World Pride Madrid: Na Linha Da Frente Do Orgullo

Foram cinco dias intensos que passámos com grupo de amigos e amigas em Madrid. Foram cinco dias em que vivemos numa cidade que se transfigurou para receber o World Pride. Que não sobrem dúvidas, é um tremendo evento, organizado até ao milímetro, com segurança reforçada e, sim, altamente lucrativo. Foram 3 milhões de pessoas que viveram o World Pride e assistiram aos vários concertos e, claro, a grande Marcha do Orgullo no sábado. A organização terá arrecadado 200 milhões de Euros e a cidade uns impressionantes 300 milhões – diretos.

Uma pessoa que chegasse a Madrid nesses dias dificilmente escaparia ao fenómeno que se celebrou na capital espanhola. Publicidade institucional e comercial arco-íris espalhada por cartazes, ecrãs e, ainda com mais impacto, grandes edifícios do Estado e Governo, mas também de grandes bancos e hotéis. Nestes dias o estranho era não ver a alusão ao Orgullo de alguma forma nas montras do centro da cidade.

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Todos os dias do World Pride Madrid 2017 houve concertos e espetáculos em várias praças da cidade, artistas de dance-pop, dj sets e drag shows. À boa maneira espanhola, a cidade ofereceu inúmeras atividades, onde até corrida de homens em saltos-altos pelas calçadas madrilenas juntaram multidões. Mas não só de euforia – e chegaremos a Loreen – se celebrou o evento. No Centro Cultural Cibeles, por exemplo, vimos a exposição “El Derecho A Amar” (O Direito A Amar) da fotógrafa Isabel Muñoz e onde pudemos ver, entre imagens de pose artística, madrilenos e madrilenas que marcaram a cena LGBTI da capital, nos seus locais de vivência, seja num bar ou numa escola.

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Já no quarto piso do Centro Cibeles encontrámos a exposição “Subversivas – 40 años de activismo LGBT en España“. Nela descobrimos as décadas de avanço que Espanha possui em relação a Portugal  nas questões do ativismo LGBTI, tendo, por exemplo, a primeira marcha autorizada ainda na década de 1970 (em Portugal aconteceu apenas no final da década de 1990). Por outro lado, lemos que até essa altura houve detenções de pessoas LGBTI que eram encarceradas. No caso dos homens, os ‘ativos’ iam para uma prisão diferente dos ‘passivos’. A exposição focou também na importância das mulheres, lésbicas e feministas em todo o movimento. A questão da identidade de género, tal como em Portugal, é uma das derradeiras reivindicações do ativismo madrileno.

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É precisamente a importância das lésbicas e a sua visibilidade no ativismo LGBTI que é um tema impossível de ignorar nos cinco dias que estivemos em Madrid. Não é por acaso que surgiram críticas ao World Pride por se focar excessivamente nos homens, em especial os musculados e com altos rendimentos. Alguns grupos acusam a organização de não incluir uma única mulher lésbica ou bissexual no seu manifesto. E se é verdade a importância simbólica dessa presença, é inegável que o evento apresenta uma enorme disparidade entre géneros. Entenda-se, vimos nas ruas pessoas de todas as idades, raças, estilos, mas era-nos absolutamente clara a prevalência de um subgrupo da população LGBTI: os gym addicts, chamemos-lhes assim.

Importava ver uma organização a esforçar-se por atrair outros subgrupos em tão grande número para o World Pride, mas essencial mesmo era que a representatividade de género fosse próxima do equilíbrio. As lésbicas não são um subgrupo da população LGBTI, mas nas ruas e praças da Chueca eram uma clara minoria difícil de justificar senão com o machismo entranhado na sociedade, incluindo no ativismo LGBTI. O homem continua a ser o centro das atenções, até no World Pride.

Chegou sábado e com ele o grande dia da Marcha do Orgullo:

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Com um pequeno grupo de amigos e amigas, decidimos participar ativamente na marcha em vez de a ver passar. Tanto uma como outra opção dar-nos-ia visões distintas da marcha, mas – e as imagens não deixam enganar – todas as pessoas estavam ali a celebrar o Orgullo, em uníssono.

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Pormenor do percurso da Marcha do Orgullo no Google Maps

Conseguimos, de alguma forma, alcançar o início da parada e aí demos com largas dezenas de jornalistas que, com os seus microfones, máquinas de fotografar e filmar, entrevistavam figuras políticas e do ativismo espanhol que ali se encontravam. Toda uma máquina bem oleada com a imprensa que ali se deslocou em peso para noticiar o evento. Difícil não fazer a comparação com Portugal em que os média, quase sem excessão, ignoram por completo os Prides celebrados no país. Somos realmente (ainda) pequenin@s.

 

É difícil de entender o peso que aqueles milhões de pessoas nas ruas tem. Fomos na linha da frente da marcha e fomos vendo as fileiras e as laterais das ruas e avenidas a adensarem-se de gente até ao final da marcha. Estávamos rodead@s. De Orgullo. E dançámos, acenámos, brincámos com quem ia a nosso lado, tal como quem nos via passar. Notável ambiente de celebração. E depois terminámos a caminhada, sentámo-nos mais abaixo à sombra e a descansar os cansados pés. Atrás de nós ouvimos a restante marcha avançar, foram horas de associações, grupos, coletivos que ali marcharam e no final dezenas de carros e camiões festivaleiros.

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No final da noite houve um evento em que a organização passou o testemunho ao próximo país a organizar o Euro Pride 2018, primeira vez celebrado a duas cidades: Estocolmo e Gotemburgo, na Suécia. E depois seguiu-se concerto com a temática da Eurovisão com a portuguesa Suzy, a Conchita Wurst e a grande – grande! – Loreen.

E foi com euforia que o World Pride se despediu, domingo foi dia calmo e de despedida para muitas das pessoas que visitaram a cidade. E quem lá ficou até segunda – como o nosso caso – vislumbrou um regresso à normalidade, o final da ilusão. Todos os sonhos têm um fim e o regresso ao dia-a-dia de Madrid, já com palcos desfeitos e bandeiras arcos-íris retiradas, pode parecer algo penoso de se viver.

Mas não tenho dúvidas que a proximidade é a chave do sucesso para aquilo que defendemos e lutamos. É a proximidade entre as pessoas, a partilha das emoções – em que o teu e o meu são nosso – a celebração em uníssono, mesmo que por apenas uns dias, trará um sentimento de compaixão a muitas pessoas que, de outra forma, dificilmente poderiam sentir. E é essa a esperança e, espero, a grande lição de um evento tão gargantuano como este World Pride Madrid 2017, que cheguemos às pessoas. E assim, teremos meio caminho andado.

¿A quién le importa? é o hino do Orgullo, reeditado com a colaboração de vári@s artistas e em tom épico no seu dance-pop é perfeito para a festa. Mas, em modo de rescaldo, sugiro a bela versão da feminista e brilhante Bebe:

 

¿A quien le importa lo que yo haga?
¿A quien le importa lo que yo diga?
Yo soy así, y así seguiré, nunca cambiare
¿A quien le importa lo que yo haga?
¿A quien le importa lo que yo diga?
Yo soy así, y así seguiré, nunca cambiare

 

Nota: Poderão ver todas as fotografias no álbum World Pride Madrid 2017 na nossa página do Facebook.