Os Beijos De Cristina

A revista Cristina lançou esta semana duas capas simultâneas: uma com duas mulheres, Kateryna e Susana; outra com dois homens, Ricardo e Bruno. Em comum um beijo. Apesar de ambos os casais estarem juntos e casados há quatro e três anos , respectivamente, e de as capas terem sido anunciadas com os motivos d’o amor. ❤ e #contraopreconceito #lifeissimple #loveislove, a verdade é que as reações não tardaram em chegar. Noto com isso dois detalhes em relação às duas capas e sobre quem reagiu a ambos os beijos, uma distinção que, julgo, estar longe de ser uma coincidência e, pior, ser inocente:

  1. A fotografia dos dois homens recebeu cerca do quádruplo das partilhas e dos comentários e em termos de reações (likes, loves, iras) 2,4% foram negativas;
  2. Por outro lado, a fotografia das duas mulheres recebeu, portanto, apenas um quarto das partilhas e comentários e as reações negativas tiveram metade do peso da capa análoga masculina.

Ou seja, pergunto, serão estes números reflexo de uma sociedade que continua a valorizar a visibilidade dos homens? Dando-lhe partilhas e comentários em muito maior escala que uma imagem com o mesmíssimo conteúdo, mas com mulheres? Misoginia much?

Como revés dessa atenção, serão as reações negativas em maior escala igual espelho de uma sociedade machista que se choca mais ao ver dois homens trocarem um beijo e traindo assim, julgo entender, o seu papel de macho dominante? Já nas mulheres, será isto reflexo do menosprezo e invisibilidade da sua própria sexualidade pela sociedade? Será a capa delas menos chocante e invoca menos partilhas e comentários porque são vistas como um assunto menor?

Quanto ao conteúdo dos comentários há, de facto, de tudo, mas há alguns recorrentes a quem esteja minimamente atento a estas “polémicas”. Ora vejamos:

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[imagens cedidas pela Cátia Domingues ♥️]

Mas esqueçamos, por momentos, o ódio explícito representado nas imagens acima. Não é incomum lermos quem considere estes acontecimentos e estas notícias desnecessários. Vêem-nos como uma afronta, uma provocação, sem o direito de existirem por si só. E se o argumento da provocação poderá ser válido – especialmente quando falamos em cultura, qual o ou a artista que não pretende obter uma reação de quem vislumbra a sua obra? – a minoração do seu conteúdo dificilmente poderá ser justificado, especialmente quando tenta que haja um claro silenciamento a quem mostra, a quem cria, a quem beija.

A prova de que ainda hoje faz sentido noticiar certos acontecimentos é, precisamente, a existência deste tipo de argumentos, sejam de puro ódio, sejam de silenciamento, remetendo as pessoas em causa para a invisibilidade. Como se os seus beijos fossem menos válidos que os das inúmeras capas de revistas entre casais heterossexuais. Porque estas reações escondem nas entrelinhas a lógica do “façam o que quiserem, mas longe da minha vista; sejam gays e lésbicas à vontade, mas ai de mim que vos veja, ai de mim que vos apanhe“. E isso é simplesmente homofóbico. Mais, é simplesmente homofóbico em igual peso que um qualquer comentário mesquinho. Porque, para além de toda a lógica de invisibilidade imposta a um grupo de pessoas que calha amar alguém do mesmo sexo, impõe também uma invisibilidade a todas as pessoas, em especial adolescentes, que procuram exemplos, procuram identificar-se com outras pessoas a si semelhantes.

Crescer no mundo com a ilusão da solidão é especialmente difícil e cruel para quem tenta encontrar-se e estes exemplos são, muitas vezes, a força para que as pessoas superem os seus próprios preconceitos, sejam ou não LGBTI. Estas capas ajudam adolescentes a entender que não estão – não estamos – sozinh@s. 

Pensemos, são duas capas, em – quê? – doze ou treze números desta revista. São duas capas, espelho de Amor, contra dezenas de outras capas de fofocas e rumores – quantas vezes com insinuações extremamente negativas sobre a imagem do que é ser-se LGBTI. 

Estas são duas capas em que o foco é o Amor e, ainda assim, há quem as julgue. Mas não há que complicar o que nos é apresentado. Estas são duas capas. Dois casais. Dois beijos. Celebremo-los. Simplesmente.

Imagens: One Woman Show


Ep.196 – famílias & Famílias, Sasha Velour & The Big Reveal Dar Voz a esQrever: Notícias, Cultura e Opinião LGBTI 🎙🏳️‍🌈

O CENTÉSIMO NONAGÉSIMO SEXTO episódio do Podcast Dar Voz A esQrever 🎙️🏳️‍🌈 é apresentado por nós, Pedro Carreira e Nuno Miguel Gonçalves. Falamos da polémica em torno do livro ultra-conservador apresentado por Pedro Passos Coelho e que tem feito correr muita tinta e fel nas últimas semanas e acima de tudo destacamos que as famílias não são/nem devem/nem queremos que sejam todas iguais. E a propósito de família falamos de Sasha Velour e do espetáculo ativista de respeito pela história queer com que ela encheu o Coliseu dos Recreios, "The Big Reveal"; e também do livro-manifesto que lhe deu nome. E ainda destacamos o AbriLés 2024! Artigos mencionados no episódio: A minha família é melhor que a tua? Ordem dos Psicólogos recebeu nova queixa contra Maria José Vilaça e deverá pronunciar-se dentro de um mês AbriLés 2024: Celebrar a Visibilidade Lésbica em Portugal Jingle por Hélder Baptista 🎧 Este Podcast faz parte do movimento #LGBTPodcasters 🏳️‍🌈 Para participarem e enviar perguntas que queiram ver respondidas no podcast contactem-nos via Twitter e Instagram (@esqrever) e para o e-mail geral@esqrever.com. E nudes já agora, prometemos responder a essas com prioridade máxima. Podem deixar-nos mensagens de voz utilizando o seguinte link, aproveitem para nos fazer questões, contar-nos experiências e histórias de embalar: https://anchor.fm/esqrever/message 🗣 – Até já unicórnios #Famílias #Conservadorismo #SashaVelour #TheBigReveal — Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/esqrever/message
  1. Ep.196 – famílias & Famílias, Sasha Velour & The Big Reveal
  2. Ep.195 – Raffaella Carrà, Orville Peck e Drag Race
  3. Ep.194 – "As Gays", Tig Notaro e Cowgirl Beyincé

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4 comentários

  1. Achei ótimas as capas. Acho que as reações às capas são muito interessantes de analisar. No entanto, incomoda-me um pouco uma figura pública tão neutra relativamente aos LGTBQ associar-se à causa para vender revistas. Talvez esteja a ser injusto,

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