O programa “E Se Fosse Consigo?” – que no ano passado levou a questão a várias áreas, nomeadamente a da homofobia – começou a sua segunda temporada e é possível ver em vários outdoors a campanha que o promove. Num deles podemos ver Andreo Gustavo [acima] a segurar uma fotografia acompanhado da afirmação “Eu era a Andreia. Ninguém percebia que eu era transexual“. A escolha gráfica e sumária da campanha levanta, porém, algumas questões.
É que, apesar do contexto pessoal – e nada leva a crer que o Andreo não se reveja na campanha – esta será uma das primeiras campanhas verdadeiramente nacionais que toca o assunto das pessoas transgénero. Logo, sendo um ponto de contacto inicial para muito do público geral e é nesse sentido que importa fazer alguns esclarecimentos. Como bem notado pela Carlota no Twitter, mas também reforçando novamente as indicações dadas pela GLADD – Gay & Lesbian Alliance Against Defamation, importa pois reter que, como regra geral, é ofensivo e/ou violento para uma pessoa Trans:
- mostrar fotografias antigas:
Para muitos casos é uma violência e um abuso mostrar ou pedir para ver fotos anteriores à concordância de identidade de género sentido pela pessoa.
- tratá-la pelo nome dado à nascença:
“Não se refira à pessoa pelo seu antigo nome. Ela mudou-o e deve ser concedido o mesmo respeito recebido por qualquer pessoa que mudou o seu nome.”
- usar pronomes desadequados à sua identidade de género:
“Evite pronomes desadequados [ela/ele], mesmo quando se referem a eventos no passado. Evitar o uso de expressões como “nascido/a um/a homem/mulher”. Use o termo ‘transgénero’ como um adjetivo [homem/mulher transgénero, por exemplo]”
- ser perguntada sobre a sua genitália e/ou operações:
“Não especule sobre procedimentos médicos, as pessoas transgénero podem ou não escolher fazer certos procedimentos como parte de sua transição. Isso é informação médica privada e uma identidade transgénero não é dependente de procedimentos médicos. Enfatizar os aspectos médicos da transição de uma pessoa objectifica as pessoas transgénero e impede o público de ver a pessoa transgénero como uma pessoa completa.”
- afirmar que “parece mesmo um/a homem/mulher”:
“Não alimente críticas superficiais a uma pessoa transgénero sobre a sua feminilidade ou masculinidade. Comentar sobre o quanto uma pessoa transgénero se ajusta aos padrões convencionais de feminilidade ou masculinidade é redutor e insultuoso”.
- presumir a sua orientação sexual:
“A identidade de género refere-se ao género com que a pessoa se identifica. Orientação sexual refere-se à atração sexual . Identidade e orientação não são a mesma coisa e não devem ser confundidas”.
- falar exclusivamente de tópicos Trans:
A abordagem do tema, tal como o tempo que lhe é dedicado, deverá ter em conta a abertura e disponibilidade da pessoa ao mesmo. Tal como para as pessoas cisgénero (a esmagadora maioria da população), a sua identidade de género é apenas parte de uma pessoa multi-facetada e com múltiplas qualidades e interesses. Falar exclusivamente de um único tópico poderá ser redutor e psicologicamente esgotante para a pessoa.
- sugerir que enganou ou manipulou as pessoas:
“Não sugerir que alguém que se assume como transgénero (independentemente da sua idade) estava a mentir ou a enganar por que ele ou ela preferiu manter essa informação confidencial. As pessoas transgénero enfrentam taxas extremamente elevadas de rejeição familiar, emprego e discriminação de habitação e violência física. Cada pessoa transgénero tem que se preparar para enfrentar as possíveis consequências de se assumir e viver como tal. Essa precaução não significa que eles estavam a enganar ou mentir, significa simplesmente que era necessário manter a sua identidade de género privada até se sentirem seguros de assumi-la e divulgá-la a terceiros.”
Esta é, portanto, uma campanha, no mínimo, questionável, dado que a maioria das pessoas irá vê-la, mas não necessariamente ver o episódio – e ainda menos a discussão alargada depois do mesmo. É lançada assim uma mensagem contrária às directrizes de várias associações no que toca ao tratamento das pessoas Trans e que, repito-me, apesar da componente pessoal da mesma, pode gerar mais confusão que esclarecimento da população em geral. Mas, campanhas à parte, será pois um episódio que importará ver, nem que seja para comprovar que estas questões são debatidas adequada e justamente.
Xiça penico!!!!
Se as televisões não falam é porque ignoram,
se falam é porque especulam.
se fazem campanha é porque distorcem…
só pode dar mesmo vontade de os mandar entrar pela porta dos fundos…
Vi o seu post na integra e entendo perfeitamente o ponto de vista. No entanto, posso garantir, que a sugestão do texto foi aprovada por mim, pelo que não tenho quaisquer problemas, enquanto transexual (ou qualquer outro nome que queriam chamar) em mostrar fotografias antigas, falar sobre o assunto ou até mesmo referir o nome com que nasci. Pelo que da minha parte não houve qualquer problema em realizar a campanha. Mas podem sempre deixar a sugestão diretamente à SIC ou outros canais de televisão que abordem a temática.
O programa incluirá outros testemunhos e eu, apenas falo, da minha opinião pessoal acerca de cada tema. Cumprimentos
Caro Andreo, obrigado desde já pelo comentário e pela partilha 🙂
Este não é um texto contra a sua posição enquanto pessoa Trans que se expõe, acredito piamente, para um bem maior. A vida é sua e deve ser vivida plenamente. Apenas questiono a decisão da campanha publicitária pela sua ambiguidade em relação à forma como trata apresentação da temática Transgénero ao país (digamos assim). Daí ter publicado a lista de directrizes que várias ONG indicam nesse tratamento.
Dito isto, aguardo com expectativa o programa que verei com forte interesse.
Um abraço, Pedro 🙂