Um Homem Entre Mulheres

INDIA-RELIGION-HURANGA

“Lisboa precisa de todos”. “Juntos pela nossa Lisboa”.

Tal como a imagem que o acompanha deixa adivinhar, este não é um texto sobre as autárquicas, mas as mesmas irão nos próximos meses vincar uma ideia que algumas pessoas acharão um pormenor, uma ideologia bacoca defendida por “quem não tem mais nada com que se preocupar“, que estas questões “não são verdadeiramente importantes” e que, claro está, existem sempre “assuntos mais urgentes para discutir“. É nesse sentido que a fotografia acima se insere, símbolo do contraste entre um homem e muitas mulheres. Escrevo sobre o uso de expressões neutras e inclusivas. Mas resistam fortes ao impulso de revirar os olhos, porque para tal usarei um exemplo simples que me aconteceu nos últimos dias.

Estou numa conversa no Whatsapp em que os homens são a minoria. Nesse chat, para além de serem combinados encontros desportivos, existe a partilha do dia-a-dia dos vários elementos, que ali encontram um ponto de união seguro e privado. Sou muitas vezes o único homem a participar nas conversas. Literalmente um homem entre mulheres. Pergunto-me quantos de nós não sentiria estranheza e talvez até desconforto por se encontrar num ambiente maioritariamente ocupado por mulheres? O que provocará essa sensação? Para alguns talvez se trate do ganho de consciência em serem uma minoria e aquilo que pode significar a perda de  privilégio. Quando de manhã alguma rapariga deseja os bons dias “às meninas“, é natural sentir-me excluído? Quando durante um jogo em campo existe uma troca de atleta e fica decido que “vai para a equipa delas“, devo relembrar que também estou ali presente?

Que direito tenho eu, homem, para exigir que mulheres não se esqueçam de mim quando falam? Este tem sido um excelente exercício em que, para além do princípio em si, consegui entender, através de uma experiência isolada, a importância do uso de expressões neutras ou inclusivas. Porque só com elas me poderei sentir verdadeiramente incluído num grupo. E a verdade é que aquelas raparigas, com quem partilho algumas horas por semana, têm feito efectivamente esse esforço. Na realidade nem esforço é, mas sim um hábito, mais ou menos consciente e socialmente aceite que a regra da palavra beneficia e dá visibilidade ao masculino. E estas raparigas, para além dos dotes desportivos, entendem no seu dia-a-dia como são secundarizadas e invisibilizadas numa sociedade que precisa de “todos os portugueses unidos“.

Dirão algumas pessoas que é uma questão de tradição, que assim está estipulado desde há séculos ou milénios. Mas quereremos nós perpetuar um hábito que exclui mais de metade da população mundial por uma convenção que, se não for arbitrária – e não creio que o seja -, é certamente misógina? Não valerá o esforço em quebrar um costume quando a linguagem, uma das formas mais eficazes de passar e receber a mensagem, incluir toda a gente por padrão? Importa pensar na mensagem que, desde tão cedo, jovens recebem nos primeiros anos de vida. O que pensarão eles? O que pensarão, por oposição, elas? O que lhes é transmitido em nome de um hábito que, geração após geração, continua a ser perpetuado? Na solução não me refiro a novas palavras ou variações de já existentes, mas sim numa linguagem que, em vez de excluir, inclua. Simples. Eduquemos e eduquemo-nos, portanto e por todas elas (e eles).

 

Fonte: Imagem.

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