As crenças pessoais são a homeopatia das discussões sérias

Todos temos o direito à opinião. Mas isso não pressupõe que tenhamos razão, e muito menos que não possamos ser contestados pelo que dissemos, independentemente de quem somos. Infelizmente, hoje em dia a maioria não parece estar interessada em discutir o que quer que seja; achamo-nos todos senhores da razão, atirando umas palavras cá para fora nas redes sociais e tapando os ouvidos (ou os olhos) de seguida. Posto isto, penso ser importante esclarecer alguns pontos a todos os raposinhos que se sentem insultados pela contestação a Gentil Martins:

  1. Em alguma declaração foi esta pessoa apresentada simplesmente como o António Martins? Toninho, talvez? Pelo que li, veio sempre antecedido por um “cirurgião”, um “Prof.”, um “Prof. Dr” até. Isto deve valer alguma coisa, não? Significa que quem veio a público falar não é apenas mais um cidadão, mas sim um médico, com títulos e experiência comprovada.
  2. Como médico, esta pessoa tem responsabilidade acrescida. E se um médico viesse a público defender que a homeopatia era a cura para uma doença grave, mesmo quando já se provou que a homeopatia não funciona? Não podia (e devia) ser contestado? Aos que dizem que está a ser vítima do politicamente correcto e que não é justo, tendo em conta a sua experiência e currículo, relembro que ninguém pode ser intocável.
  3. Se querem falar sobre assuntos sérios na esfera pública, tudo bem, façam-no. Mas entrem nessa conversa informados e com a seriedade que isso implica. Gentil Martins disse sobre a homossexualidade: “[…] se me perguntam se é correto? Acho que não. É uma anomalia, é um desvio da personalidade” E este é o problema: nenhuma crença pessoal ou religiosa, sobretudo de um médico, se pode achar no direito de se sobrepôr a factos. Homossexualidade não é uma anomalia; isto é um facto. Segundo uma declaração da Associação Americana de Psiquiatria de 2016: “[…] the latest and best scientific evidence shows that sexual orientation and expressions of gender identity occur naturally, and pose no threat to societies in which they are accepted as normal variants of human sexuality.

 

E aqui sim, não pode haver discussão. É como estarmos a debater a cura do cancro e a colocar a quimioterapia e a homeopatia no mesmo nível. Não estão. Uma é baseada em ciência; a outra em crenças. Considerar que ambos os argumentos têm o mesmo valor abre a porta para um confuso e perigoso caminho. E da mesma maneira que há consequências muito graves quando falsas informações médicas defendem homeopatia para tratar doenças graves, também declarações erradas como esta, que perpetuam a patologização da homossexualidade, podem ter repercussões negativas gravíssimas para o bem-estar de uma criança ou adolescente LGBTI. Se alguém discorda da homossexuliadade, que apresente factos; mas é bom que percebamos que o problema reside na pessoa que discorda, e não na homossexualidade em si.

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