Contra Cirurgias Desnecessárias A Bebés Intersexo

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A Amnistia Internacional (AI) alertou na semana passada para o facto de crianças recém-nascidas intersexo serem submetidas a intervenções médicas desnecessárias e traumatizantes que violam os seus direitos humanos. Na Dinamarca e na Alemanha, estas operações não urgentes são feitas a bebés e a crianças com menos de dez anos. Em Portugal não é diferente, há crianças que nascem sem sexo definido e são operadas à nascença, numa decisão entre a equipa médica, pais e mães, mas o Governo pretende proibir estas cirurgias e esperar que seja a criança a definir o seu próprio género.

Estas operações ‘normalizadoras’ realizam-se sem conhecer plenamente os danos a longo prazo nos menores de idade. Estas incisões em tecidos sensíveis, com consequências para a vida inteira, baseadas unicamente em estereótipos sobre o aspecto que deve ter um menino ou uma menina”, referiu a investigadora Laura Carter, especialista da AI sobre orientação sexual e igualdade de género. “Às pessoas submetidas a estas práticas foi uma experiência trágica”, rematou.

A AI pede que legisladores e profissionais de saúde dos dois países garantam que “nenhum menor de idade seja submetido a tratamentos “não urgentes, invasivos e irreversíveis”, defendendo igualmente que “a pessoa possa de forma significativa participar na determinação do que fazem ao seu corpo“.

E o que acontece em Portugal com as pessoas Intersexo?

Estima-se que cerca de 0,05% a 1,7% da população mundial seja Intersexo. No entanto, em Portugal não é possível estimar um número concreto destas alterações, uma vez que não existe uma base de dados comum a todos os hospitais. Em 2015 foram reportados apenas seis casos de bebés Intersexo em 2015 em Portugal. A nível europeu foram registados 24 bebés.

Por cá, são feitas correções que permitem a uma criança que não se identifique com o sexo de nascença ou atribuído – o que acontece em 5% dos casos – possa ver revertida a cirurgia se essa for a sua escolha no futuro. “Não se fazem mutilações”, garante Fátima Alves, cirurgiã do Hospital D. Estefânia.

Mas como foi referido, o Governo pretende alterar estes procedimentos. Foi aprovado recentemente em Conselho de Ministros um projeto de lei que proíbe a realização destas cirurgias, bem como de tratamentos que impliquem alterações ao nível do corpo ou de características sexuais, até que haja uma autodeterminação de género por parte da criança.

O diploma refere que não devem ser realizadas cirurgias em crianças intersexo, a não ser por razões de saúde clínica, e só devem ser feitas após a identidade de género estar expressa”, explicou a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino.

Desta forma, quando a criança manifestar a sua identidade de género, os tratamentos e as cirurgias serão feitas mediante consentimento da própria e através dos pais ou representantes legais. “O que marca esta legislação é que fica definido quais são os procedimentos a tomar“, reiterou a secretária de Estado.

Este projeto de lei, que terá ainda de ir a votos no Parlamento, é portanto uma maneira de regulamentar estas práticas. Aliás, o Ministério da Saúde irá elaborar “um protocolo de intervenção” para se definir como abordar estes casos. “É do superior interesse da criança definir regras“, refere a Catarina Marcelino.

O projeto de lei prevê ainda que sejam adotados procedimentos para que, em ambiente escolar, as crianças “possam adotar o nome com o qual se identificam na sua expressão de género”. Este projeto de lei vai ao encontro de recomendações de instituições internacionais, mas também nacionais.

Santiago D’Almeida Ferreira, a única pessoa intersexo assumida em Portugal e um dos presidentes da associação Ação pela Identidade (API) refere que “à partida, as cirurgias acontecem por questões estéticas, portanto pode-se aguardar para que a criança ou jovem possa realmente conseguir perceber o que se passa”, acrescentando, contudo, que muitas pessoas intersexo “identificam-se com o género que lhes foi atribuído”, sendo que o problema maior está “no corpo” e naquilo a que este foi submetido. “Os casos que chegam à API e que mais me tocam são de pessoas na casa dos 50/60 anos que foram submetidas a cirurgias, em bebé, e continuam até hoje sem se sentirem bem com o que lhes foi feito porque não tiveram informação”.

Este é um sentimento, aliás, confirmado pela Amnistia Internacional: “em algumas ocasiões estas intervenções médicas são precisas para proteger a vida ou a saúde do menor de idade“, mas “nem sempre é assim“, de acordo com testemunhos de pessoas que relataram “o trauma físico e mental que sofreram” por causa das desnecessárias intervenções.

As Nações Unidas lançaram uma campanha de sensibilização em que pedem aos Governos e a pais e mães que protejam as crianças intersexo de abusos. Em muitos países, as crianças intersexo são submetidas a cirurgias e tratamentos para tentar alterar as suas características sexuais e a sua aparência, causando-lhes terríveis dores físicas, psicológicas e emocionais, tal como violando os seus direitos.

Fontes: Público e Observador.