Foi anunciado no início do mês de Julho que o Metro de Londres iria mudar a sua saudação do tradicional e reconhecível “Senhoras e senhoras (Ladies and Gentlemen)” para “Olá a todas e todos (Hello everyone)” de forma a tornar a saudação mais inclusiva e abrangente. Se muitos foram os grupos e associações de direitos LGBTI a elogiar esta mudança, mais ainda foram as vozes que se insurgiram contra ela. Inúmeros gritos de revolta foram bradados como resposta a este (vergonhoso) lobby fascista do politicamente correto, que derruba todos os dias tradições seculares e policia a liberdade de expressão dos homens de bem.
São as mesmas pessoas que acham exagerada e condenável a disseminação de arco-íris no mês do Orgulho LGBT ou qualquer demonstração pública do mesmo. Ou os que são veementemente contra a celebração do dia das mulheres e querem um dia do Homem ou do Orgulho Heterossexual. Ou que os emigrantes e seu ascendentes devem ter menos regalias que os patrícios nacionalistas. Curiosamente quase todos homens cis brancos e de ideologias políticas a atirar para o conservador, em suaves tons de facho (porque é Verão). E mais que ocasionalmente são fervorosos católicos, dos que vão à missa nos casamentos e quando morre alguém, e que só querem ver as suas crenças representadas, ai, obedecidas por este maldito estado a-atirar-para-o laico. Estes pobres revoltados defendem que a tentativa moderna de inclusão de minorias ou grupos oprimidos está a levar a uma transfiguração da sociedade que conhecemos em prol do politicamente correto e em desprimor às tradições que se querem ver mantidas. Imagine-se, já nem se pode ter uma amizade com outro macho sem o risco de ser falsamente percepcionado como gays. C’orror, pior coisa de sempre. Mas “melhor” ainda, confessam-se vítimas destes terríveis ataques à sua própria liberdade de expressão e possibilidade de fazer públicas as suas opiniões, tão bem fundamentadas com artigos do i. Estão a ser *gulp* oprimidos.
Em primeiro lugar, e agora vou falar-lhes na segunda pessoa de forma informal como boa mana-companheira da discriminação: BEM VINDOS À OPRESSÃO. Vão receber o kit de boas vindas na morada pessoal preenchida no formulário. Não se preocupem, ele vem embalado de forma discreta, em cartão canelado como as caixas da Fagazon e sem borboletas decorativas nem outras paneleirices no embrulho de forma a manterem a vossa virilidade intacta para com os restos dos vizinhos. Aqueles que já acham que vocês tresandam a lube de cereja usado quando os cumprimentam no hall de entrada. Nele vem um fabuloso par de óculos de ver ao perto, estilo Dame Edna – assim cor-de-rosa mas daquele cromado que dá com tudo. Vem também no fundo da caixa um papel onde vão poder ler a definição da palavra PRIVILÉGIO:
pri·vi·lé·gi·o
(latim privilegium, -ii, lei de excepção, favor)
substantivo masculino1. Direito ou vantagem concedido a alguém, com exclusão de outros.
2. Título ou diploma com que se consegue essa vantagem.
3. Bem ou coisa a que poucos têm acesso.
4. Permissão especial.
5. Imunidade, prerrogativa.
6. Qualidade ou característica especial, geralmente positiva. = DOM
Não surpreendentemente é um substantivo masculino, obrigado Priberam. E os pontos 1, 4 e 5 da definição são mais que explícitos. Já perceberam que de facto vocês são tão oprimidos quanto a madre superiora que é anfitriã de uma orgia paneleira no Vaticano? É verdade: à medida que a sociedade vai tentando, ao custo de muitas vidas perdidas nas décadas de luta pela igualdade, tornar-se progressivamente mais inclusiva… a puta do privilégio é ameaçado. Lá se vai a “liberdade de expressão”. Que vocês entendem como o direito de arrotar insultos que minoriza grupos inteiros de pessoas, aquelas que não partilham os mesmos refegos de sofá no rabo. E quando caem mal são descartados enquanto palermices que não devem ser criticadas e apenas uma fatia saborosa de Democracia. Na realidade, querem continuar a ter permissão para hierarquizar a plebe, convosco sempre no topo da pirâmide em regime esclavagista, a chupar uvas das mãos de matulões bronzeados semi-nus em cuecas da Aussiebum e a berrar ordens para todos os degraus abaixo. E fazê-lo orgulhosamente, pun intended, sem consequências.
Pois é, agora já não podem emitir discursos de ódio disfarçados de “livre opinião num estado democrático” sem que isso tenha uma ou duas consequências. A impunidade neo-colonialista de que tanto se regozijavam está (muito lentamente) a desaparecer, por isso aproveitem bem estas últimas décadas de privilégio, doce e inadulterado. Chatice, é possível que esteja mesmo a chegar o dia em que vão ter de o passar a fazer quase exclusivamente na secção de comentários do Público ou no Facebook do Correio da Manhã, juntamente com todos os outros colegas de acefalia que ainda estão à espera que o Salazar se levante da cadeira. Ou então façam-no sobre o aval da vossa liberdade de expressão no Observador, Expresso ou Público como as outras manas assadas do CDS. Mas descansem, atrás de um computador o som de qualquer teclado a ser odiosamente e virilmente devassado perde-se facilmente no barulho nervoso do vibrador em segunda mão que compraram no OLX. Porque há privilégios que têm de ser preservados.
Imagem: Salon