernanda Câncio, foram ouvidos os vários elementos do painel. Chegando a vez de João Cláudio Maria, este explicou que está chateado com a instituição, mas não com Deus, “foi através da Religião que pude assumir-me para mim próprio”. A sobrevivência das Igrejas depende, continuou, da “aproximação aos seus fiéis. Cada vez mais o mundo extrema-se e a Igreja ou acompanha o desenvolvimento da sociedade ou vai ficar atrasada e deixará de existir.”

O maestro explicou à plateia que um dos problemas da Igreja é a sua ambição, porque “o que nos conduz ao divino é o medo e a ambição”, sendo que o medo “liga-nos a uma entidade divina”.

Temos medo do futuro, da perda, do que não conhecemos, daquilo que é diferente. E tudo isto leva-nos a colocar a vida nas mãos de um ser omnipresente, omnisciente e omnipotente, alguém que tudo sabe, tudo conhece e tudo pode.

É neste contexto que, explica, colocamos o nosso medo. E a ambição? O João diz-nos que “é aquilo que nos faz desejar tudo saber, tudo conhecer, tudo poder”, o problema é a Igreja utiliza esse conceito a seu favor: “Ela subordina os fiéis porque é ela que tudo sabe, tudo conhece e tudo pode e é isso que está errado.”

É assim que o maestro justifica ter sido afastado, tal como outras pessoas que lhe são próximas e também tal como Krzysztof que foi afastado do Vaticano. “Mas quem dera a nós que estas histórias fossem as únicas, porque elas repetem-se todos os dias. Quantas pessoas, em nome de Deus, são expulsas da Igreja? Quantas morrem?

A homofobia, a xenofobia, o racismo são certezas bíblicas que estão lá escritas, mas são as certezas dos homens que as escreveram e não as certezas de Deus, porque o que diz Deus? Amai!

O João mostra-se, no entanto, esperançoso com o futuro, é essa também a sua Fé: “Penso sempre que hoje fui expulso do papel activo da minha Igreja, há 50 anos teria sido expulso sem o apoio daquela comunidade que acabou por me ajudar, há 500 anos seria queimado vivo. Estamos, portanto, a progredir [risos]” E relembra que é importante não deixar de acreditar, porque “é por isso que estamos aqui hoje, porque se acreditássemos que o preconceito iria sempre existir não lutaríamos”.

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Relembrando que, embora tenha tentado escondê-la inicialmente, sempre se sentiu homossexual, o maestro questionou a plateia sobre o que diz a Igreja sobre a homossexualide? E, em tom irónico, respondeu: “Não é muito correcto ser-se homossexual, errado é praticá-lo [risos]”. Ao que contrapôs explicando que quando pratica um pecado sinte sempre um peso na consciência, mas, rematou, “nunca senti peso na consciência por beijar um homem [aplausos]”.

É impossível não falar no processo de coming out sem mencionar a liberdade e o João entendeu que assumir perante a comunidade e as pessoas “é uma escolha”, mas “é igualmente claro que assumir, à partida, é também libertar. E libertar é viver em pleno, porque “fora isso é apenas uma sobrevivência.”

No entanto, o maestro reconheceu que ainda há um preço a pagar pela decisão em se assumir homossexual, mas que o importante é reconhecer também o preço do armário e da homofobia. “Houve senhoras que não gostavam do meu namoro, mas que me defenderam, porque conseguiram enxergar o prejuízo do preconceito – neste caso da música”, concluindo que não se arrependeu do seu coming out, porque “ainda que eu não cante, escolhi ser eu”.

Todo este processo e a polémica que se instaurou a nível nacional sobre a expulsão do coro fizeram hoje o João entender – “mas não compreender” – que talvez a Igreja não seja o seu lugar, “não lido bem com a mentira e a hipocrisia.” Contou então uma pequena curiosidade que lhe aconteceu no passado dia 13, aquando da sua peregrinação a Fátima: “Sendo um rapaz bonito no Seminário – não sou assim tão feio – recebi mensagens, propostas, algumas mais tentadoras que outras! [risos] e sabe tão bem não viver nessa hipocrisia”, isto porque se o João continuasse a esconder quem é “não haveria problema.”

A Igreja pode moldar-se à realidade da sociedade? Segundo o maestro, esta “é um meio complexo que se desliga muitas vezes das novas gerações. Hoje amar é que é importante. Essa busca é uma vitória em si e que não pode ser só de minorias.”

A Igreja parece-lhe não evoluir ao ritmo da sociedade e, disse, “sente-se frustrada pela perda do poder que outrora teve” ao longo de 1800 anos “a comandar a vida das pessoas”. Mas hoje, relembrou, “quem comanda a vida e a sobrevivência da Igreja somos nós. E a Igreja, se quer sobreviver, tem que perceber que depende das pessoas.” Para tal, “a Igreja não tem que aceitar a homossexualidade, mas tem que encontrar no seu íntimo o verdadeiro evangelho de Jesus: amai-vos! O maestro João Cláudio Maria, terminou o seu discurso rematando: “Porque quando amamos somos tudo o resto.” Sejamo-lo, portanto. Sejamo-lo orgulhosamente.

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Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, discursa no início da conferência

Fonte: Imagem.

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