Como A Cor De Rosa Se Tornou Sinónima De Feminino

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Cor de rosa para as meninas, azul para os meninos, é esta a norma da cultura ocidental que parece eterna e que se foi infiltrando no subconsciente da sociedade ao ponto de nos chocar quando alguém quebra essa regra. Mas será este um caso em que “sempre assim foi”? Para tal teremos que recuar ao pós-Segunda Grande Guerra.

Durante a História as cores rosa e azul não tiveram uma conotação de género. Em 1868, no livro “Mulherzinhas” (Little Women), uma personagem colocava fitas cor de rosa e azuis nos pulsos de dois bebés, menina e menino, para os distinguir. Esta é vista muitas vezes como uma primeira influência na ligação destas cores a ambos os géneros, mas na realidade durante décadas bebés continuaram a ser vestidos quase sempre de branco. Um catálogo em 1918 inclusive recomendava que as meninas fossem vestidas de azul por considerar a cor de um tom “mais delicado”.

Homens e mulheres continuaram a usar cor de rosa durante a década de 1920, ainda que fosse vista como uma cor chamativa e extravagante para os homens. Em “O Grande Gatsby”, Tom rejeita Gatsby ao afirmar ser “um homem de Oxford! Pode lá ser! Ele usa um fato rosa”. No entanto, Gatsby poderia ter frequentado a Universidade de Penn State. As cores da equipa de futebol eram rosa e preto durante o século XIX. Hoje em dia, o balneário da equipa visitante da Universidade de Iowa é pintado de rosa para desmoralizar a oposição, tal é o poder entranhado do simbolismo do rosa. Mas Tom não acusou Gatsby de ser feminino, ele chamou-o sim de novo rico e de mau gosto. Foi só depois da Segunda Guerra Mundial que a cor de rosa começou a ser associada a uma imagem feminina.

As pessoas formaram essa associação em grande parte porque era a cor favorita da primeira dama Mamie Eisenhower [acima]. E ela escolheu a cor simplesmente porque gostava da forma como ela realçava o seu tom de pele e os seus olhos azuis. O seu estilo tornou-se na antítese dos fatos-macaco que as mulheres usavam para trabalhar nas fábricas durante a guerra. O seu estilo reflectia a ideia que, regressados os homens da guerra, as mulheres podiam agora regressar aos papéis tradicionais como donas de casa. A própria Eisenhower disse acerca do marido: “o Ike dirige o país. Eu viro as costeletas de porco!”, acrescentando que “eu tenho uma carreira. O nome dela é Ike”. E essas costeletas eram viradas numa cozinha que ela mandara pintar totalmente de rosa. O seu gosto pela cor espalhou-se à restante Casa Branca que passou a ter muitos mobiliário cor-de-rosa ao ponto de ser chamada de Palácio Rosa.

Apesar de aos dias de hoje parecer uma clara opressão ao papel das mulheres na sociedade, vale a pena notar que a maioria das mulheres nos anos 50 do século passado acolheu esse tipo de vida doméstica. Como tal, um número surpreendente de produtos domésticos cor de rosa foi produzido e consumido nos anos pós-guerra. Mamie Eisenhower, mãe do rosa, até bolas de algodão rosa tinha! Os guardanapos sanitários começaram a ser rosa para que as mulheres pudessem “sentir-se delicadas” ao usá-los. Cosméticos passaram a ser apresentados em caixas – adivinharam – cor de rosa.

No entanto, algumas das mulheres norte-americanas, acompanharam a enorme tendência rosa de uma forma mais calculada. No filme “Cinderela em Paris” (Funny Face) de 1957, o personagem da editora interpretada por Kay Thompson, Maggie Prescott – baseado em Diana Vreeland – declara que toda mulher deve “banir o azul e queimar o preto”. E fê-lo, porque o vestuário de luto e as roupas de trabalho de ganga eram duas cores que as mulheres vestiam poucos anos antes. O momento mais irónico surge, no entanto, no final de um número musical quando Maggie é questionada se ela própria vai usar cor de rosa, ao que ela responde imediatamente: “Nem morta!”. Muitas das mulheres que ajudaram a tornar a cor de rosa uma tendência não estavam minimamente interessadas nos ideais a ela relacionados.

Desde então, algumas mulheres passaram a usar a cor de rosa como uma ferramenta para disfarçar ou suavizar a sua imagem. Pense-se em exemplos modernos como em “Giras e Terríveis” (Mean Girls), Dolores Umbridge de “Harry Potter”, ou até Hillary Clinton que usaram roupas cor de rosa para esconder a sua natureza perigosa ou suavizar a imagem de uma mulher no poder, por vezes mal vista numa sociedade misógina.

Esta associação entre algumas cores e o género é, portanto, uma história recente. E, para deixar claro, obviamente que não há nada de intrinsecamente errado em meninas gostarem de cor de rosa, tal como o mesmo é verdadeiro para meninos que gostem dela. São construções sociais, neste caso com algumas décadas, que se baseiam no gosto pessoal de uma influente mulher. Apenas e só isso.

Fonte: Racked.

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon: @pedrojdoc

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